Do que gostei mesmo, ontem, na Costa Nova, alongada no sofá, ao
ler a nova novela, foi que o livro Amores de Ria, com a sua capacidade
de ficção, conseguiu fazer-me visualizar o que teria sido uma viagem de moliceiro
com pai (arrais) e filho (moço) desde as Folsas do Boco,
pelos anos 50 do século XX até Ovar, cais da Carregueira, onde fora descarregar
umas pipas de vinho, que tinha embarcado no entreposto
da Ponte de Fareja, o que, às vezes, também costumava ser tarefa de o moliceiro.
O João da Vaca, como era conhecido, arrola, pormenorizadamente, todos os entrepostos do antigamente por onde passava,
as obsoletas pontes até Ovar – o que o obrigava a arriar e a içar vela e mastro – e, depois, o retorno,
de novo, até ao Bico da Murtosa, onde, pacatamente viviam a Cristina (sua
querida mulher) e uma ranchada de
filhotes pequenos. O Tonito, nos seus débeis 11 a 12 anitos, para auxílio da
família, já era moço do pai, já tinha
preocupações de homem feito.
Pressuponho que era a vida desse tempo, que também
não vivi, mas de que tive «ecos nos olhares». O autor tem o perfeito
conhecimento do vocabulário técnico da embarcação e seus aprestos, o que nem
sempre acontece, da vida de bordo, das suas manobras, do que é apanhar uma maré de moliço, sem esquecer as
rudes ementas desses parcos tempos, cozinhadas nas painas da proa, em
tosca e negra panela de ferro, e dos sentimentos que perpassam no coração
daquela gente – pai, mãe, Tonito, irmãos, irmãs, vizinhos, amigos. De volta a
casa, encontrando a sua Cristina doente, como todo o homem de mar e ria, crente
fervoroso, promete a oferta de uma barriga de cera, à Senhora da
Saúde, que estava próxima, se a sua cara mulher se curasse. E assim foi –
deu-se o milagre – e a sua amada ficou boa. Mais um pretexto agradável para o
autor nos recontar a festa, evocando uma romaria da Senhora da Saúde daqueles
tempos, meados do século XX, com todas as privações e sacrifícios, mas belezas
e satisfações a que tinha direito, num hino ao amor à família.
E são assim os Amores
de Ria, entre um velejar de feição ou ziguezagueado, não sem evocar,
de passagem, a arte da xávega, na Costa Nova, as marinhas da
Malhada com a sua actividade dos barcos saleiros, bem como algumas
bateiras de pesca com que se iam cruzando. Espero com este meu sincero «opinar»
não tirar o interesse a futuros e possíveis leitores, mas sim despertá-lo ainda
mais. Parabéns ao autor, sem esquecer a beleza e a propriedade das aguarelas,
bem como da capa do livro, entre tons de verdes, azuis alilasados e róseos, que
traduzem toda a magia da transformação da ria, pela paleta de Adélio Simões.
Sessão de autógrafos
Fotografias
– Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 3 de
Junho de 2013
Ana Maria Lopes
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