O
lazer na ria - 2
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(Cont).
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Por
volta de 1900, acentuou-se o desejo
de fruir das belezas da ria, em passeio, do conhecimento das cales mais
recônditas e estreitas e dos lugares mais típicos. Isso já era vulgar nas bateiras caçadeiras a 2 ou a 4 remos,
muito leves para a brandura das mãos singelas e mimosas das raparigas.
A
vela era para os mais musculados, mais rapazotes, de porte hercúleo.
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M. Mendes e J. Paião no IRENE.
1959
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Era
um prazer sorver as belezas da ria, aproveitar a alegria da juventude, as brincadeiras,
os namoricos, só de uma estação (amores
de Verão ficavam enterrados na areia), ou perduráveis por uma vida.
Para
além dos tais passeios lagunares a remos, havia, com muita frequência, picnics
organizados, com umas boas dezenas de raparigas e rapazes à Bruxa (Gafanha da
Encarnação), ao local da abertura do Canal do Desertas, à Vagueira e, para
norte, à mata ou à Casa-Abrigo, para umas tainadas,
em S. Jacinto.
Para
isso, se alugavam um ou dois mercantéis,
as ditas barcas de passage – assim
eram conhecidas.
Começou
a surgir a necessidade de reduzir a quantidade de picniqueiros e de tornar mais restritos e ocasionais, os passeios
na ria. Já bastava a obediência ao horário das marés…Começava a surgir a
necessidade de ter ou usar os tais «botes, mais tarde apelidados de Vougas».
O
passeio mais habitual, mais à mão, mesmo na nossa frente, era uma ida à Bruxa.
E,
a propósito de Bruxa, lembro-me e confirmei que no meu tempo havia duas Bruxas.
Uma não chegava. Não é que houvesse ali alguma «bruxa» propriamente dita. Pero que las hay, las hay… A que ficava,
como ainda hoje, mesmo junto à pseudo-mota da Gafanha da Maluca, ligada a uma Ti Norta, que curava algum malzinho,
não era a que frequentávamos.
Caminhando
uma centenas de metros, a pé, do lado direito, raparigas e rapazes, divertidos
e desejosos de dar asas aos seus afectos, pois muitos houve, às vezes, ainda
não resolvidos.
O
recinto era um terreiro tapado por junco, protegido por um telheiro quadrangular,
onde umas toscas mesas de madeira, alongadas, sob o telheiro, recebiam as
vitualhas.
Não
seriam o que mais nos interessava – umas bifanas, pão quente, uns pires de
amendoins, tremoços e azeitonas e a famosa jeropiga
(jorpigão), bebida doce e espiritual, em bilhas servida, para copinhos direitos
e pequenos. Cuidado! As moçoilas, com umas lambidelas na borda do copinho da jeropiga tornavam-se mais doces e
meigas, menos ariscas, mais dadas,
prontas para o bailarico sobre o junco, pois íamos munidos de um gira-discos a
pilhas, com as nossas preferências musicais em discos de 45 rotações.
O
junco não seria o piso mais adequado para o bailarico, mas nem se sentiam umas
picadelas ou cócegas do junco que entrava pelas sandálias, tal era o
entrosamento amoroso.
E
ao final da tarde, lá regressávamos à Costa Nova, sob a vigilância das mamãs,
que nos esperavam, ansiosas.
Para
ir à Bruxa, nem eram precisas barcas, mas mesmo (sim!) umas bateiras, ou então, os famosos Vougas. Neles íamos também com
frequência, ao banho lagunar, cheio de piruetas e de mergulhos da proa, na
Biarritz ou San Sebastian. O baixo calado do Vouga e o arredondado do casco
facilitava-nos o retorno a bordo, para novo mergulho. Era assim a vida na ria…
nadar por baixo do barco, outra pirueta, isto para os mais afoitos e
destemidos. E facilmente se abicava à areia, se necessário.
O Vouga Zé Manel, em Agosto de 1948
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Nas
idas à Vagueira, a sul, em duas barcas,
ou a S. Jacinto, a norte, à mata ou à Casa-Abrigo, lá íamos munidos de cestas
de mantimentos e doces, aprimorados, preparados habilmente pelas mães das
moçoilas, para captar o seu futuro genro, se tal querença era do seu agrado.
Instrumentos não faltavam – violas, violões, acordeões e bombos, para animar a
festa, cantoria e pé-de-dança.
Picnic à Vagueira, em Agosto 1961
Podíamos
rematar com uma banhoca fresquinha de mar espumoso, apesar da distância, à
época, apanhando e comendo… camarinhas pelo
caminho… Por isso, não faltavam mantas, agasalhos, as ditas grossas piolheiras, arrumadas sob a coberta da proa, para nos aquecerem ao
final da jorna.
Os
mais arrojados, rapazes, chegaram a velejar nos seus Vougas até ao S. Paio, famosa romaria da Torreira, a 8 de Setembro,
ou fazer passeios até ao Carregal, Ovar.
Chegada do Carregal, em Setembro de 1958
Pelos
anos 50, terá assim surgido a ideia do mítico Cruzeiro da Ria, desde 1959,
com poucas interrupções, que, este ano, cumpriu a sua 52ª
(quinquagésima-segunda) prova, com a duração de dois dias – Ovar/Aveiro/Ovar.
Nesta
altura, não faltavam lazeres e entreténs na Costa Nova, tanto se vivia na ria.
À noite, bailes chiques no Casino, abrilhantados por Jazz da época ou, em
alternativa, passeios de vaivém pela esplanada ao som de músicas dedicadas, a
pedido, na mítica Rádio Faneca. Outros tempos…
Mas
quando havia um bota-abaixo de um Vouga, era uma festa de arromba. Assim reza
uma notícia pescada em O
Ilhavense de 20 de Setembro de 1941, acerca de um bota-baixo …Júnior
construído pelo Mestre Gordinho, para o Sr. José Pardal.
E
muito mais festas do género se fizeram, mesmo mais tarde, até aos anos 80. Basta lembrar a reinação feita
aquando do bota-baixo do Vouga Gavião, construído para o Capitão Manuel Mendes,
à época, no estaleiro Ria Marine pelo Mestre Alberto Costa.
Para
além do Mestre Gordinho, foram surgindo alguns habilidosos de ocasião, que até
construíram o seu próprio barco familiar.
Em
fins dos anos 30, inícios de 40, sendo alguns proprietários de botes, moradores na zona do Sport Algés/
Dafundo e seus associados, tenho conhecimento que, entre 1938 e 42, o meu Avô
Pisco chegou a levar alguns, no lugre Novos Mares, para Lisboa.
Confesso
que na Costa Nova, fiz mais uso da minha bateira
a 2 ou 4 remos, de forqueta, uma naifinha,
com leme e tudo, mas, durante alguns Verões, muito nos divertimos no barco do
João José Agualusa, que não era um Vouga, mas outro tipo de barco à vela.
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(Cont).
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Imagens
– Fotos gentilmente cedidas pelos Capitães Aníbal, Paião, Manuel Mendes e
Comandante Paulo Corujo.
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Ílhavo,
28 de Novembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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