São
26 de Junho, quinta-feira. O Verão já começou, mas o tempo, para ajudar à
missa, anda muito incerto! Uma brisa de sudoeste saborosa! Um céu de um azulino
puro, com nuvens acumuladas, apenas junto ao horizonte. Já não bastam as
desavenças, exigências e desorganizações para a organização da Regata da Ria, evento que já foi
acontecimento/âncora nas Festas da Ria.
Será no sábado, mas com quantos barcos
moliceiros? De dimensões normais? Sete a oito, não se sabe bem. Moliceirinhos? Quatro…, número incerto. Bateiras à mistura, para colmatar a
falta de moliceiros? Não se sabe
quantas. É o que se ouve, no centro do mundo. E, neste caso, o centro do mundo
é a praia do Monte Branco, na Torreira, junto ao Estaleiro-Museu, onde trabalha
o Mestre Zé Rito e pinta o Zé Manel. Actualmente, é lá o melhor local para sentir
os preliminares da festa. Quem vagueia pela ria, sabe-o.
A
Regata de Moliceiros, a realizar no sábado, dia 28, depois de amanhã, já foi prevista
com versões diferentes, integrada num evento de nome pomposo e sonante Ria de Aveiro-Weekend.2014. Não seria
melhor aproveitar o espectáculo dos preparativos, que, por vezes, são o melhor
da FESTA?
Nem
temos dúvidas… sabe tão bem, de quando em vez, tirar o relógio e viver sem
tempo, entre a natureza e o ser.
E
lá fomos de mala aviada, a Etelvina e eu, de olhar expectante e máquinas à
espreita, bordejar a ria e saboreá-la, refrescar os pés, em contacto directo
com o agitar das águas, que sobem.
E
o concurso de painéis, que, há dezenas de anos, esteve na base da organização
da regata para entusiasmar os proprietários a mudar, anualmente, os painéis?
Foram
repintados dois barcos, o do Zé Revesso e o do Zé Rito. Ao todo, oito painéis.
Que pobreza franciscana!
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Há
pessoas de boa vontade, há manobras, há barcos, há homens da ria verdadeiros, inseridos
numa paisagem deslumbrante e envolvente!
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Mestre
Zé Rito, no seu semblante simpático e risonho, ultima o seu moliceiro, que ficou para o fim, a que o
Zé Manel e o pai finalizam a decoração.
Três
gerações entreajudam-se e carenam três
barcos, com uma facilidade impressionante, que nos deixam abismadas. São
brinquedos nas mãos deles; precisam de uma limpeza no fundo e de uns pequenos
retoques, que farão ainda, amanhã.
Mas
esta geração está a acabar e não se vê muito quem a continue.
–
Força, carago! Para cima, e
apoiam-nos na toste (outra
serventia), escorada.
Fogo, é pesado! –
reclamam! Não soa bem assim, mas de forma idêntica.
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É
este o verdadeiro espírito da ria.
-
O
Ti Zé Revesso, miúdo, magrote, de
olho azul desbotado pelo sol, de pele engelhada, rugas vincadas, conhecedor dos
segredos da ria, de calça arregaçada, comenta:
-
– Esta semana
tem sido um correr para aqui. Amanhã, de novo.
– Olhe, deixe
lá, é bom. Enquanto estamos aqui… – retorqui.
–
Não estamos noutro lado – respondeu. Verdade
lapalissiana.
–
Então, Sr. Revesso, que idade tem? No ano passado, pediu-me segredo, pois tinha
só 37 anos. Percebi.
– Olhe, este
ano, estou perto de fazer 3 quarteirões.
Mas enquanto por
cá andar, o
meu barco há-de ser pintado todos os anos, até poder.
E
foi. E mostrou-mo enlevado, pintadinho de fresco, o A.
RENDEIRO.
– Está quase tão lindo comò dono – gracejou.
Disso
se encarregou o Zé Manel, o conhecido pintor da ria, que a todos acode, agora
auxiliado pelo pai.
Pouco
depois das cinco horas – começava o adeus
de Portugal ao Mundial – foram desandando e despedindo-se afectuosamente de
nós.
Ficámos
sós naquele espaço e cada uma saboreou-o à sua maneira.
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Sentada
num passadiço, na borda-d’água, com os pés pousados num mastro deitado no areal,
perdi-me na imensidão da paisagem.
O
silêncio só era quebrado pelo marulhar
das águas e a alteração da luz –
intensa, suave, mágica – ia realçando
os brancos dos casarios, por entre as serranias longínquas.
Esqueci-me
do mundo, das crises, das maleitas, das corrupções, dos desempregos, dos exames
e quejandos.
Semicerrava
os olhos para ver se o que observava era mesmo verdade – barcos, água, céu,
serranias…infinito! Até onde irá? Será o antónimo de finito? Medito…Reflicto…
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Bebia
sofregamente a imensidão das águas de uma calmaria impressionante. A brisa
sudoeste rodara e caíra, por completo.
Nem
escrevinhar, nem fotografar me apetecia! Por melhor que fosse a objectiva não era
suficiente para registar tanta beleza e tanta paz. Só sentidas!
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Para
os tempos que correm, quatro moliceiros tradicionais
juntos é uma mão cheia deles.
Ao
longe, da esquerda para a direita, a policromia do cais dos pescadores, a Ponte
da Varela riscada no céu, embranquecida pelo efeito do pôr-do-sol.
Não
tínhamos vontade de regressar. A hora crepuscular obrigava-nos. Os barcos ali se
aquietaram para nosso deleite, enquanto saboreávamos o fim de tarde lagunar,
com fascínio.
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Imagens
– Recolhidas, hoje, pela autora do blogue
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À
beira-ria, 26 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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