A propósito da biografia do meu Avô, que está em agenda de edição num futuro próximo, procurava uma imagem do Cruz de Malta, que também consta dos navios que comandou.
Como ainda tenho uma ideia, se bem que vaga, do Cruz de Malta e, perante as várias imagens que tinha e as que alguns amigos me foram cedendo, “fez-se luz” e alto lá!... podia juntar os dados que tenho do navio, pesquisar outros e tornar a sua história mais aliciante e apetecível.
É obrigatório começar pelo lugre Laura. Este navio, de três mastros, sem motor auxiliar, foi construído em 1921 na Gafanha da Nazaré por José Maria Mónica, sob risco de José Soares; propriedade da Empresa de Navegação e Exploração de Pesca, Lda., participou nas campanhas de 1921 a 1926. Imobilizou em 1927, para reconstrução, a cargo de Manuel Maria Bolais Mónica e toma o nome de Cruz de Malta na campanha de 1928, então, propriedade da Empresa Testa & Cunhas, Lda.
Lugre Laura
Lá que a reconstrução fez milagres, pelo menos, a nível estético, fez. O Laura não devia muito à elegância, na sua roda de proa direita e rombuda, enquanto que o Cruz de Malta (ler mais em Navios e Navegadores), primava pela beleza e elegância, no lançamento da roda de proa. Passou a ter um motor Guldner, com potência de 150 cavalos.
Cruz de Malta frente à seca
Na primeira campanha ao serviço da nova empresa, com 47 tripulantes e 42 dóris, a captura limitou-se a 1597 quintais de peixe e 2 toneladas de óleo de fígado de bacalhau, que renderam 195.600$00, dos 5500 quintais possíveis. Foi, talvez, a grande escassez de peixe, neste período, que levaria os navios nos anos seguintes até à Groenlândia, revelando-se, desde aí, local obrigatório de pesca.
Cruz de Malta encalhado
Dentre várias, foi esta a curiosa fotografia que quase me levou a dedicar um post a este navio. Situação, para mim, inédita. Encalhado frente a S. Jacinto (não havia, ainda o actual Triângulo), ferro a pique, vê-se bem, é aliviado. Três mercantéis, um por bombordo e dois, por estibordo, trasfegam o que é possível, incluindo dóris empilhados, atravessados, a bordo. Original!!!
Coexistiram na Empresa o Cruz de Malta, o Inácio Cunha, o Novos Mares e o São Jorge.
Foi, por uns anos, sempre muito cuidado, o navio mais velhinho e de menor capacidade de Testa & Cunhas, mas, talvez porque tivesse sorte, era considerado a mascote, uma espécie de talismã, para a mesma. Prova disso mesmo, a adopção, a partir de 7 de Março de 1947 (de acordo com documento existente) da cruz de Malta como logotipo da sociedade e a construção, em aço, em 1982, pelos Estaleiros de S. Jacinto, de um arrastão costeiro com o mesmo nome. O desenho da cruz do logotipo nem sempre respeita o design dos quatro braços em V, característicos da cruz de Malta.
À direita, Capitão Júlio Paião, a bordo do Cruz de Malta – 1943
Passaram pelo pequeno, mas garboso lugre, como capitães, tantos ilhavenses conhecidos como o Avô Pisco (1928 a 37), Capitão Quim da Graça (1938), Capitão Júlio Paião (1943 e 44), Capitão José S. Bixirão (Ponche) (1947 a 49), Capitão Manuel da Silva (1950 a 55) e tantos outros! Tantas e tantas safras, tantas e tantas campanhas, tantos e tantos sacrifícios, tantos e tantos perigos!
A navegar a todo o pano
A sua vida já era longa, quando por alquebramento (água aberta), se afundou, em 7 de Agosto de 1958, sob o comando de António Fernandes Matias, tendo sido recolhida toda a tripulação, a bordo do Gil Eannes.
Em vias de naufragar…
E assim foi vivendo, soberano, o Cruz de Malta, levando e trazendo tantas vidas, tantas saudades e tantas esperanças! Destes pedaços de tábuas e de almas é feita a Faina Maior!
Fotografias gentilmente cedidas por vários Amigos e arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 18 de Janeiro de 2009
Ana Maria Lopes