domingo, 28 de janeiro de 2024

Rotas lagunares. O "mercantel" no carreto

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Se bem que ao falar do mercantel ao serviço do transporte de sal (saleiro), do peixe e de passageiros, sempre cargas, vamos acabar a missão do mercantel como "o burro de carga da ria", no carreto de tudo e de mais alguma coisa.

Já desde 1693 data em que por alvará régio concedido por D. Pedro II, começou a ter lugar todos os dias 13 de cada mês, a Feira da Vista-Alegre vinha dos mais variados pontos da ria, mensalmente, uma imensidão de barcos alimentando com produtos transportados no seu bojo a intensa actividade das trocas que se faziam na referida feira, uma das mais importantes da região. Visitavam aquele sítio do canal do rio Boco, não só gentes das regiões vizinhas, como também, estranhos interessados na quantidade de produtos. Além do sal e do peixe, na "Feira dos 13" havia uma grande diversidade de produtos: lenha, animais, tecidos, artigos de artesãos locais, tamancos, gabões, arados, que justificavam grande procura. A maioria destes produtos, usava os mercantéis, pelo canal do rio Boco, para seu transporte.

Desde 1824, no mesmo local onde se realizava a feira, nasceu e foi implementada a Fábrica da Vista-Alegre.*

Para os seus fornos eram trazidos toros com muita frequência, mas o caulino utilizado na produção da porcelana, vinha de Ovar, pela ria, sempre que a necessidade obrigasse. Os objectos de barro ovarense também se vendiam muito pela região, quer na feira dos 13, quer em outras situações.

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Após 1824, descarga nas traseiras da Fábrica da VA
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Vinhos, trigo, cereais, ervagens, gado materiais artesanais, tudo, os mercantéis transportavam, em rotas lagunares.

Na Gafanha da Nazaré, o carregador lagunar servia para tudo. Além de transportar madeiras e operários para os estaleiros, transportava bacalhau de navios mais afastados para o cais, junto às secas, junco, lamas para as marinhas, sacos de lona com as roupas dos tripulantes de navios de bacalhau. Vi, realmente visto, à chegada do n/ motor Novos Mares, depois de o ter ido receber e filmar à boca da barra, na campanha de 1964, atracarem a bombordo e a estibordo, dois mercantéis, para os quais eram descidos os tais sacos de lona que seriam distribuídos, muito mais rapidamente, pela Torreira, Bico da Murtosa, Bestida, Pardilhó, Válega, Ovar.

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Gafanha da Nazaré – transportes diversos
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Pedra para a construção do conhecido "triângulo" na entrada da barra, pelos anos 30 de século XX, de costado bem no fundo, lá a suportavam.

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Barra – Transporte de pedra para o "triângulo"
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De Ançã e, sobretudo, de Eirol – pedra de Eirol, presente nas obras da barra, monumentos, muralha de Aveiro, Farol e quejandos, mais uma prova fotográfica curiosa.

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Eirol – Ponte da Rata
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E, por ora, f1quemos por aqui…já chega. Outra rota diferente se seguirá, a seu tempo.

 

Nota *Sobretudo, relativamente a este assunto foi consultado o livro de Senos da Fonseca, Ílhavo – Ensaio Monográfico Séc. X ao Séc. XX, pp. 215-216.

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Ílhavo, 28 de Janeiro de 2024

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Ana Maria Lopes

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domingo, 21 de janeiro de 2024

Lembrando Gaspar Albino... e o Pai....

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Aquando da Exposição, em 15.9.1997, dos Cartazes pintados à mão, procedentes da Comissão Liquidatária da ex-CRCB, foi-se publicitando algum do muito material, que, nessa altura, “mexidos os cordelinhos”, deu entrada no Museu de Ílhavo, em 6.9.1994. Os mais apelativos, individualmente, foram as cerca de 21.000 fichas de inscrição no Grémio, que têm vindo a fazer o encanto dos familiares, grandes homens do bacalhau. Facilitou-se a aquisição de uma cópia, a cores, a quem mostrasse esse desígnio, depois de cedido pelo familiar, o nome completo e a terra de origem, para ver se constava dos inúmeros dossiers.

E assim foi. O meu amigo Gaspar Albino encomendara, na minha ausência, uma cópia da ficha do Pai, que fora pescador do bacalhau, pelos mares do Norte, o que eu desconhecia, por quem tinha grande adoração. A temática marítima estava muito presente nos seus trabalhos artísticos, tal era o enlevo pela pesca e pelo “gadus morhua”, que tinha. Como homem multifacetado que era, chegou a ser sócio-gerente de uma empresa de pesca, a IAP, Indústria Aveirense de Pesca, sita na Gafanha da Nazaré, tendo deixado a sua participação no sector, em 1985, para ter passado a empresário gráfico.

No dia em que Gaspar Albino veio levantar a ficha de inscrição no Grémio, do Pai, como não a conhecesse, emocionou-se, e eu estanquei, porque lhe vi uma teimosa lágrima escorrer pelo rosto abaixo. Tentando encobrir, porque “um homem não chora”, diz-se, não conseguiu e eu também fiquei um bocado entorpecida e sensibilizada.

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Cópia da Ficha do Grémio
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Manuel de Melo Albino, filho de Luís de Melo Albino e de Guilhermina de Jesus, nasceu em 11 de Dezembro de 1912, na Vera Cruz. Casou no primeiro de Maio de 1937, com Maria Benedita Gaspar de Melo, doméstica, união de que resultou o filho Joaquim António Gaspar Albino.

Era possuidor da cédula marítima nº 21680, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 4 de Abril, de 1935. Começou a sua vida marítima, nesse mesmo ano, como moço de câmara.

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Manuel de Melo Albino
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Nas campanhas de 1936 e 37, foi pescador, no lugre-escuna “Santa Regina”, sob o comando do capitão ilhavense António do Santos. Na de 1938, continuou no mesmo navio, tendo mudado o comando deste para João Maria Madalena, com o piloto, Artur Oliveira da Velha.

No dia 11 de Junho, chegou a notícia a Ílhavo, de se ter perdido nos Açores, o lugre-escuna “Santa “Regina”, pertencente à Empresa de Pesca de Portugal, com sede em Ílhavo, atacado por um fortíssimo temporal, que o afundou brutalmente. Foi salva a tripulação por um vapor de carga inglês, que a conduziu a Glasgow, enquanto, ao todo, se perderem os tripulantes Eduardo António Rodrigues, de Ílhavo, Camilo Valente da Afurada e Braz dos Santos Matias da praia da Nazaré.

Na campanha de 1939, em mais uma emposta, mudou para o lugre-motor “Pescador”, sob o comando do também conterrâneo José Gonçalves da Silva, tendo sido pescador, 1ª linha,

O lugre “Pescador” foi o lugre “Algarve 5º”, de madeira, construído em Portimão, em 1922, por Joaquim Pedro de Sousa. Em 1936, foi comprado a José Braz Alves, pela Empresa Figueirense de Pesca, onde foi reconstruído e onde instalou rudimentar motor propulsor. Foi intercalando a pesca do bacalhau com viagens de comércio marítimo de cabotagem.

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Lugre “Pescador”
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Saltando um ano, fo 1ª linha/especial no navio-motor” São Ruy”, da Empresa de Pesca de Viana do Castelo, sob o comando do também ilhavense Aquiles Gonçalves Bilelo. Entretanto, deixou a pesca do bacalhau para se dedicar aos navios do comércio.

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 N/motor “São Ruy”

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Referiu-me Gaspar Albino que o Pai, por volta de 1947, sofreu um grave acidente à entrada do porto de Nova Iorque, passando por longos internamentos, nunca mais tendo tido saúde até à sua morte, muitos anos mais tarde.

Ficha do Grémio gentilmente cedida pelo MMI.

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Ílhavo, 21 de Janeiro de 2024.

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Ana Maria Lopes

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domingo, 7 de janeiro de 2024

Bicentenário da Fábrica da Vista Alegre (1824-2024)

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Ontem, fui assistir ao lançamento da primeira peça Vista Alegre, com a marca do bicentenário – era o Prato Calendário de 2024. Assinalando, em simultâneo, a transitoriedade do tempo e a intemporalidade da criatividade e da arte, o referido prato  projecta-nos no futuro, ao evocar momentos emblemáticos da história da marca. Na visão surrealizante dos artistas italianos, o pato é  figura central.

À distância…

 
Ao perto…
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Ave migratória símbolo de viagem, espírito destemido, movendo-se nos elementos Terra, Água e Ar, este animal alude também à mascote que, conta-se, serviu de modelo aos primeiros artistas da Vista Alegre. Como pano de fundo, sob o olhar atento de José Ferreira Pinto Basto, elementos figurativos e simbólicos compõem uma narrativa multicronológica que se desenrola num mesmo espaço. Dos camelos que transportaram a produção de porcelana para os núcleos urbanos ao primeiro corpo de bombeiros particular, da introdução do futebol em Portugal ao empreendedorismo comercial de José Ferreira Pinto Basto e seus descendentes, representado pelos vários navios mercantes (adaptado de desdobrável da fábrica). Houve outros eventos, para os quais não pude ficar. As comemorações têm lugar ao longo de 2024 e princípio de 2025. com eventos diversos.

Fotos gentilmente cedidas por João Parracho.

Ílhavo, 7 de Janeiro de 2024

Ana Maria Lopes-