domingo, 29 de janeiro de 2017

Não nevou em Ílhavo. Só há trinta anos...

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Fez este Janeiro precisamente trinta anos que nevou em Ílhavo.
O tema não é bem o habitual no Marintimidades, mas anda lá por perto. Prometeram, prometeram, prometeram muito frio mas, neve, nada… Bem tive a máquina de atalaia…
Há quem nunca tenha visto o mar e fique horas a olhá-lo, pela primeira vez, na ânsia de transpor o horizonte. Nós, que temos a benesse de usufruirmos das dádivas do litoral, pelo contrário, não podemos apreciar, com frequência, o espectáculo da neve a cair e a matizar de branco montes, vales, bosques, animais, praças e pessoas.
Às vezes, parece que tenho uma atracção por datas e  sem grande esforço, recordo factos com facilidade, não me deixando o meu arquivo fotográfico, normalmente,   ficar mal. Procurei e, rapidamente, encontrei as imagens catalogadas de Neve em Ílhavo – 14.1.1987 – os tais 30 anos.
Pretendo fazer com que os ílhavos recordem este dia, pois não podemos ficar indiferentes ao temporal, frio e neve, que têm assolado, sobretudo, a Europa.
Apesar do frio e chuva que temos suportado, não deixemos de abençoar o cantinho da Europa, à beira-mar plantado, em que vivemos… Vamos lá ver o que meteorologia nos augura...
Como há 30 anos, a minha agilidade para trepar aos telhados, em busca de imagens diferentes, era mais que outra, consegui alguns «clichés» de Ílhavo, menos vulgares. Agora, tenho de usar os mesmos, para quem não viu, e, sobretudo, porque não nevou em Ílhavo. Ei-los:
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Telhados da Rua Ferreira Gordo

Telhados ao longo da Rua João de Deus

As torres da nossa Igreja, à sua altura…

Leves flocos salpicam a Praça da República
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Imagens – Arquivo pessoal da autora
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Ílhavo, 29 de Janeiro de 2017
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Ana Maria Lopes
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domingo, 22 de janeiro de 2017

Homens do Mar - João dos Santos Labrincha - 28


 

Foi dos capitães com tem tive mais contacto. É fácil de perceber – embarcou durante 15 anos seguidos, em navios de Testa & Cunhas. É evidente que isso representou um factor de aproximação. E a própria vizinhança, ali perto, na Rua de Camões., nº 94.
O Sr. Capitão João dos Santos Labrincha, de alcunha Laruncho (1901-1980), nasceu em Ílhavo em 8 de Agosto de 1901. Filho de Manuel dos Santos Labrincha, e de Rita Correia, teve, do casamento com a Senhora D. Clotilde Silveira, duas filhas – a Rita e a Benedita com quem fui contactar e pedir fotos do Pai, a bordo, no caso de existirem.
Possuía a cédula marítima 12026 passada pela capitania do porto de Aveiro, em 14 de Março de 1914.
Pressuponho que tenha embarcado sem que haja dados par o certificar, mas a partir do momento em que há registos fiáveis, teve um currículo muito certinho, sobretudo entre a Empresa de Pesca de Aveiro e Testa & Cunhas, Lda., com duas curtas excepções.
Nas campanhas de 1928, 29 e 30, foi piloto do lugre Maria da Glória, da Empresa União de Aveiro, Lda., comandado pelo Capitão António Marques (28) e pelo Capitão Francisco dos Santos Calão (29 e 30) - lugre Maria da Glória que veio a ficar  tristemente conhecido pelo fatídico bombardeamento que sofreu em 1942, com consequências desastrosas para Ílhavo.
Nas safras de 1931 e 32 ocupou o cargo de piloto no lugre Santa Joana da EPA, sob o comando Capitão João Ventura da Cruz. O ano de 1931 fora o famoso ano da viragem, o ano heróico da primeira pesca na Groenlândia, que abriu novas portas para a pesca do bacalhau, que era assolada por uma crise profunda.
De 1933 a 35 passou a capitão, com o piloto Manuel Ferreira da Silva, da Gafanha da Nazaré (33), no San Jacinto. O lugre com motor San Jancinto, de madeira, ex-Encarnação, foi construído em 1919, em Pardilhó, por Joaquim Dias Ministro. Adquirido pela Empresa de Pesca de Aveiro para a campanha de 1933, o San Jacinto, na campanha de 1936, passou para a Empresa de Pesca de São Jacinto, Lda.

O lugre San Jancinto, da EPA, até 1936

E o Cap. João Laruncho, como era mais conhecido, continuou na EPA, mas desta vez a comandar o lugre Santa Mafalda, durante 11 anos, de 1936 a 46 – um dos quatro Santas que demandaram a Groenlândia em 1931. Tão heróico foi o feito que não é demais repeti-lo ou lembrá-lo!!!!!
Foram seus pilotos, os ílhavos, João Pereira Gateira (36 e de 38 a 41), José Simões Ré (37), João Nunes de Oliveira, de alcunha Sousa (42, 43 e 44) e José Simões Amaro, de alcunha o Forneiro (45 e 46).
E, porquê? Lá saberão os interessados, à época, mudou-se de armas e bagagens para Testa & Cunhas, Lda., até ao fim da sua carreira profissional.
Começou por comandar nas campanhas de 1946, 47 e 48, o lugre Novos Mares, aquele bonito lugre de quatro mastros, que estreara o meu avô, na viagem de 1938. Foram seus pilotos, os ilhavenses José Simões Amaro (47) e António Cachim, em 48.

O lugre Novos Mares, a secar pano, em frente à seca
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Durante seis campanhas, de 1950 a 55, comandou o navio-motor Inácio Cunha, construído por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1945, na Gafanha da Nazaré, dentro do plano de renovação de navios.

Em dia de bota-abaixo, o Mestre Mónica, em discurso exacerbado, junto da madrinha, Senhora D. Adília Cunha. 1945

Na primeira viagem que fizera o nosso capitão, em 1950, naufragara, com o leme partido pelo violento temporal o navio-motor Cova de Iria. Os náufragos foram salvos e trazidos para Leixões pelo navio Inácio Cunha. Aí o vemos a entrar, apinhado de gente.
O Inácio Cunha, na entrada, em Leixões. 1950

Durante estes anos, foram seus imediatos João Nunes de Oliveira, de alcunha Codim (1950 a 54) e Armando Pereira Ramalheira, em 1955. Seus pilotos foram Juvenal Carlos Filipe Fernandes, da Gafanha da Nazaré (50 e 51), Augusto Manuel Valente Labrincha (52 e 53) e Calisto Casqueira Ribau, da Gafanha da Nazaré (54 e 55).

No espardeque do Inácio Cunha, o capitão saúda, à entrada

Durante a cerimónia Bênção de 1953, o Capitão João Laruncho foi condecorado pelo Presidente da República General Craveiro Lopes, entre outros capitães ilhavenses.
Enquanto miúda, tenho a latente lembrança de que ele me trazia daqueles afamados e grandes fashion stores canadianos algumas lembranças – lâmpadas de Natal, multicolores, de água efervescente, que faziam os meus encantos, todos os Natais, uma gabardina muito chique, de cor bordeaux, debruada a quadriculado condizente; mais moçoila, já apreciava umas maquillages levezinhas, uns cremes e uns blushs, que ainda não havia por cá.
E com o vai e volta dos bancos da Terra Nova e Groenlândia, chegara o ano de 1956 e, com ele, um dia ímpar, para mim. A 10 de Março, pelas 15 horas, num dos dias mais felizes da minha adolescência, em cerimónia pomposa, na Gafanha da Nazaré, amadrinhara o navio-motor São Jorge, que Testa & Cunhas encomendara nos estaleiros do Mestre Manuel Maria Bolais Mónica, que o Capitão João Laruncho iria estrear no seu comando. O imediato fora Armando Pereira Ramalheira, em 56 e 57, e piloto, João Sílvio Serrano Matias, em 56.

O navio-motor São Jorge, embandeirado em arco, em dia de bota-abaixo
Pelo meu afilhado São Jorge, se manteve o Capitão João dos Santos Labrincha, até 1961, inclusive, não tendo voltado a ter mais imediatos de Ílhavo.

Na porta de visita à chaminé, EB, do São Jorge 

Dando por encerrada a sua vida de mar, aposentou-se com sessenta anos.
Viveu ainda alguns, bem merecidos, por Ílhavo, na companhia da família e nos habituais encontros de colegas, junto à farmácia, no jardim da vila, ao domingo, no Café Central e na barbearia do Sr. Leopoldo, onde se discutiam acaloradamente todas as campanhas do bacalhau.
Era assim a vida, naquele tempo… para quem esteve ou estava ligado ao mar.
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Imagens – Arquivo pessoal e gentil cedência de familiares
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Ílhavo, 27 de Novembro de 2016
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Ana Maria Lopes
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domingo, 15 de janeiro de 2017

AMI enriquece espólio pictórico do MMI

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Ontem numa frígida noite de 14 de Janeiro, em que o Museu Marítimo de Ílhavo anunciou o programa de eventos comemorativos do seu octogésimo aniversário (com o seu ponto alto a 8 de Agosto), a Associação dos Amigos do Museu de Ílhavo (AMI) teve o prazer de enriquecer a colecção de pintura, que, desde há três anos, se exibe em sala apropriada para o efeito, – o melhor dos nossos maiores e não só…. temas marítimos ou lagunares, dentro de determinadas correntes que se consideram essenciais na colecção.
Este ano, nos seus 80 anos, o que lhe teríamos reservado? Um achado…uma pérola… que vinha enriquecer o espólio museal.
Aqui atrasado, foi a leilão no Palácio do Correio Velho, uma aguarela intitulada Marinha, de pequena dimensão, 12,5 cm. x 25,5 cm, assinada por T. Mello, não datada. O preço não era assim muito ousado, até porque o suporte apresentava leves sinais de pigmentação, fáceis de atenuar, por restaurador perito.
Marinha de T. Mello

Marinha pode designar muita coisa, mas, neste caso representava duas bateiras ílhavas, na praia, muito provavelmente, em Cascais, com alguns pescadores ílhavos. Depois de observar o quadro, on-line, o entusiasmo apoderou-se de mim. Parece que tinham sido feitas de encomenda. As «nossas tão faladas ílhavas», de uma beleza, elegância e cromatismo extraordinários. Que belíssimo bocado de papel aguarelado documental!....
Depois de umas peripécias leiloeiras, a aguarela era pertença do MMI, pelas «mãos» da AMI.
Ao vê-la ao vivo, os olhos caíram-me nela e dela não se queriam distanciar. Todo o conjunto – aguarela, passepartout e moldura eram trespassadas por uma patine encantadora, que o tempo confere aos documentos.
T. Mello (Thomaz de Mello) foi um autor luso-brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 1906 e falecido em Lisboa, em 1990.Viveu quase toda a vida entre Cascais e Sintra, tendo-se dedicado a vários meios gráficos, desde a pintura ao desenho, passando pela BD, caricatura e tapeçaria, estudados pelo crítico de arte José Augusto França. Pertenceu à segunda geração de pintores modernistas.
Ílhavo, 15 de Janeiro de 2017
Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Homens do Mar - António dos Santos - 27




Capitão António dos Santos
À procura de impossíveis, lá vou pedindo, telefonando, escrevendo, indo a casas onde nunca tinha entrado e conversando com pessoas com quem nunca tinha conversado. E assim fui falar, depois de já anunciada, com o Sr. Capitão António Tomé Santos. De uma cajadada matava dois coelhos, perdoe-se-me a expressão coloquial, pois ele, simpaticamente, me recebeu e me cedeu alguns dados, dele e, sobretudo, neste caso, do Pai.
Homens arrojados, valentes, corajosos, estes! Verdadeiros heróis!!! Não é que nunca me tinha apercebido que o Sr. Capitão António dos Santos tinha naufragado três vezes, duas delas, seguidas – no Normandie (1941), no Maria da Glória (1942) e no Leopoldina (1947)? Demais para um homem só!... Veleiros algo anacrónicos, de madeira, já antigos, envelhecidos, conduziam a situações destas.
Tive acesso a uma entrevista que o Capitão tinha dado ao jornal Comércio do Porto, a 7 de Novembro de 1934. Já vai distante, mas António dos Santos, à data, já contava uma boa dezena de viagens. Li-a com interesse, achei-a curiosa, enaltecedora dos seus homens, sobretudo, dos de Ílhavo, enternecedora e, espantosamente bem-humorada.
(…) No cais de Massarelos, tendo estado à descarga, o Santa Regina, comandado pelo capitão António dos Santos, oficial sabedor, enérgico, decidido, arcaboiço de lutador dos mares, homem experimentado nas lides da pesca do bacalhau, é na amurada de bombordo do seu navio, que o capitão Santos descreve, com a maior simplicidade, em conversa, a sua viagem deste ano à pesca do fiel amigo (…).
– Têm horas certas de trabalho, os homens?
– Têm, mas, quando é preciso aproveitar a maré, aproveita-se. É para benefício de todos…
– E demais, como é sempre dia… na Gronelândia (…).
Uma faina de mil diabos, esta vida! Ninguém imagina os trabalhos que a gente passa, quando comem, regaladamente, uma posta de bacalhau assado ou um prato de bacalhau à Gomes de Sá…
– As montanhas de gelo são lá frequentes, capitão?
– São, sim, senhor. Os icebergues, frequentes e perigosos (…). Vê acolá aquela racha? – e aponta uma enorme fenda aberta no cobre do casco. Aquilo foi, só, de roçar por um campo de gelo. Uma manobra demorada demais para o evitar.
– E como procurar evitar esse perigo?
– É conforme. Em último recurso, entregamo-nos à Providência – concluiu o capitão – que desta vez, como de tantas outras, foi a nossa boa protectora
– É certo os esquimós visitarem os vossos navios?
– Eu não os vi, pois pesquei a 64 graus. Mas, aos que fundeiam mais para o Norte, a 68 graus, têm aparecido, a trocar peles de animais por aguardente. O meu colega do Viajante 2º, que pescou pelas alturas da ilha de Disko, teve este ano, a bordo, a visita de seis mulheres esquimós.
E, num olhar malicioso, num desabafo de inveja, o capitão rematou:
– Que rico dia de pesca! Uma marésada assim, não a apanha cá o velho…
– É toda de Ílhavo, a tripulação do Santa Regina?
– Não. Trago também homens da Figueira, da Afurada e da Póvoa…
Verdadeiros heróis! – exclamou, entusiasmado e orgulhoso, o capitão. E, depois com desalento, concluiu:
– Heroísmo ainda tão desconhecido e mal avaliado, quando o Mar lhes não abre a sepultura, espera-os uma velhice cheia de necessidades e misérias…
– E nos dias bonançosos e noites serenas, que fazem os seus marinheiros?
O capitão não responde. Fica pensativo, olhos fitos para além da barra. Mas, compreendendo-lhe o seu pensar, ouvimo-lo dizer:
– Nas noites luarentas almas resignadas dedilham a guitarra, a recordar a sua terrinha tão longe adormecida, tantas milhas distante dos seus olhos saudosos… Nas horas vagas de brisa fagueira, ou calmaria podre, dão largas ao seu instinto artístico. E à revessa do castelo da proa, pegam num madeiro, num canivete, modelam um casco, aparelham-no num requinte de gosto e apuro, sem a mínima falta dum pormenor e das suas mãos, cortadas da linha da zagaia, gretadas da salga e dos ventos glaciais, saem essas embarcações miniaturas, verdadeiras maravilhas de arte, que são o pasmo e encanto de quem visita a sala marítima do Museu de Ílhavo.
Estava terminada a visita. Que os trabalhos da descarga exigiam a presença do capitão. E, já na prancha do cais ainda lhe ouvimos dizer, com aquela franqueza rude, característica da gente do mar:
– Apareça mais vezes. Os amigos são sempre bem-vindos.
Um pouco longa para intróito, mas, mesmo assim, foi decepada, quando achado conveniente.
O Sr. Capitão António dos Santos nasceu em Ílhavo em 6 de Janeiro de 1897. Filho de Tomé dos Santos e de Josefa da Silva, casou com a Senhora D. Ermínia Rocha, de quem teve os filhos – Maria Emília Rocha Santos e António Tomé Rocha Santos.
Possuía a cédula marítima 8399 passada pela Capitania do Porto de Aveiro, sem data.
Teria ido cedo para o mar como muitos outros dos seus conterrâneos, pois esse mar, esse mar danado, corria-lhe nas veias.
Consultados os primeiros jornais, em 1928, foi piloto do lugre Vega, que era o Altair e que viria a ser o lugre Vaz, comandado pelo Capitão José Cândido Vaz.
Nas campanhas de 1929 e 30, foi capitão do lugre Ilhavense 2º.
Nos primeiros arquivos marítimos credíveis, coincidentes com os dados desta entrevista, surge o Sr. Capitão António dos Santos, no comando do lugre-escuna Santa Regina, desde 1934 a 1937, inclusive, da praça do Porto. Em 1936 e 37, foi seu piloto, o também ilhavense João Maria da Madalena. Foi o Capitão Santos que levou pela primeira vez, ao mar, o famoso Zé da Pardala, neste lugre-escuna, possivelmente na campanha de 1935. Vide Memórias (1927-1983), de José da Silva Cruz. Edição de Autor, 1986, p. 15 a 24.
 
Nas safras de 1938 a 1941, continuou capitão, mas, agora do lugre-patacho, de madeira, Normandie.
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O lugre-patacho Normandie
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Este foi o navio francês Normandie III, construído em Shelburne, Canadá, adquirido pela Empresa de Pesca de Portugal, Lda., desta vila, em hasta pública, que iniciou a sua actividade em 1935. O ano de 1941 teria sido fatídico para o navio, pois, no dia 30 de Maio, caíra sobre os bancos da Terra Nova, um forte temporal, do qual resultou ter sido varrido ao mar, de bordo do Normandie, o pescador António Francisco Coentrão de 28 anos, natural de Caxinas, Vila do Conde.
Segundo notícia de O Ilhavense de 20 de Setembro de 1941, no dia 7, naufragou, com água aberta, como já referimos, propriedade da Empresa de Pesca de Portugal, Lda., de que era gerente o Sr. Francisco António de Abreu. Comandado pelo experimentado homem do mar, António dos Santos e pilotado por Manuel Machado dos Santos (Praia), estava com o carregamento completo. A tripulação foi toda salva e recolhida a bordo do lugre com motor, de madeira, Ana I que a terá trazido a Aveiro.
Foram também seus pilotos, António dos Santos Labrincha (38), Belarmino Ascenção de Oliveira (39) e José Estêvão da Maia (40).
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Não terão sido excessivas, para uma só pessoa, tantas tormentas, inimagináveis?
No ano seguinte, exactamente o de 1942, em tempos de guerra, aceitou pilotar o lugre Maria da Glória, um pouco mais recente, liderado pelo capitão Sílvio Ramalheira. O Maria da Glória, ex-Portugália, construído na Gafanha da Nazaré em 1921, tomou este nome, na campanha de 1927, então propriedade da Empresa União de Aveiro Lda.
Afundado em 5 de Junho de 1942 por um submarino alemão, em viagem para os Grandes Bancos, constituiu uma das maiores tragédias que assolaram a nossa vila maruja. Dentre os 44 tripulantes, apenas se salvaram 8, em condições sobre-humanas, em dois botes carentes de tudo. E António dos Santos foi um dos que se salvou.
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 O lugre Maria da Glória
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E agora? É caso para perguntar… A fé é que nos salva – pensa o povo e assim pensara o ex-piloto. O susto fora tão grande que, na sua aflição, António dos Santos prometera ir ao Santuário da Nossa Senhora de Fátima, todos os anos, a pé, o que vinha cumprindo desde aquele terrível acontecimento, já lá iam dez anos.
Mas não esmorecera e o apelo do mar e o sustento da família chamavam-no com fervor.
No ano seguinte, na campanha de 1943, tornara-se capitão do lugre de madeira Leopoldina, pertencente à praça da Figueira da Foz. O Leopoldina tinha sido construído em Caminha por A. D. dos Santos Borda, em 1902, e fora propriedade de Manuel Moreira Rato & Filhos, de Lisboa, e de um grupo de sócios figueirenses. Em 1906, tornou-se propriedade da Lusitânia – Companhia Portuguesa de Pesca, então formada.
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 O lugre Leopoldina
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Entre as campanhas de 1943 e 1947 (inclusive), comandara-o o Sr. Capitão António dos Santos, até lhe sentir o peso e o perigo do seu afundamento, com água aberta, no Virgin Rocks, em 1947. Em 1943, pilotara-o Bernardino José G. Barbosa e em 1944, o ilhavense Benjamim dos Santos Marcela, Pardal.
Na campanha de 1948, transferira-se para capitão do lugre com motor Trombetas, da mesma empresa armadora.
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Ainda com forças para enfrentar o mar, António dos Santos embarcou de capitão, na safra de 1949, no lugre de madeira Paços de Brandão, da praça do Porto. Construído na Terra Nova, fora reconstruído em 1923, em Vila Nova de Gaia para a firma Veloso, Pinheiro & Cª., Lda. Acabou por ter o seu fim, com água aberta, em 1951, já sob o comando de João André Alão. Pilotara-o nessa viagem, o ílhavo António Nunes Júnior, o Rão.
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 O lugre Paços de Brandão
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Mais do que com razões para sentir na pele a dureza da vida de mar, o Sr. Capitão António dos Santos, muito estimado por todos os seus colegas, depois de três anos em terra, de recobro, partiu cedo e repentinamente, com 56 anos, em 19 de Outubro de 1953, tendo estado a bandeira do Sindicato dos Oficiais, a meia-haste, durante três dias.
A biografia marítima deste nosso Homem do Mar, quase que se poderia intitular, na senda dos naufrágios… três foram eles, e dois completamente seguidos.
 
Imagens – Arquivo pessoal e gentil cedência do filho

Ílhavo, 20 de Novembro de 2016
 
Ana Maria Lopes
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