segunda-feira, 24 de junho de 2013

Costa Nova recebe moliceiros, em exibição - 2013

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Até imagino que as águas lagunares do Canal de Mira se vão espantar pela visita. Para além dos dois moliceiros tradicionais residentes entregues à actividade turística, «Pardilhoense» e «Marnoto», e do «Inobador», presença calma no CVCN, as águas da Costa Nova já não eram sulcadas por estes belos cisnes polícromos, desde 2007, último ano, dos dez, em que o CVCN promoveu regatas desta embarcação, pela Senhora da Saúde.
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Terá havido um reconhecimento mútuo dos palheiros riscados, por aqueles, os mais velhos, que ainda passaram para o sul, em comércio de moliço (poucos), e uma recordação, eventualmente, daqueles que já não são desse tempo, mas que ainda visitaram a nossa praia entre 1998 e 2007, pela Senhora da Saúde e uma novidade, para aqueles, os mais novos, que nunca a haviam visitado, a praia de casas riscadinhas, que nos acolhe todos os verões. Apenas ouviam falar da antiga Senhora da Saúde, que lá levara seus pais e avós, em regata, em promessa, enfim, …em romaria.
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Como etapa final do evento «Ria de Aveiro Weekend», havia uma regata de exibição com partida pelas 14 horas, do Jardim Oudinot até ao Cais dos Pescadores, a sul da Costa Nova.
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Achámos que a melhor opção era mesmo integrarmo-nos nela, para a ver mais de perto e sentir melhor a adrenalina do que é navegar à vela, com uma nortada fresca!
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Até aqui, tudo bem – era o previsto.
 

Antes da partida, no Oudinot…
 
Mas, in loco, tuto, tudo mudou. Atracados alguns moliceiros (barcos), arrais e camaradas começaram a chegar. E a nortada a aumentar…
E a regata faz-se, não se faz? – ouve-se .
Inesperadamente, a Etelvina e eu ficámos sem transporte, mas, entre tantos conhecidos, algum nos havia de levar. O Ti Zé Revesso, arrais experiente e conhecido de ambas, lá nos levou a nós e a uma pessoa da organização. Éramos os únicos 3 tripulantes. Amedrontados com o que víamos e ouvíamos? Talvez, mas sem querer demonstrar… Era uma experiência nova…
Ainda em terra, houve algumas desistências – uns optaram pelo automóvel, outros pela lancha PRAIA DA COSTA NOVA, que também acompanhava o percurso.

 
Lancha reconstruída
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Além do interesse e curiosidade, reflectia – então, eu, neta do Capitão Pisco, que foi à Groenlândia, só à vela, no velhinho Novos Mares, e bisneta da Arraisa Caloa, não havia de ir de moliceiro, à vela, do Oudinot à Costa Nova, com nortada fresca?
Se o Ti Zé Revesso ia, eu ia com ele. O camarada já não era assim tão afoito.
 

O Ti Zé Revesso e eu…
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Os sonidos ensurdeciam – o vento assobiava, as velas batiam, as escotas zangalhavam e as vozes reclamavam. Que panóplia de sons!
O S. Pedro, mesmo em mês de santos populares, não estava a colaborar.
Os moliceiros, um por um, melhor ou pior, receosos de algum sinistro, lá iam saindo. A afoiteza era superior!
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O Ti Zé Revesso apenas içou o pano, fora da marina do Oudinot, mas, por ali, a força da água encanada da barra e o vento que aumentava, eram os nossos opositores.
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O nosso arrais, ao abrigo da coberta de proa, troca as calças por calções e toca de içar a vela. Puxa, puxa a adriça, iça a verga e a vela, mas as dificuldades são algumas.
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- Eh, cuidado cum a berga!
- Cuidado cum a escota a bater!
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Perto de nós, outro moliceiro, o MANUEL VIEIRA também estava enrascado, mas acabou por navegar!
Mais ainda, teria havido um pequeno acidente no DOS NETOS, a que a Polícia Marítima dava assistência.
Eis que eu e a Etelvina ouvimos um forte e estranho arranhanço rrrrrrrrrrrrr…. no casco, a meio, por bombordo. Algo tinha roçado…o quê? …uma maldita estaca, não visível, que lá estava prantada.
Prognóstico – casco arrombado! Metia água, embora pouca. O arrais, sabedor e ágil, rapa do maço e dá umas pancadas no sítio certo. Não impedia o passeio.
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Meu Deus! De que me havia de lembrar? Do Titanic. Em vez de um iceberg foi uma estaca. Mas não naufragou!
Extasiada pelas manobras, na hora – «rizar o pano» para diminuir a superfície da vela, largar a toste, escoar o barco, pôr o falquim, para impedir que o chapisco entre, atenção à escota, mais ou menos folgada, mais ou menos caçada!
 

Prende a escota

Arrais ao leme, lá seguimos, a favor do vento, mas com grande inclinação.
Lá me agachei à popa, sentada num pneu, semi- recostada no paneiro de ré.
Cerca das 15 horas e trinta, o zebro da Polícia Marítima abeira-se de nós, para comunicar que a regata estava cancelada.
O Ti Revesso insistiu e avançou, dizendo:
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«Ah, rombo, num é por isso que num bamos. Chego ao estaleiro, o mestre bota-lhe um fecho e nem me leba dinheiro por isso».
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Mas, o vento aumentava, assobiava e a ria «acarneirava». Seria imprudente continuar?

Passámos por baixo da ponte – foi cá uma destas tangentes ao mastro e à ponta da verga. Parecia feita à medida. Que velocidade!     

 
Agilidade e destreza, a bordo
 
Pela Biarritz, exactamente, arriámos a vela e socorremo-nos do pequeno motor fora de borda.
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Contra vento e contra maré, era cada chapada de água no rosto e nos óculos! Também era tudo quanto se me via – chapéu enterrado até aos olhos e colete de salvação, por precaução.
O A. RENDEIRO apontou ao Oudinot, para nos deixar e aproveitou para arriar o mastro. E assim seguiu até à Murtosa.
Não foi tão bom como pensámos, mas que foi diferente, emocionante e arriscado, lá isso foi. Adorável!
Um afável até para o ano!, em jeito de despedida.

Até para o ano!.................


E por aqui fiquei atordoada de beleza e de emoção, algures pelo Oudinot, a escrevinhar.
Nem sei como atinei com a prosa, tal era o zumbido que me encharcava a cabeça!
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Imagens – Recolhidas, hoje, por mim e cortesia de Etelvina Almeida
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Algures no Oudinot, 23 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Regata de moliceiros - 2013 - Preparativos

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É sexta-feira, não 13. Mas dia 21. Era suposto ter começado o Verão. Uma nortada fresca! Eu estava inquieta e ansiosa…Pensava na anunciada Regata de Moliceiros, a realizar amanhã e domingo, já prevista com versões diferentes, integrada num evento de nome pomposo e sonante «Ria de Aveiro Weekend». Não seria melhor aproveitar o espectáculo dos preparativos, que, por vezes, são o melhor da FESTA?
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Não me contive. E eis-me a caminho da Torreira, praia do Monte Branco, junto ao Estaleiro-Museu, onde trabalha o Mestre Zé Rito. Actualmente, é lá o melhor local para sentir a véspera da festa. Quem vagueia pela ria, sabe-o.
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Há pessoas de boa vontade, há manobras, há barcos, inseridos numa paisagem deslumbrante e envolvente!
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Mestre Zé Rito, na sua fácies simpática e risonha, ultima o seu moliceiro, que ficou para o fim. Estava carenado. Três gerações entreajudam-se e colocam-no na posição normal, para ser aparelhado.
 

Carenado…

 
Oxalá que a geração mais nova se interesse pelas embarcações, que os mais velhos tanto prezam.
E três rapazotes conduzem o mastro do ZÉ RITO.
«Força, carago! Botem-no em cima do xarolo, para o poisar no traste, para o apontar na coicia».
Agora, vão os cabos.

É este o verdadeiro espírito da ria. O mestre, de plaina em punho, aguça o mastro na ponta, fá-lo passar pelo buraco do traste e, eis que, em uníssono, coadjuvado por outros, o enfia, com esforço, mas sabedoria, na dita coicia.
Está firme. Vai ser calçado e ajustado.
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Fogo, é pesado! – reclamam! Não soa bem assim, mas de forma idêntica.
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O Ti Zé Revesso, miúdo, magrote, de olho azul desbotado pelo sol, de pele engelhada, conhecedor, de calça arregaçada, lastima-se:
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– Será que bão deixar morrer tudo? Aquase metade dos barcos que bão correr amanhã, estão aqui.
– Olhe, diga-me, que idade tem? Está tão ligeiro e tem tanta força…
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– Digo só à Senhora, para os outros num oibirem. Tenho 37. Percebe? Isto dá saúdi. Bou todos os anos ao Canadá, mas, passados 15 dias, já estou doente. Mesmo que eu lá morra, quero bir para cá.
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O seu barco há-de ser pintado todos os anos, até poder. E foi. E mostra-mo enlevado, pintadinho de fresco, o A. RENDEIRO.
  

O Zé Manel e o pai ultimam…


Disso se encarregou O Zé Manel, o conhecido pintor da ria, que a todos acode. Mas, o tempo foi pouco. Pai e filho também o ajudam a finalizar as tarefas artísticas.
Perguntam-me a opinião e eu participo na conversa.


Proa de BB

Perdi-me na imensidão da paisagem.
Esqueci-me do mundo, das crises, das maleitas, dos exames e quejandos.
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Bebi sofregamente a imensidão do céu, salpicado por novelos de nuvens translúcidas, brancas e acinzentadas…
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Bebi sofregamente a imensidão da água agitada por um ventinho norte, bem puxado, que a «marola» …
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Fotografar, procurar o melhor ângulo, recolher informação, reunir o maior número de proas e de rés, em tão poucos barcos…foi minha intenção.
Para os tempos que correm, quatro moliceiros tradicionais juntos é uma mão cheia deles.
Que prazer! As águas que enchiam, no seu chape-chape, lamberam-me as botas.
Sentei-me num paneiro, na areia, à revessa, a secá-las.
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E a pensar…Não há objectivas, por mais potentes que sejam, que captem tanta beleza!
Ao longe, da esquerda para a direita, a policromia do cais dos pescadores, a Ponte da Varela riscada no céu, as serranias delineadas no horizonte, em que o casario longínquo sobressai, serviam de cenário a embarcações manobradas à vara, para se encaixarem e alindarem para a festa.
 

Encaixe de proas e rés…em manobra


Não tinha vontade de regressar. A hora crepuscular e o vento obrigaram-me. Desejei ser Raul Brandão, mas não fui bafejada com tais dotes descritivos e poéticos.

Grande GENTE e grandes BARCOS!!!!!!!!!!!!


Efeitos...
 
 
 

Imagens – Recolhidas, hoje, pela autora do blogue
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À beira-ria, 21 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Intervenção dos AMI, no Barco de S. Pedro


Barco tosco, desproporcionado, mas com sabor arcaizante e sacro, com apóstolos hirsutos, gigantes, para a embarcação, quase talhados a naifinha, de uma policromia enegrecida – em tons de azul e vermelho escuros, com vestígios de pequenos motivos a ouro, próprios de arte sacra, dono de uma beleza sui generis – é assim o Barco de S. Pedro.
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Parece-nos que terá mais de um século. De princípios do século XX ou finais do século XIX, não há dados rigorosos.
Em madeira de tom acastanhado, tem o costado decorado com florões geometrizados, ricos em pormenores e apresenta nos dois bordos, também policromada, a cor de mel, num fundo mais escurecido, uma inscrição que reza VIVA A COMPANHA DOS LUIZES.
 
A contento de todos, esta peça foi depositada no MMI, no dia 22 de Outubro de 2011, após intervenção simples e sentida do senhor Dr. Pires da Rosa, que O Ilhavense de primeiro de Novembro de 2011 transcreveu na íntegra.
 
Aguardamos a sua doação ao museu, a título definitivo, sempre respeitando que o mesmo esteja exposto, com a indicação expressa da proveniência – Família de Tenente Alberto da Maia Mendonça e esposa, Maria Casimira Gomes da Cunha.
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Cumpriu-se, assim, uma vontade expressa pelo Dr. Rocha Madahil, em 1933, primeiro Director do Museu, e do Sr. Américo Teles, grande impulsionador da criação do mesmo.
Mas, o tempo vai passando e fruto dos anos, de algumas limpezas, mais domésticas e de alguns solavancos nas procissões onde foi inserido, o «nosso barquinho» precisava de algum restauro – primeiro, interior, a nível de madeiras – e, mais tarde, exterior, a nível do lacado policromado.
 
 


Os Amigos do Museu tinham ficado encarregados, a gosto, de tal trabalho.

Cuidadosamente retirado para as reservas do museu, durante uns dias, as hábeis mãos dos Senhores Capitães Marques da Silva e Francisco Paião efectuaram o trabalho em questão.

Os apóstolos «desmaiavam» com facilidade, pois os pinos que os prendiam estavam partidos, tinham alguns pés fracturados, das quedas, alguns bancos, em que se sentavam, estavam descaídos. Como as mãos, em forma de concha, para suster os punhos dos longos remos, o não faziam, por falta de espaço da vitrina, para calibrar os remadores, foram-lhes apoiados os pés em estribeiras (aliás, como era), dando-lhes uma posição bastante mais firme, para enfrentar os arremessos das vagas. Os remos também sofreram um ligeiro conserto, nas pás e punhos e a rede foi desensarilhada e arejada, para poder tomar, na embarcação, a posição devida, assim como os cabos. Do restauro da embarcação, fez o Sr. Capitão Marques da Silva, uma nota da intervenção pelos «dois artífices». Numa fase seguinte, será dado o brilho que merece ao exterior da peça, neste caso, entregue a técnico superior do Museu de Aveiro ou aos cuidados da Fundação Ricardo Espírito Santo, conforme conveniências e vantagens, a estudar.


 

E assim voltou ao lugar que ocupava na Sala dos Mares, do MMI.

Fotos – Gentil cedência do Capitão Francisco Paião

Ílhavo, 17 de Junho de 2013

Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Afundou-se o vapor CATALINA

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A nossa terra foi em determinadas épocas, e os primeiros anos da década de 40 foram uma delas, assolada por terríveis naufrágios que deixaram casas com pobres famílias na orfandade. Mais morte… por Ílhavo, em consequência de naufrágios? É mesmo o que queremos dizer.
Perante uma notícia vaga, vinda de St. Jonh’s da Terra Nova sobre o desaparecimento do vapor Catalina, reinou a tristeza, a comoção e a ansiedade, nesta nossa vila maruja – relata O Ilhavense de 1 de Fevereiro de 1942. O brutal acidente do Maria da Glória, do Delães, em 1942, do Santa Irene, do Pádua, em 1943, e tantos mais, encheram páginas dos jornais.
 
 
 
A tripulação do Catalina era de 18 homens, dos quais, dez eram ilhavenses, a saber:
José Fernandes Matias, imediato, João Nunes dos Santos (o Silveira), piloto, Manuel Pereira Lamarão, contramestre, Tomé dos Santos Panela (o Romeiro), Manuel São Marcos, Luís Francisco da Madalena, António Ferreira Carrapichano, marinheiros e Ângelo Ferreira, ajudante de cozinheiro e João Francisco Bichão, moço de câmara.

O Catalina tinha saído do Porto para a Terra Nova, onde ia buscar bacalhau frescal. O seu comandante, nosso conterrâneo, Sr. José Francisco Bichão, adoecera, tendo recolhido a um hospital local. O imediato, José Fernandes Matias (o Cajeira) ocupou o comando do navio, tendo saído de Fortune Bay a 14 de Janeiro – não mais houve notícia dos nautas e seu navio. Temporal, icebergs, consequências da guerra?
O Catalina, juntamente com o Ourém, pertenciam a uma empresa de navegação com sede no Porto, C. A. Moreira & Cª., Lda., utilizados no serviço comercial, com destino à Terra Nova, Islândia e Groenlândia. Paralelamente, escalavam portos no norte da Europa com eventuais viagens para Cuba, assegurando o transporte de açúcar, para os portos nacionais.
Ex-Kilkeel, ex-Falconer, o Catalina tinha um comprimento fora a fora de 55, 50 metros, 9,08 de boca e 4, 70 metros, de pontal. Eram muito raras, senão inexistentes, fotos do Catalina. Chegaram-nos às mãos (via Canadá) as duas que publicamos.
 

CATALINA

 
Fortaleceram mais o desejo de postar a notícia de há 70 anos, dando-lhe uma nova vida (ou morte), já que tanto de trágico teve a ver com Ílhavo.
Em site, muito mais tardio, é evidente, mas fiável, tivemos conhecimento de que o navio fora torpedeado na posição 47º 15’N| 52º 15 ‘ W pelo submarino alemão o U-203, em 15 de Janeiro de 1942, quando de viagem de Fortune Bay para St. John’s na Terra Nova. Não houve sobreviventes.
 
Fotografias oferecidas por Aníbal Paião
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Ílhavo, 12 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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domingo, 9 de junho de 2013

Uma janela para o sal - I

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Entre céu e água...

Entre ria, mar e sol, o sal vem para temperar e dar gosto a quem já, a gosto, aqui tem partilhado as suas intimidades.
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Entre mar e intimidades, a salinidade dá-nos a medida dos sais e da saudade, do que outrora fora o salgado da laguna: entre o alagado e a botadela; entre a estação da safra e a da entressafra, em que o homem verde e tenro se torna maduro e duro; tisnado pelo sol, pisando o «ouro branco» que o alimenta.
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Assim, vem o Marintimidades trazer «um olhar poético sobre o sal», mensal. Vem temperado de discurso, legendagem, imagem e sentimento. Retrata momentos que marcaram uma época, uma gente e uma paisagem. Foram mãos e pés que gretaram e braços que carregaram o tempero das mesas portuguesas.
 
 

Paisagem retalhada de janelas e postigos, entreabertos para o céu, esse céu que se reflecte nas vidraças já embaciadas pelo tempo e alagadas pela água salobra ou enlameada. Outros tempos…
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A mão do Homem retalhou a temperada paisagem do salgado lagunar: do simétrico ao assimétrico, entre água, lama e vegetação, «desenhou» as marinhas com seus meios, cabeceiras, talhos, sobre-cabeceiras e algibés, sem régua nem esquadro.
Fê-lo apoiado na sabedoria de gerações e com alma de marnoto.
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São muros, são muretes, são defensões para as marés, são traços desenhados por mãos calejadas, mas sábias. Tal como o arquitecto desenha em estirador, esse mestre e artista desenha em água, em areia e em lama.

 
 

O nosso olhar aproxima-se e penetra nas profundezas da água da laguna, baixas e transparentes.
 
 
 
Ao longe avista-se a serra. Aproximamo-nos da cidade – silhuetas recortadas de casario urbano, água e lamas, caminhos e muros serpenteiam, palheiros e árvores indiciam presença humana, retalhos geométricos pintalgados de «cones» brancos – é tudo o que a vista alcança!
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Nota - Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.

Imagens | Paulo Godinho | Anos 90
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10 | 05 | 2013
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Texto | Etelvina Almeida| Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Impressões sobre o «Amores de Ria»

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Do que gostei mesmo, ontem, na Costa Nova, alongada no sofá, ao ler a nova novela, foi que o livro Amores de Ria, com a sua capacidade de ficção, conseguiu fazer-me visualizar o que teria sido uma viagem de moliceiro com pai (arrais) e filho (moço) desde as Folsas do Boco, pelos anos 50 do século XX até Ovar, cais da Carregueira, onde fora descarregar umas pipas de vinho, que tinha embarcado no entreposto da Ponte de Fareja, o que, às vezes, também costumava ser tarefa de o moliceiro. O João da Vaca, como era conhecido, arrola, pormenorizadamente, todos os entrepostos do antigamente por onde passava, as obsoletas pontes até Ovar – o que o obrigava a arriar e a içar  vela e  mastro – e, depois, o retorno, de novo, até ao Bico da Murtosa, onde, pacatamente viviam a Cristina (sua querida mulher) e uma ranchada de filhotes pequenos. O Tonito, nos seus débeis 11 a 12 anitos, para auxílio da família, já era moço do pai, já tinha preocupações de homem feito.
 
Pressuponho que era a vida desse tempo, que também não vivi, mas de que tive «ecos nos olhares». O autor tem o perfeito conhecimento do vocabulário técnico da embarcação e seus aprestos, o que nem sempre acontece, da vida de bordo, das suas manobras, do que é apanhar uma maré de moliço, sem esquecer as rudes ementas desses parcos tempos, cozinhadas nas painas da proa, em tosca e negra panela de ferro, e dos sentimentos que perpassam no coração daquela gente – pai, mãe, Tonito, irmãos, irmãs, vizinhos, amigos. De volta a casa, encontrando a sua Cristina doente, como todo o homem de mar e ria, crente fervoroso, promete a oferta  de uma barriga de cera, à Senhora da Saúde, que estava próxima, se a sua cara mulher se curasse. E assim foi – deu-se o milagre – e a sua amada ficou boa. Mais um pretexto agradável para o autor nos recontar a festa, evocando uma romaria da Senhora da Saúde daqueles tempos, meados do século XX, com todas as privações e sacrifícios, mas belezas e satisfações a que tinha direito, num hino ao amor à família.
 
E são assim os Amores de Ria, entre um velejar de feição ou ziguezagueado, não sem evocar, de passagem, a arte da xávega, na Costa Nova, as marinhas da Malhada com a sua actividade dos barcos saleiros, bem como algumas bateiras de pesca com que se iam cruzando. Espero com este meu sincero «opinar» não tirar o interesse a futuros e possíveis leitores, mas sim despertá-lo ainda mais. Parabéns ao autor, sem esquecer a beleza e a propriedade das aguarelas, bem como da capa do livro, entre tons de verdes, azuis alilasados e róseos, que traduzem toda a magia da transformação da ria, pela paleta de Adélio Simões.

Sessão de autógrafos

 

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 3 de Junho de 2013

Ana Maria Lopes
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domingo, 2 de junho de 2013

Histórico do (segundo ) lugre Gamo

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Tanto Gamo…tanto Gamo. Talvez não seja demais para esclarecer.
É que além do Gamo (que tratámos em 3 posts e que foi torpedeado em 1918), houve um segundo lugre a utilizar o nome de Gamo. Quando me vejo a naufragar, recorro ao amigo Reimar…rima e é verdade. Além do mais, mete-me mais «uns tantos bichinhos» na cabeça e eu, que gosto, toca de pesquisar. Quem procura sempre alcança… e se houver imagens a ajudar, tanto melhor.
Sempre acho que a imagem complementa o texto…
 
O segundo lugre a utilizar o nome de Gamo foi construído no estaleiro de Luiz Bazílio, no Funchal, em 1921, correspondendo a uma encomenda da firma Bagão, Nunes & Machado, de Lisboa, tendo sido baptizado com o nome de Fernando, para o serviço comercial de ligação entre as ilhas adjacentes e o continente.
Muito provavelmente devido à concorrência que existia neste tráfego, através dos vapores ao serviço da Parceria Geral de Pescarias (parcialmente detentora da Companhia Insulana de Navegação), o lugre foi posto à venda, sendo comprado pela Parceria Geral de Pescarias, por 475.000 (escudos), alterando-lhe o nome para Gamo, em substituição do primeiro lugre perdido durante a guerra (1918).
Era um navio de três mastros, tinha proa de beque, popa redonda e um pavimento, com calados de 11 pés à proa e 15 pés a ré.

O navio em questão


O lugre aparece pela primeira vez referenciado na lista de navios portugueses de 1925, com o nº oficial 407-E, e matrícula de Lisboa.
Com 298.85 toneladas de arqueação bruta, 198.76 toneladas de arqueação líquida, tinha 38.75 metros de comprimento, 9.40 de boca e 4.10 metros de pontal.
Estes valores foram alterados em 1931, sugerindo a possibilidade de o lugre ter entrado em estaleiro para remodelação e beneficiações. Os novos detalhes mostram o aumento da arqueação e de capacidade de carga.
Já em 1932 o lugre regressa a estaleiro, desta feita para ser electrificado e motorizado, tendo-lhe sido aplicado um motor diesel da marca Sulzer de dois tempos, 4 cilindros e 100 Bhp.
Simultaneamente a carena passa a estar forrada com latão. Devido à motorização, o lugre altera novamente as características. Após a motorização o lugre aumenta ligeiramente de dimensões, apresentando agora 39.56 metros de comprimento, 9.40 de boca e 3,91 metros de pontal.


Lugre Gamo

Em 1934 o navio muda o indicativo internacional de chamada, mantendo-se a navegar ininterruptamente para os bancos até 1940, ano em que foi vendido à Empresa de Navegação Infante D. Henrique, Lda., do Porto, tendo regressado ao serviço comercial. O navio então matriculado na praça do Porto, sempre com o mesmo nome, está presente nas listas nacionais até ao ano de 1946, até que se lhe perde o rasto, muito possivelmente por ter sido mandado desmantelar.
Com duas épocas (início e fim) dedicadas ao comércio, intervaladas por uns anos dedicados à pesca do bacalhau, como vêem, foram bem diferentes as «vidas» dos lugres Gamo. De igual, só mesmo o nome.


O GAMO no Porto...


Foi comandado por José Cândido Vaz de 1923 a 26, por Manuel Pinto Bóia, de 1927 a 29, por João da Graça Pereira Ramalheira, de 1934 a 38 e por Augusto dos Santos Labrincha em 1939.
 

Imagens – Arquivo pessoal da autora do blogue


Ílhavo, 2 de Junho de 2013

Ana Maria Lopes
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