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A encher o monte...
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Sal tirado e atirado...
A encher o monte...que
o dia é longo e sol já queima! – incita o marnoto.
Eles, moços e marnotos, homens de força bruta, seguem
o ritmo do tempo e da produção, porque a razão, essa, já lá não mora, tamanha é
a canseira.
Se o tempo aquece é ver crescer os montes pelos malhadais…e
eles, com carregos à cabeça por esses liames em direcção à eira,
ao monte que os guia.
Começam por estrelar na eira a primeira canastra
– honra será dada a quem a merecer!
Cestas de sal para ali se vão arrimando, dispostas em círculo formando
uma estrela ou mancheia.
Depois de inúmeras viagens, por agrestes veredas, o marnoto junta o sal em monte ou
em mula (serra) –
a eira o ditará.
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Quando o homem já não alcança o
píncaro, é necessário abrir roda ao monte,
esculpindo-o empiricamente. Descarrega o sal na saia, alarga o monte
e um novo coruto formar-se-á.
Sob um céu azulino envolto em
novelos de algodão recorta-se a figura de uma serra de sal. E,
subindo-a, homem e sombra, unidos num só esforço, andejam pela prancha cravada de sal com a canastra à cabeça, a transbordar... de
tudo!
Nesse admirável cenário observa-se
um corrupio de corpos que luzem de moira, sob sol intenso A acção dá-se ali
mesmo, nesse palco de sal. E a cena do dia repete-se, vezes sem conta,…
projectada sobre branca tela – o filme de uma vida...
Será uma imagem banal ou um ex-libris do salgado lagunar?
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E eis o moço do sal, de
corpo esbelto e pele bronzeada. Os seus músculos retesam ao longo da íngreme
subida, tal é o esforço. Ele corre, sobe e desce, carrega e descarrega, tira e atira aquilo que brota do «chão»
e enche os montes... o puro
cristal!
Mas não perde a compostura!
Elegante e sereno no seu
caminhar, tal como equilibrista sobre corda de circo, ele encena o seu «número»
ali mesmo, subindo o monte.
Além, plasmado, o marnoto achega
o sal que ali se vai arrimando e alisa o coruto...
Que belo monte! E que bem
decorado está!
Quantas canastras de roda
se relevarão em seu redor?
Cálculo empírico o desta gente do
sal: oito, de roda... dá um barco
ou um vagão…
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Pés fincados no sal, corpo em equilíbrio. O homem projecta-se
no espaço e ampara-se no impulso do sal arremessado, tal é a perícia e a força.
Eis a última canastra...
O marnoto arrima
o sal e remata o coruto desse monte,
num gesto final de arte e composição geométrica – um artista, um escultor do
sal!
O gesto congela-se no tempo... O homem continua na labuta,
dia após dia, enquanto houver sol, vento e água da ria. Enquanto houver um querer e coragem para o fazer!
O corpo molda-se à canastra
que, cheia ou vazia, completa a figura do salineiro.
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No regresso do carrego, o marnoto
desce, hábil, a íngreme ravina de sal, de uma serra branca que se alonga
pela eira, aguardando a sua sorte...
Sob intenso sol, esse homem
musculado e bem moldado, ali plasmado na paisagem, exala e escorre suor e
moira, aos quais, grossos cristais se colam sobre o peito salgado e
molhado.
A pele curada, dura, gretada e
queimada pelos ares da marinha, deixam antever um longo «curtir» que lhe
roubará anos de delicadeza... e essa, não é apanágio destes homens, mas sim a
rudeza que a Natureza lhes dita.
É esse o seu tempero de vida, o
da faina salineira!
Ali, ao tempo, todo ele transpira
sal... todo ele respira sal!
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Agosto
de 1961, algures, na ria…
Eram
montes e montículos...
Dava gosto vê-los trepar,
afilados para o céu, adornados por canastras de roda em relevo,
desenhadas por mãos calejadas - era de uma grande beleza assimétrica, repleta
de cálculos empíricos, mas precisos.
Semeados por esses malhadais
fora, ria adentro, via-se sal a montes... até onde a vista se alongava e se
perdia num horizonte salpicado de brancos cones.
Era a nossa paisagem lagunar,
salgada e suada... sulcada por estilete de homem rude, mas sábio.
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Nota – Para esclarecimento de
linguagem técnica, consultar
GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
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10| 12 | 2013
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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