quinta-feira, 29 de maio de 2008

Ilhavenses no Museu Marítimo de Greenwich

No périplo pelos grandes museus marítimos europeus (Musée de la Marine de Paris, Musée du Bateau, Douardenez, o Nederlands Scheepvaart Museum de Amsterdão, o Museo Maritimo de Barcelona), que fiz nos anos 90, não podia faltar o National Maritime Museum de Greenwich.

Situa-se o Museu no Grandioso Parque Real de Greenwich, entre o Real Observatório e a seiscentista Casa da Rainha. Apresenta uma colecção invejável de pintura marítima, modelos de embarcações, barcos de madeira em tamanho natural, bergantins reais e fotografias históricas incomparáveis. O museu fala da história da Bretanha e do mar desde tempos pré-históricos, romanos e medievais até aos dias de hoje.

São de recordar o canhão de bronze do espólio do Mary Rose (a ele voltarei…), o uniforme de Nelson usado da batalha de Trafalgar, os primeiros globos do mundo, etc., etc.…

Mas, uma das salas que mais me chamou a atenção foi a Sala Neptuno, pela presença da pesca do bacalhau representada pela exposição de um dóri aparelhado, mas sem vela, do navio-motor, de madeira, “Capitão Ferreira”.


Dóri do “Capitão Ferreira” na Sala Neptuno

Em painel contíguo, um texto de Alan Villiers e cinco fotografias de A Campanha do Argus, 1951, ilustram a vida na pequena embarcação exposta.

Pormenor do painel elucidativo

Detenhamos o nosso olhar na fotografia do fundo, à direita. Alguns rostos foram-nos familiares – eram ilhavenses.

Oficiais do “Argus” – A Campanha do Argus de Alan Villiers, 1951

Num destes dias, na Gafanha da Nazaré, o Amigo Marques da Silva fez-me o favor de identificar os oficiais que eu não conhecia. Da esquerda para a direita:

Capitão – Adolfo Simões Paião
Imediato – João Fernandes Matias
1 º Motorista – César Maurício (de Lisboa)
Piloto – José Luís Nunes de Oliveira (Codim)
2 º Motorista – Manuel da Maia Rocha

Com excepção do 1º Motorista, todos são ilhavenses e podem ser recordados no Museu de Greenwich. Se lá for, não deixe de espreitar a Sala Neptuno.

Também toscos estaleiros navais em muito idênticos aos que vão desaparecendo junto à Ria de Aveiro e que ninguém pensa em preservar, bem como representações dos armazéns de pano das antigas secas, com toda a utensilagem necessária ao trabalho de massame e velame dos navios, me detiveram a atenção.


Mas Greenwich não é só isto… a ela voltarei, na esperança de ver, de novo, renascido das cinzas, o lendário e mítico navio Cutty Sark.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 29 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes









domingo, 25 de maio de 2008

Um olhar sobre... a exposição Rostos da Pesca

Nada como aproveitar as duas horas de viagem entre Aveiro e Lisboa, no Alfa Pendular, para discorrer sobre arte.

Ainda sensibilizada pela exposição patente no MMI. Rostos da Pesca, aconselho-a vivamente como mostra a visitar, pois, nem sempre temos à mão obras desta excelência.

No entanto, para mim, há cinco trabalhos que ressaltam do conjunto: são eles os de Silva Porto, João Vaz, Marques de Oliveira, Eduarda Lapa e Lázaro Lozano.
A minha memória afectiva filtrou a exposição, de acordo com as minhas preferências: Silva Porto e João Vaz são nomes sonantes no panorama artístico português dos séculos XIX e XX e, então, procuram-se avidamente.

Em dois óleos sobre madeira cujo tema é a Praia da Póvoa de Varzim, revelam-se, fortes, expressivos, impressivos e emotivos; só que não retratam propriamente rostos, mas antes a paisagem aliada à representação generalizada das actividades piscatórias da beira-mar, hoje praticamente extintas: as grandes lanchas poveiras do alto, pujantes no seu porte, há muito se ausentaram.

A caminho do Museu de Marinha, motivada como estou, não deixarei de revisitar as soberbas marinhas de João Vaz, lá existentes, de dimensões arrebatadoras: Olhão, Setúbal, Muleta do Barreiro e Espinho. Esmagam.

À espera dos barcos de Marques de Oliveira paralisa-me emocionalmente: aquela rapariga, de lenço esbranquiçado na cabeça, rosto tisnado, olhar distante fixo no horizonte e no mar, quem espera? Um ente querido: pai, marido, namorado? Tocante.
Já nos anos 90, aquando da reabertura ao público do Museu Soares dos Reis, no Porto, após restauro e reestruturação do espólio, este óleo foi cabeça de cartaz. Desde aí o “fotografei” e o “retive” e não deixarei de o revisitar quando o souber exposto.

Surpreendeu-me, também, pela positiva, a Velha Varina da Nazaré. Aquele pastel sobre papel, de pequena dimensão, de Eduarda Lapa, revela uma colossal grandeza interior. Vale a pena envelhecer assim, com um rosto daqueles: o bronze da pele, as rugas vincadas e macias, o brilho dos olhos experientes e vividos.
O que me espantou, sobretudo, foi aquele rosto ter saído da paleta de Eduarda Lapa. Pintora contemporânea (1896 – 1976), distinguiu-se, essencialmente, como intérprete de flores, mas é a faceta de pintora da nossa ria que, sobretudo, me atrai.
Eu, criança, recordo-me de a ver pintar, da varanda da minha casa na Costa-Nova, protegida do sol pelo seu chapéuzinho branco, de pano, de olhos fixos na ria de então, bem diferente da de hoje: grande variedade de barcos em que os moliceiros eram os senhores da laguna e dos seus quadros. Memórias da juventude…

O óleo sobre tela, Fainas das Gentes do Mar, de Lázaro Lozano, tinha de fazer parte das minhas preferências. Com ele convivo, de há vinte anos para cá…Três nazarenas de traçado forte, de vestes escuras, muito características de Lozano, em primeiro plano; um apontamento subtil, longínquo, da neta da Nazaré…

Fainas da Gente do Mar



Nascido de pais espanhóis, na Nazaré, em 1906, Lázaro Lozano morreu em Madrid, em 1999, onde também tinha atelier.
Dele diz F. Pamplona: Lozano reúne em si o sentido trágico da alma espanhola e o lirismo do sentimento lusíada.
As suas figuras marítimas, que não enganam ninguém versado no assunto, dramáticas, atarracadas, têm um misto de realismo e de mística.

Todos os restantes trabalhos da exposição são agradáveis à vista.

Mas, já agora, num museu municipal como é o nosso, com responsabilidades na divulgação também do que é local, por que motivo não integrar alguns dos nossos pintores ditos regionais?

Conheço rostos de pescadores e pescadeiras, na praia da Costa-Nova, de Cândido Teles, dignos de apresentação museológica.

E Tormenta de João Carlos?

Tormenta

E A Promessa, tão fortemente de Ílhavo, óleo também de J. Carlos?

E Vendedeiras de mercado de Alberto Souza?

Vendedeiras de mercado

E Palmiro Peixe? E outros mais?

Ao comparar Rostos da Pesca com a última grande exposição do MMI., de temática marítima, Artes de pesca. As pescas na Arte, em 2005, não me parece que haja uma fronteira rigorosamente marcada.

Interrogo-me:
Peixinheiras de Lino António, Mulher de Ílhavo de Alberto de Souza, Gente do mar de Ayres de Carvalho, o tríptico da Nazaré – Gente do mar de Lozano, Varina de Almada Negreiros…Mulheres na praia de Júlio Pomar, não ficariam muito bem em Rostos da Pesca?

O Catálogo, de muito fácil manuseio, económico e útil, permite trazer a exposição para casa, para registo posterior de memórias impressivas.

Fotografia – Arquivo pessoal da autora
Catálogo – JOÃO CARLOS – Retrospectiva, M. de Ílhavo, 1991
Postal editado pelo MMI., 2005, com foto de Jaimanuel Freire

Algures entre Aveiro e Lisboa, 20 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes




quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ainda o São Jorge (Documentário)

Um belo dia, uma boa trintena de anos após o bota-abaixo do São Jorge (lá pelos anos 80), cheguei à seca, quando o Dr. Cunha me disse:
– O Dr. Vasco Branco deu-me um filme que fez, aquando da construção do São Jorge, seguindo toda a sua evolução, até ao dia do lançamento à água. De quando em quando, ia até ao Estaleiro para observar o andamento dos trabalhos e captava umas imagens.
E eu, curiosa, perguntei:
– E é fiel ao esforço despendido pelos operários?
Prosseguiu o Dr. Cunha:
– Sim, mas olhe, como a Ana Maria foi a madrinha, entendo que é nas suas mãos que deve ficar.
Contente e expectante, lá vim ansiosa por projectar o filme, que não sonhava existir. Que agradável surpresa!

Espectacular! Único! Documento inédito!

Claro, que no que toca a qualidade, não se pode exigir mais – sinais do tempo. Filme a preto e branco, sistema 8 mm, mudo, pois as sonorizações em banda magnética surgiram mais tarde com o super 8, colagens manuais e letttring igualmente artesanal. Mas tudo isso contribui para o seu encanto e autenticidade.
E ter um filme de Vasco Branco, aveirense ilustre, de cultura eclética, licenciado em farmácia, artista plástico, escritor, cineasta amador de primeira água, era um privilégio!
Lá o guardei, vi e revi através do velhinho projector. O meu filho Miguel encarregou-se de o preservar ao longo dos anos, de acordo com as épocas e os suportes disponíveis: de 8 mm, passou a vídeo VHS, de vídeo a DVD e de DVD foi convertido em ficheiro adaptado à Internet, para que hoje possa ser apreciado por curiosos, entendidos e apreciadores de construção naval no Marintimidades. Obrigada, Miguel.

Saboreiem-no, pois, que vale a pena!




E foi assim! E, agora... felicidades!

Ílhavo, 21 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Dia Internacional dos Museus - 18 de Maio

Aproxima-se o dia 18 de Maio e mais ou menos todos os museus preparam com afã a comemoração do seu Dia Internacional.

Quase todos praticam um dia aberto de horário alargado para captar visitantes, se esmeram nos serviços educativos apresentados, ocupando, por vezes, mais do que um só dia nas comemorações.

É necessário cativar e fidelizar públicos. Entre os museus com que tenho um convívio mais afectuoso estão o Museu de Marinha de Lisboa, o Ecomuseu do Seixal e o Museu Marítimo de Ílhavo.

O Museu de Marinha de Lisboa acolhe, na sala de Exposições Temporárias, a exposição de fotografia Barcos Tradicionais Portugueses – navegações, instantes e devoções – da autoria de Manuel Gardete, médico, viajante, amante da natureza e de fotografia, residente em Setúbal.

Regata de moliceiros, na Ria de Aveiro


Igualmente o GAMMA., Grupo dos Amigos do Museu de Marinha, apresenta ao público, de 20 de Maio a 20 de Novembro de 2008, no Pavilhão das Galeotas, uma Exposição de Modelos, em que apresenta os melhores modelistas nacionais que, no próprio local, mostrarão as técnicas de reprodução, à escala, dos modelos de embarcações.
Se for um apaixonado pelo mar, vai apreciar os diversos tipos e tamanhos de modelos essencialmente em plástico e em resina e alguns em madeira. Se não for, vai passar a ser… A não perder!...Eu vou aproveitar.
Haverá uma simples sessão de apresentação das exposições ao público, ao fim da tarde do dia 20.

O Ecomuseu do Seixal prolonga a sua actividade por vários dias, de 16 a 20 de Maio com a realização do 2º Encontro de Embarcações Tradicionais na Baía do Seixal:
– no dia 16, o desfile de embarcações tradicionais na baía do Seixal;
– no dia 17, a 2ª Regata do Ecomuseu Municipal do Seixal;
– no dia 18, também dia do 26º Aniversário do Ecomuseu, passeio para amigos e doadores do EMS;
– nos dias 19 e 20, passeio a bordo de embarcações tradicionais.

Bote de fragata – GAIVOTA – Seixal

Já exprimi, algures, que passeios deste tipo, regatas e encontros de embarcações tradicionais têm uma influência muito positiva na manutenção de, pelo menos, algumas embarcações artesanais – as Festas da Ria em Aveiro, tal e qual foram dinamizadas no ano passado, os Encontros de Barcos Tradicionais realizados na Galiza, na ria de Arosa, a Semana dos Baleeiros na Ilha do Pico, nos Açores, o Cruzeiro de Canoas do Tejo e outros… Conseguem dar uma vida diferente, mas também salutar, a barcos, cujas actividades se tornaram obsoletas.
Fazem ainda parte das festividades do Dia dos Museus no Seixal uma sessão pública subordinada ao tema Associações náuticas e museus, como agentes de desenvolvimento através das culturas e dos patrimónios flúvio-marítimos e ateliers Aprender a fazer…Nós de marinheiro e Pintura tradicional de barcos do Tejo.

O Museu Marítimo de Ílhavo celebra este dia com a inauguração da Exposição de pintura e desenho, “Rostos da Pesca”, pelas 21,30 horas do próximo domingo, reunindo cerca de trinta obras oriundas de museus portugueses e colecções particulares, patente ao público até 27 de Setembro.
Espero uma original, expressiva e forte exposição.

Convite – Nazarena de Lino António (adaptado)

Segue-se também a apresentação do livro-álbum ”Portugal no Mar: Homens que foram ao Bacalhau”. Este livro é dedicado a todos os homens que foram ao bacalhau. Quem eram estes homens, com alguns dos quais ainda nos cruzamos nas ruas da nossa terra?
No dizer de Santos Graça, foram os participantes “da epopeia dos humildes”, assim apelidou a pesca do bacalhau, por ser áspera, dura, tremenda, quase heróica.
Aguardo-o com um misto de ansiedade e curiosidade, não só porque o meu Avô Pisco foi, ele também, um homem do bacalhau nos tempos mais difíceis, mas também porque é o culminar de um trabalho iniciado pelo Museu no dia seis de Setembro de 1994.
Com a entrega pela Comissão Liquidatária da Ex-C.R.C.B. de cento e quarenta dossiers contendo 21.000 declarações para fins de inscrição no G.A.N.P.B. e respectivas fotografias, entre muita outra valiosa documentação, o Museu viu enriquecido o seu espólio documental.

Dia Aberto e ateliers temáticos de Serviço Educativo completam as comemorações do Dia Internacional dos Museus em Ílhavo.

Fotografias – Ana Maria Lopes

Ílhavo, 14 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes

domingo, 11 de maio de 2008

Destino de Peixe no MMI.

Está patente no MMI. até 20 de Julho de 2008 a exposição de fotografia “Destino de Peixe” e, à venda, o respectivo livro que permite ao visitante interessado trazer a exposição para casa, para meditar.

Brigitte d’ Ozouville associa o gosto pela fotografia à dimensão antropológica do seu trabalho de pesquisadora.
Isabelle Lebastard cruza a apetência pela biologia com o prazer da escrita poética.
Do seu encontro, uma simbiose perfeita: a imagem motiva o poema e o poema completa a imagem.

É um casamento exemplar entre fotografia e poesia com um resultado excepcional que penetra também na alma de quem passa e perpassa pela galeria (improvisada) do museu, num diálogo intimista que nos convida a intervir: o homem, o peixe, a paisagem e o observador cruzam o pensamento numa linguagem riquíssima, de que resulta uma mensagem nobre.
Senti uma forte afinidade com este trabalho de pesquisa, pois alguns destes lugares (Nazaré, Peniche, Ericeira, Seixal, Tavira…) são-me agradavelmente familiares e daí …convidativos.
Nas mãos do homem…o destino do peixe, o cromatismo aceso dos barcos, as carcaças enferrujadas e carcomidas, o ocre dos alcatruzes irmanados, os costados apodrecidos, os cabos ressequidos e desfiados, as tintas envelhecidas, estaladas e queimadas, as superfícies húmidas cristalinas e reluzentes, as redes drapeadas, enredadas e esbatidas, os peixes escalados e apinhados, os céus azulinos, os reflexos estáticos, as armadilhas geométricas… prendem-me, cativam-me e atraem-me.

Pena que o espaço apenas comporte dezassete conjuntos de fotografia/poema dos vinte e oito que o livro “Destino de Peixe” encerra.

Escolher uma imagem e uma poesia preferidas?
Muito difícil.
Eis uma de muitas que fazem parte do quotidiano da Ericeira.

Somos Irmãos

Somos irmãos
não é coisa
que se discuta

Eternamente
no mesmo barco
iremos afrontar

As redes vazias
dos maus tempos
os jarros cheios
de horizonte azul

Eternamente
no mesmo barco
somos irmãos
do mar.


Aconselho vivamente a exposição a quem seja sensível à Arte. Notável!

Somos irmãos – in “Destino de Peixe”

Ílhavo, 11 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Bota-abaixo do São Jorge (Parte III)

Chegara o “meu” momento. Pequenina, no meu vestido de veludo violáceo, pasmada perante a gigantesca, agressiva e pontuda roda da proa, olhava confusa para todo aquele espectáculo que me envolvia e no qual iria participar.

O "meu" momento!

Subi para um “mocho” (banco). Ordenaram-me que quebrasse a tradicional garrafa de espumante contra a roda da proa, exercício em que apesar de treinar afincadamente a pontaria, falhei, ficando desiludida. Não tendo sido à primeira, optaram por me colocar nas mãos um martelo a que me agarrei, com o qual, com toda a minha gana, força, nervosismo e entusiasmo, quebrei, finalmente!, a garrafa. O barco foi bem regado, mas, também o champagne cresceu o suficiente para nos aspergir, a mim e ao Sr. Bispo. Alegria plena!

Que grande banho!


Da boca comovida de Mestre Manuel Maria Mónica saem palavras carregadas de emoção:
– “Vai descer este navio, em nome de Deus e do Estado Novo”.

E, dirigindo-se ao Sr. Almirante Américo Tomás, pediu-lhe:
– “Corte V.ª Ex.ª. o cabo da bimbarra”.

Chegara o momento do clímax. Da suspense! Onde a emoção nos assola o interior e nos faz interrogar com o olhar. Que alvoroço! O barco deslizará na carreira?! Não desliza?! Tomba?! Não tomba?! O espectro da Nau Portugal não estava muito distante e esquecido (7 de Julho de 1940), se bem que a confiança no mestre construtor não justificasse os receios de toda aquela gente que assistia ao bota-abaixo. Operários do estaleiro, de maçaricos em punho, procedem atarefados e pressurosos às últimas afinações na carreira!!! Tudo teria de estar perfeito para que o São Jorge descesse, sem atribulações, em perfeito equilíbrio, carreira abaixo, até entrar e repousar na ria.

Após o golpe do cabo, o navio começa a deslizar. Suavemente, primeiro, depois de terem sido retiradas as escoras, ao mesmo tempo que vão tombando os madeiros soltos do berço que o envolvem, amparando-o. Acelera de seguida até penetrar nas águas da ria, ansiosas de o acolher, por entre o grande entusiasmo exterior: estardalhaço de morteiros, zumbido emotivo das sirenes, dos barcos próximos e dos estaleiros, tudo participando no momento festivo que se desenrola aos nossos olhos especados e atarantados com tanta faina. Alegria geral de todos quantos assistem ao acto, partilhada por entre palmas, gritos e exclamações! Nasceu uma nova embarcação, neste caso, destinada a uma tarefa árdua, forte e perigosa, a pesca do bacalhau, que reteria por seis meses, nos mares longínquos da Terra Nova e Groenlândia, uma tripulação, saudosa da Família. No bota-abaixo, era hábito embarcarem no navio apenas o capitão e alguns pescadores para a manobra dos cabos e uns poucos operários do estaleiro, preparados para qualquer eventualidade. Que sensação de ansiedade, êxtase e respeito!

Desliza na carreira

Imediatamente após a entrada na água, já com o navio afastado da carreira, pequenas embarcações surgem de todos os lados: dóris, botes, bateiras, para aproveitar madeiras, sarrafos, cunhas e calços que, entretanto, o navio arrastara consigo, na descida. Que belo espectáculo!!!!!!

O navio toma posição


O ser madrinha de barcos foi um desígnio que tendo começado comigo – a mais nova! –, percorreu as mulheres da família: a minha Avó baptizou o arrastão de pesca costeira Capitão Pisco nos Estaleiros de S. Jacinto, em Agosto de 1970; a minha Mãe “amadrinhou” o arrastão de pesca de fundo Cygnus, em 23 de Janeiro de 1989, nos Estaleiros Navais do Mondego, e eu bisei com o baptismo do marisqueiro Calypso nos Estaleiros de S. Jacinto, em Julho de 2000.

A construção em madeira estava em vias de extinção; o aço vinha-a substituindo com todas as vantagens que proporcionava a esta indústria da construção naval. As cerimónias também se foram alterando – perderam toda a pompa e circunstância das “encenações” do antigamente, destinadas a exacerbar determinados símbolos, glorificando-os.
Diferentes maneiras de quebrar a garrafa contra o costado, cerimónia do baptismo, por vezes, só concretizada no dia da entrega, porque é necessário libertar a carreira mal o navio flutue, para dar lugar a outro. O bota-abaixo perdeu toda a sua emoção, a partir do momento em que passou a ser controlado pelo estaleiro, e não livre, como era então!

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 7 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes

domingo, 4 de maio de 2008

A Pesca do Bacalhau em Selos

Tive no sábado, dia 3, o prazer de visitar a Mostra Filatélica do Mar que está patente ao público na Galeria da Antiga Capitania do Porto de Aveiro, até ao próximo dia 7. Pena é que não seja por mais tempo!
Foi uma incursão no mundo da Filatelia, de que já fui muito próxima e de que me encontro há muito afastada. Mas, o “bichinho” fica sempre. Deu-me vontade de aproveitar o lançamento do carimbo comemorativo dos 200 Anos da Abertura da Barra – Aveiro – 1808-2008 para recriar uma peça filatélica curiosa.
Optei por uma espécie de postal máximo, em que os motivos do selo, do próprio postal e do carimbo têm afinidade.



Peça filatélica recriada



Dentre os dez expositores presentes, saliento a colecção (em classe aberta) – A Faina Maior, pertencente a Manuel João Senos Matias, de Ílhavo. O material utilizado ao longo das oitenta folhas, 5 quadros, é atraente e o tema é-me particularmente grato.
Inovações nos regulamentos filatélicos recentes permitem que as exposições temáticas utilizem 40 % de material não filatélico: excertos de livros, fotografias, postais ilustrados, documentos de bordo, etc.


“A Colecção Faina Maior apresenta o bacalhau, importância e industrialização, a demanda dos Mares do noroeste e suas populações nativas, a colonização da Terra Nova, os Portugueses e a pesca do bacalhau, o declínio, a aquacultura e a memória”, in Catálogo.
Sobressaem na colecção as várias peças filatélicas com base na bela série de selos Faina MaiorPesca do Bacalhau emitida em 24 de Junho de 2000, pelos CTT, com dois carimbos alusivos, Ílhavo e Gafanha da Nazaré, por proposta do Museu Marítimo de Ílhavo, coadjuvada pela Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos.




Sobrescrito de 1º dia




Postal, selo e carimbo alusivos à pesca do bacalhau à linha (Edição dos Amigos do Museu)


Bloco com os 6 selos da emissão



Com direito a um visita individual guiada pelo Manuel João, meu antigo aluno de Francês no então Liceu Nacional de Aveiro, saboreei a tarde com agrado, também pelo convívio com “amigos filatelistas” de há longa data.
Continua, pois, Manuel João, a melhorar sempre a tua colecção!
De parabéns está a Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, pela boa organização da exposição.
Igualmente agradáveis as palestras proferidas, já anunciadas, há dias, neste blog. Felicitações, pois, aos palestrantes.

Ílhavo, 4 de Maio de 2008

Ana Maria Lopes