segunda-feira, 30 de junho de 2008

O meu homónimo - o ANA MARIA


Sempre tive uma predilecção muito especial pelo lugre Ana Maria, porque, de facto, tem o mesmo nome que eu, porque foi dos mais antigos da nossa frota pesqueira, porque era muito elegante e porque a ele associo um oficial de cá de Ílhavo, de quem era conhecida e amiga – o Capitão José Fernandes Pereira ( Lau), muito sui generis.


Em bom andamento…
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O Ana Maria – o ex-Argus, construído em Dundee, em 1873, era um veleiro elegantíssimo. Adquirido à Parceria Geral de Pescarias pela Firma Veloso, Pinheiro & Companhia, da Praça do Porto, participou na campanha de 1939 e seguintes.
De exíguas dimensões, cerca de 40 metros de comprimento, de 8 de boca e 4 de pontal, tinha uma capacidade de pesca de apenas 5.000 quintais.
Curioso, as rectas finais de vida do Ana Maria e do Capitão Zé Lau confundiram-se.
No Jornal do Pescador de Outubro de 1955, é dada a grande notícia de que, num belo dia do anterior mês de Setembro, o primeiro navio da pesca do bacalhau à linha a entrar no Douro, foi o lugre Ana Maria.
Em viagem directa da Terra Nova, chegou ao Douro o navio Ana Maria, tendo fundeado junto do cais do Bicalho.

O Ana Maria entra no porto de Leixões…pelos anos 50
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Foi com grande júbilo que a gente ribeirinha da capital do norte aguardou a chegada do veleiro. As famílias dos pescadores mostravam a sua impaciência, enquanto se procedia à manobra da atracação.
Logo foram beijos, risos, abraços, recordações evocadas e notícias trocadas, numa demonstração de ternura entre pessoas queridas que não se viam há seis meses.

Entretanto, o capitão do barco, também de Ílhavo, Sr. José André Alão deu as boas notícias de que o seu barco se portara maravilhosamente e estava apto para continuar na faina do bacalhau. A viagem fora óptima e os porões vinham completamente carregados. Foi também do Ana Maria que se lançou o alarme à navegação sobre o fogo do Ilhavense Segundo, quando se encontrava a 60 milhas do lugre incendiado.
O Capitão Zé Lau, assim era conhecido, nasceu em Ílhavo a 5 de Dezembro de 1879, tendo ido para o mar aos catorze anos, como era normal, à época.
Deixou o mar em 1958, dois meses antes de completar a provecta idade de 79 anos.
Entre os postos de moço, piloto, imediato a capitão, lá foi sulcando os mares, no meio de muitas peripécias e alguns naufrágios, em tempos bastante difíceis, passando por navios bem antigos como o Lusitânia III (futuro Terra Nova), o Maria Preciosa, o Paços de Brandão, o Alcion, o Silvina, o Delães (torpedeado e afundado por submarino desconhecido, em 1942), o Labrador, o Oliveirense, o Infante de Sagres III e o Paços de Brandão. De 1952 até 1958, ocupa o cargo de imediato no Ana Maria, ano em que o velho lugre do Porto naufragou, com água aberta, a 7 de Setembro.

O Capitão, Sr. Joaquim Agonia Vieira, de Vila do Conde, e o “nosso imediato”, entre os seus quarenta tripulantes, foram salvos pela escuna costeira norte-americana “Spencer”, que os entregou posteriormente a um navio espanhol. O velhinho Zé Lau, pelos seus quase 79 anos e pernas enfraquecidas, já teve de ser auxiliado, nestas andanças e mudanças de embarcação para embarcação. Abandona, então, a vida do mar.
O lugre cumprira o seu destino com 85 anos e o imediato contava menos seis.
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Em primeiro plano, o lugre Paços de Brandão e o Ana Maria; pela popa, o Aviz e, semi-encoberto, o lugre de quatro mastros, que sabemos ser o Senhora da Saúde (in A Campanha do Argus, de A. Villiers)

Em terra, ainda duraria até aos 91 anos (até 1971), a saborear o aconchego do lar e de seus familiares, com invejável memória e vivacidade inusitada.


Capitão Zé Lau, já de idade avançada

O Capitão Zé Lau tinha um temperamento muito impetuoso, o que sempre o prejudicou na sua vida profissional, mas era amigo do seu amigo e por ele os colegas tinham grande estima.

Na última viagem que efectuou, numa entrevista que deu a um repórter do “Primeiro de Janeiro”, em 14 de Abril de 58, contou as suas histórias de mar, revelando: – o veleiro mais antigo da frota portuguesa é o Ana Maria e eu o tripulante mais antigo.E assim o Ana Maria e Capitão Zé Lau ficaram na memória dos illhavenses.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora e gentil cedência da Família do Capitão

Ílhavo, 1 de Julho de 2008

Ana Maria Lopes


terça-feira, 24 de junho de 2008

Encantador modelo do barco do mar



Não resisti à tentação de fazer deste lindíssimo modelo de barco do mar o actor principal da edição de hoje.

Conforme imagem abaixo, fez parte de uma montagem, em miniatura, das companhas da borda do mar, da Costa-Nova, exibida durante muitos anos no nosso Museu, muito seguramente, desde a sua abertura oficial, em 8 de Agosto de 1937.



Montagem, em escala, de um palheiro, barco do mar das companhas e carro de bois de transporte de peixe – enxalavar –, M.M. e R. de Ílhavo, 1937


Através da leitura de correspondência de Américo Teles, tive, em tempos, conhecimento da encomenda (entre 1934 e 1937), por parte dos Amigos do Museu de então, de um conjunto de peças ao artesão aveirense, Porfírio da Maia Romão, exímio miniaturista: vinte e duas alfaias de amanho das marinhas, em dimensão real, e ainda uma maqueta de uma marinha, em miniatura pormenorizada, oito miniaturas de embarcações da Ria, que têm lugar digno na Sala da Ria e este modelo de barco do mar, também à escala.

Material perecível como é, esteve sujeito aos efeitos do tempo e às condições de exposição, que nem sempre têm sido as melhores.

Até para se ser miniatura, é preciso ter sorte!

Tendo-se disponibilizado o Sr. Capitão Marques da Silva, com as mãos, o saber e paciência que lhe são reconhecidos para restaurar alguns modelos necessitados de intervenção, este foi o escolhido para início de tão meritória como exigente tarefa.

Em que mãos extraordinárias ele foi cair!

Tive a sorte, graças ao bom relacionamento com o Amigo Marques da Silva de ir acompanhando o processo de restauro.

Toda a embarcação foi limpa cuidadosamente, zelada e tratada. Marques da Silva fez os possíveis por manter a decoração das quatro caras de proa e ré, por estar magnífica, e ser feita com tintas envelhecidas, hoje muito difíceis de imitar. Interveio com muita habilidade e leveza num ou noutro pequeno troço mais degradado, sobretudo da cercadura. Esta, constituída por bordadura de motivos campestres, repetidos, é clássica, neste tipo de decoração. Na cara da proa, a estibordo, a cruz de Cristo; a bombordo, a cabeça de um arrais, talvez o arrais Ançã, ambos os motivos envoltos em círculos.

O modelo visto de cima



As diversas ferragens foram igualmente aprimoradas e substituídas ou refeitas.

Segundo atentamente me informou pelo telefone, o que mais parece ter emocionado Marques da Silva, ao lixar cuidadosamente a tinta ressequida do costado, foi verificar que a feitura do “barquinho” não utilizava cola e tinha um tabuado extremamente perfeito, cavilhado a madeira de mangue, para cavernas inteiras e alternadas – palavras do próprio. Por isso, resolveu não pintar o costado, mas apenas dar-lhe uma espécie de bondex para tratamento da madeira, deixando à vista aquela obra de arte.

Visto de estibordo


A sua intervenção foi mais profunda, a nível do aparelhar do barco – isto é, arte e aprestos, adequados.
Concluída a recuperação – confessa-me Marques da Silva – resolvi aparelhá-lo para a pesca: os remos com os seus cambões e arreatas, os caibros com as estribeiras, o cabo do reçoeiro sobre a rede arrumada à ré, com as suas pandas de cortiça devidamente empilhadas e o cabo da mão da barca arrumado a vante. Com os dois calimotes (barris) para as bóias das mangas, ficou pronto para ir ao mar.


Pormenor do aparelho, à popa


Todos os ilhavenses devem ficar muito gratos ao Capitão Marques da Silva, porque este tipo de trabalho é muito ingrato, já que até há dificuldade em conseguir, no mercado, materiais para estas tarefas. Pequenas inconfidências que me foi relevando – segredos do ofício de modelista – levaram-me a saber como ultrapassou esses contratempos: o cabo dos rolos, à ré (imagem de pormenor), foi feito manualmente, a partir de fio fino e a rede não é mais do que gaze encascada e cuidadosamente seca. Que paciência, engenho e arte!

Nem o sistema de varar ao mar foi esquecido, constituído por uns tantos rolos, sobre os quais o barco desliza, assentes em varas compridas, perpendiculares à linha da praia, sendo puxado, nesse tempo, por juntas de bois.

Para terminar, porque fé e devoção são apanágio do pescador, pintado, no arco da coberta da proa, NOSSA SENHORA DA SAÚDE, que a nós, ilhavenses, muito nos diz, por ser a Santa Padroeira da Costa-Nova do Prado.

1ª Imagem – in M. M. e R. de Ílhavo – Memória descritiva pelo Director António da Rocha Madahil, 1965
Fotografias – Ana Maria Lopes

Ílhavo, 24 de Junho de 2008


Ana Maria Lopes


sábado, 21 de junho de 2008

Livro "JORGE GODINHO"

Desculpem os amantes do mar e da ria, mas abro uma excepção. Hoje, as minhas intimidades não são marítimas, pois tenho outras – que também íntimas, desejo partilhar com outros, nesta hora.

Dizem que os Jovens mortos vivem Junto das Fontes. Arrefeceu a Guitarra, quebrada foi a obra, ficou o amor e os frutos, única perenidade possível, mas, mesmo assim, também dão de beber a quem passa.
Manuel Louzã Henriques, Coimbra, 2008

O livro biográfico – JORGE GODINHO –, em jeito de in memoria, que hoje me chegou da gráfica, nasceu de um desejo que se sobrepôs ao recato e virou necessidade de partilha.

O Jorge teria feito, neste ano de 2008, 70 anos, no dia 5 de Janeiro.

Dedico a biografia, se não tanto aos nossos filhos, sobretudo aos nossos netos.

Ao meu rapazito mais velho, o Jorge, há já uns anos, uma guitarra/bibelot, pousada, estática, abandonada a um canto em minha casa, e na qual ninguém toca, parece estar à espera de alguém que lhe desperte a sonoridade escondida no seu interior.


Era a guitarra do Avô Jorge – explica a Avó Ana, talvez deixando para uma altura mais conveniente a tarefa de contar a história do instrumento, que outrora vibrante, jaz ali ao canto, como que abandonado, à espera, sabe-se lá (!) que outras mãos lhe voltem a dar vida e canto.

De curiosidade em curiosidade, dos quê e dos porquês, nasceu uma montanha de perguntas, insistentes e curiosas, a que tentei, comovidamente responder sem, contudo, conseguir satisfazer a curiosidade insaciável do neto.
Talvez o esquema conceptual deste livro, pequeno em tamanho mas grande de alma, tenha, então, a capacidade de fazer o que, na altura, não fui capaz de explicar. E quem sabe, venha despertar a resposta genética capaz de voltar a dar vida à guitarra triste, a um canto abandonada.
O Inverno, com os meses mais rigorosos a castigar-me com maior dose de solidão nos dias mais frios, mais cinzentos, mais pequenos e menos luminosos, provocou-me o bastante para lhe dar corpo. Aqui fica, pois, a biografia de Jorge Godinho.


Era uma tarefa a cumprir. Se eu não o fizesse, provavelmente mais ninguém o faria: senti, e ainda sinto, no íntimo, a tragédia plasmada na história da vida, tão repentina e dolorosamente atingida com o desaparecimento do Jorge. Tinha em casa os documentos necessários (fotografias, recortes de jornais, discos, memórias…) e senti a obrigação e a devoção, de os legar aos nossos netos, que o Jorge adoraria ter conhecido e acarinhado.

Quem foi Jorge Godinho?

De uma maneira simples e despretensiosa, aí têm a sua biografia, curta, mas autêntica, a sua discografia e os depoimentos dos Amigos que, de mais perto, lidaram com ele, sobretudo, na fase mais intensamente artística da sua vida.

Está feito.




Esta biografia nasceu para ser integrada no blog – Guitarra de Coimbra (Parte II), de Octávio Sérgio, onde foi postada, por amabilidade do Autor.

No entanto, muito embora aderente às novas tecnologias, que têm virtudes mas e também defeitos, continuo a achar que um livro é sempre um livro. E por isso, passei as notas biográficas ao papel.

Será distribuído aos familiares, aos nossos amigos, aos seus antigos alunos. Uns e outros, estou certa, com fortes razões para desejarem dele ter uma grata recordação, como bom amigo e excelente pedagogo que foi.
No início do Outono, será apresentado numa Galeria de Arte, em Santa Clara, Coimbra, pelo Dr. Louzã Henriques, médico psiquiatra e teorizador do Fado, no seio de uma reunião familiar, que contará com a presença simpática e adequada, do grupo Raízes de Coimbra.


O fado e a guitarra não podiam faltar.


Era o mínimo que podia fazer pela memória de Jorge Godinho, no intento de a avivar e transmitir às gerações vindouras.

Fotografias: Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 21 de Junho de 2008

Ana Maria Lopes


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Na Escola Primária da Costa-Nova


A sessão cultural a que ontem assisti “Entre Pedras, a Ria e o Mar”, na Bruxa, na Gafanha da Encarnação, mexeu comigo. A Costa-Nova antiga é sempre agradável de ver, se bem que prefira a imagem fixa, que me permite explorar e saborear melhor o conteúdo.
O Labareda, nascido do fértil imaginário de Senos da Fonseca, numa noite luarenta e calma de Agosto, na Costa-Nova, além de lhe ter dado um enorme prazer a arquitectar, tem o mérito de registar vocábulos e expressões do linguajar local, que, se não forem registados, se perdem.
As Pedras Férteis do meu Amigo Zé Paradela são fortes e até comoventes e constituem uma realidade que, às vezes, nos passa um pouco ao lado.
As memórias e, sobretudo, a história da Costa-Nova, estão muito bem entregues e todos ficamos à espera do anunciado livro. Apesar de ter aderido às novas tecnologias, para mim, o papel ainda é o papel.
A propósito: – um capítulo da minha vida escolar também tem lugar nas minhas memórias da Costa-Nova.

Vou para lá desde que nasci, sempre para a mesma casa.


O bonito palheiro…
Antes de ter a arquitectura actual, era um bonito palheiro de rés-do-chão em adobe, com varanda, o terceiro da Calçada Arrais Ançã (lado sul), a partir do actual Largo da Marisqueira, de onde se usufrui uma paisagem inebriante e mutante, de dia e de noite, ao amanhecer e ao entardecer. Era esta a vista da minha casa, até 1973, inserida num horizonte sem fim.



Mota actual – 1942
Com o aterro parcial da laguna (seria necessário?), foi-me roubada.
Costa-Nova dos meus encantos!!!!! Adeus bateira Namy atracada ao moirão multicolor, em frente à casa! Adeus serventia do embarcadouro da barca! Adeus pesca ao caranguejo da muralha, com fio, pedra ou concha e uma lasquita de bacalhau! Também passaram à história as belíssimas atracações da barca, ao perto, em dias de nortada ou de inverno, com marola forte e vento rijo, não sei se à Labareda nem se não. Mas lá que eram bonitas, certeiras e arrojadas, eram.


Era este o cenário em 1973…
Mas, voltando à história, frequentei a 1ª e 3ª classes da Escola Primária, nesta linda praia, entre ria e mar situada.


Escola Primária – No rés-do-chão
Foi minha professora a Senhora D. Palmira, de quem guardo gratas recordações, bem como de algumas colegas que ainda hoje reconheço.
O “lugar” para a Escola Primária que frequentei foi criado em 1930, na então Avenida Boa-Vista, a norte.
Um belo dia, a Senhora Professora informou a minha Mãe que eu, com 5 anos, chegava demasiado cedo à escola. Gostava sempre, antes das aulas de ir ver o mar. Vem de longe, esta tendência…
Chegado o final do ano lectivo de 1950-51, o exame da 3ª classe estava à porta. O meu primeiro exame. E onde fazê-lo? Tinha de ser na Escola da Gafanha da Encarnação. Ainda ontem lá passei e, sempre que lá passo, me lembro.
Claro, tínhamos que ir de barca, à vara, tão calmo estava o dia de Julho, e, a pé, até à escola. Vestido novo… toda enfeitada.
Uma nova escola, novos professores, novo ambiente…algum nervosismo.
O texto que me calhou foi “A libelinha e as folhas de nenúfar”. Correu bem e, no final, bom resultado.

Voltámos. A minha Mãe e Avó esperavam-me…com ansiedade. A sua menina a chegar do primeiro exame… e de barca!!! Quem se gaba do mesmo?

Um pequeno percalço, no regresso: escorregou-me um lápis novinho em folha, costado abaixo e enfiou-se debaixo dos pesadões paneiros da embarcação.
Por mais que pedisse, lamuriosa, ao barqueiro, ele não se compadeceu da minha pena. Será que um insignificante lápis merecia o trabalhão de levantar um ou dois paneiros da grande barca?... Lá ficou, mas não me esqueci…
O que interessava é que estava na 4ª classe, com as férias à porta…

Mota – Cliché João Teles
Restantes fotografias – Arquivo pessoal da autora



Ílhavo, 15 de Junho de 2008

Ana Maria Lopes

domingo, 8 de junho de 2008

Memórias do lugre-motor Creoula

Na Costa-Nova, enquanto se vão fazendo as limpezas e preparando a casa para o Verão da criançada, fui escolhendo umas revistas e deparei com uma pequena brochura – Creoula.
Folheei-a, recordei as últimas vindas do Creoula aqui à Gafanha e fui salpicando a leitura.

O Creoula é um lugre de quatro mastros. Construído no início de 1937 nos estaleiros da CUF para a Parceria Geral de Pescarias, o navio foi lançado à água no dia 10 de Maio e efectuou ainda nesse ano a sua primeira campanha de pesca. Um número a reter é o facto de ter sido construído no tempo record de 62 dias úteis.

Estas informações já são sobejamente conhecidas.
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Em 1979 o navio foi comprado à Parceria Geral de Pescarias pela Secretaria de Estado das Pescas, para nele ser instalado um museu de pesca.
Havia experiências anteriores muito negativas (o caso do Hortense), mas, tendo-se verificado o bom estado do casco, deliberou-se que o Creoula se manteria a navegar e seria transformado em Navio de Treino de Mar (NTM), para apoio na formação de pescadores e possibilitar a vivência de jovens com o mar. E assim foi.
Em 1 de Junho de 1987, por despacho oficial, o Creoula foi formalmente entregue ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser designado como Unidade Auxiliar de Marinha (U.A.M.) e classificado como navio de treino de mar.
Para tal, o navio sofreu algumas alterações de peso, tendo sido nessa recuperação muito importante o papel que desempenhou o Comandante António Marques da Silva, pelo seu vasto saber e conhecimento do navio, enquanto navio da pesca do bacalhau à linha, com dóris.

Termina assim a dita brochura:

Novas terras, novas gentes, usos e costumes diferentes a desvendar!
Novos conhecimentos a adquirir, experiências e desafios a vencer!
Um tempo para trabalhar – um tempo para lazer e divertimento!
…E, no fim, uma saudade nos olhos de quem parte e de quem fica.
É esta a magia de um navio carregado de história, no qual gerações de pescadores ganharam arduamente a sua vida, e onde hoje a juventude aprende a olhar o infinito do mar como só os marinheiros o podem fazer.

Bem-vindos a bordo!

Então, … parei as arrumações para respigar estas frases, só…, e mais nada?

Não, nem pensar! Algo “na manga” me fez meditar.

Tive a sorte de conviver de muito perto com dois dos actores do grande elenco que constituiu a última viagem aos Grandes Bancos do Creoula – 1973 – António São Marcos, o imediato, e o saudoso Francisco Marques, o comandante.

Melhor ainda, tive a sorte do António ter uma habilidade rara para fotografia, que pôs em prática nesta viagem, e eu possuir, por ele cedidos, uns tantos belos diapositivos desta epopeia, que ficou histórica.

Obrigada, António São Marcos, pois assim vamos surpreender e maravilhar os leitores deste blog, os amantes do mar e da aventura e os muitos apaixonados pelo Creoula, que já nele viajaram ou que gostarão de o vir a fazer.

Daqui ressalta, no meio de uma vida árdua, penosa e dura, o romantismo, o mito e a magia de uma lenda.

Saboreemos, pois.

Uma pilha de sete dóris com peia reforçada, para enfrentar temporal



Envergando uma nova vela latina, em viagem

Dóris a regressar junto ao navio


Dóris aguardam vez para atracar



Dóris à borda, a garfar peixe (descarregar com garfo)

Quetes do convés com peixe, antes da escala



Fotografias – Amável cedência do Comandante António São Marcos

Costa-Nova, 7 de Junho de 2008

Ana Maria Lopes



terça-feira, 3 de junho de 2008

Almoço-convívio do 7º Ano de 1959 - 60

No último sábado de Maio, é hábito fazermos o Encontro do 7º ano de 1959 – 1960, do então Liceu Nacional de Aveiro.

Este ano, o lugar escolhido foi a Estalagem da Pateira de Fermentelos. A maior lagoa da Península Ibérica é sempre local inspirador, agradável e evocador. Pensei…vou ter oportunidade de ver se ainda por lá existem algumas lanchas ou patachas.

Claro, além de conviver com os colegas e amigos, recordar simpatias, paixonetas, derriços, “amores encobertos”, nunca revelados…, outros mal resolvidos, não sem todos sentirmos o peso, os efeitos e a experiência de mais quase cinquenta anos em cima. Meu Deus! Como o tempo passa, deixando marcas mais ou menos indeléveis!!!!

O tal passeio rentinho à Pateira aconteceu, como previa, cuidadosamente, não fosse algum de nós enfiar-se, inadvertidamente, naquela água semi-pantanosa.

Sendo-me conhecida a vertente marítima, foram-me pedidas explicações; não perdi a oportunidade de dar cartas no assunto, aproveitando para aprender mais algum pormenor com colegas oriundos daquelas bandas.

Já lá não ia desde Março/Abril de 2003, aquando da remodelação da Sala da Ria do M. M. de Ílhavo. Na companhia dos amigos Bizarro e do saudoso Francisco, o objectivo era escolher a bateira patacha que mais nos agradasse para integrar o espólio da dita Sala. E lá está, construída em 2001 por Fernando Ferreira Neves, e doada pelos Irmãos Vasconcelos.

Três lanchas – Anos 80

As ditas patachas, lanchas ou chatas são embarcações muito rudimentares, de fundo chato e costado baixo. Medem, sensivelmente, de bica a bica, 6,30 metros, 1,30 de largura no sítio da toste (banco) e 30 centímetros nas asas (tábuas do costado). O fundo é reforçado por 7 a 11 travessas a que chamam cavernas, com pequenos orifícios para esgotar a água. Podem ter meio solho móvel. Os meios de propulsão são a vara e os padejos (varas com um fundo de alcatruz aplicado em cada ponta). Transportavam pessoas, dedicavam-se à apanha de algas e ainda servem para a pesca desportiva. Há muito menos…estão a desaparecer. Também, durante o Inverno e com as chuvas que tem havido, mantêm-se submersas, pois conservam-se bastante melhor.

Dos chamados barcos, que apresentavam algumas diferenças notórias, relativamente às ditas patachas, nem um! Eram mais usados para os lados de Óis da Ribeira e Requeixo. Um pouco mais robustos que as lanchas, com um formato sensivelmente trapezoidal, rectos à ré, de proa em V aberto, já não se constroem.

Lanchas e um barco na Pateira de Fermentelos – Anos 80

Pelos anos 80, por volta do dia 25 de Agosto, recriava-se a apanha de algas na pateira, na Festa do Emigrante.
Ultimamente, tal festividade deixou de fazer sentido, assim como a recriação da apanha do moliço.

Este, como adubo de altas propriedades, e a fauna piscícola, há umas boas dezenas de anos, eram as duas grandes riquezas da pateira. Chegou a haver defeso do moliço com a duração de onze meses e cinco dias. A apanha reiniciava-se a 25 de Agosto. Há uns três anos, contou-me pessoa conhecedora, que uma praga de jacintos invadiu as águas, vendo-se a Câmara de Águeda obrigada a actuar através de uma espécie de draga sugadora, que continua a fazer a prevenção.

Quanta arte, equilíbrio e perícia eram necessárias aos seus tripulantes, para se aguentarem nestes barquinhos! Vazios…era o que era… e cheios de algas, por vezes, vinham ao charco e… que remédio senão arrastar a lancha!

Cuidado! Com carga, passageiro e tudo!

Por vezes, ia-se à água!

Foi um dia bem passado a recordar récitas, bailes, excursões, histórias e a "brincar" aos jovens, graças àquela pitadinha de criança que existe em cada um de nós.

Entretanto, apreciem bem as imagens, porque, embora não muito antigas, já pertencem ao passado.

Fotografias – Amável cedência de Paulo Miguel Godinho

Ílhavo, 3 de Junho de 2008

Ana Maria Lopes