terça-feira, 30 de maio de 2023

Então, este ano, não houve, galeota?

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Já finda o Maio e não ouvi nenhum pregão de galeota! Este ano não deve ter havido…

Nem vi, nem ouvi, nem comi, nem cheirei.

Ou está proibida a apanha…

Galeooooota!

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Pregão único, mas bem timbrado, repetido e prolongado!

Fez-me falta, sobretudo, o pregão. Faz-me bem à alma e ao paladar – dizia um apreciador.

Marcava uma época – a época da galeota.

Costumava durar, cerca de um mês a mês e meio (de Março a Abril), a venda da galeota, pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. No início da safra, era sempre cara como fogo; pudera! há um ano que não se lhe chincvaa!!!! Mas à medida que se banalizava (por se ir transformando no lingueirão), o preço descia, permitindo que bolsas menos folgadas já lhe acedessem.

 

Sempre mais apoquentada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar.

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Arte a secar nos antigos trapiches, à borda da ria
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Hoje, já não tinha forças nem pachorra para andar de botas de água, pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.

Já abordei esta apanha da galeota no Marintimidades, por algumas vezes, mas não é que, ontem, numas arrumações do “baú de memórias”, encontrei mais umas tantas imagens que cliquei em 11 de Março de 1986 de um lanço de galeota? Que maravilha! Já com trinta e sete aninhos…registadas por mim, “à coca” de todos os pormenores. Conheço a “arte” de cor e salteado. Toca de ordenar as imagens e de preparar a conversa para captar os leitores/amantes do peixinho milagroso.

Trata-se um aparelho envolvente, tipo chincha, especialmente adaptado para a apanha da galeota, uma espécie de recém-nascido lingueirão.

Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco, um pano tipo mosquiteiro, muito franzido e folgado, que substitui o saco da chincha. O comprimento da rede é de cerca de 40 metros, tendo o pano mosquiteiro cerca de 2. A arte é feita com rede de traineira, usada.

Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), era o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.

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Fica um camarada em terra…

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Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.

A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semicírculo.

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Já completo o percurso em semicírculo
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Aproada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano.

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Camaradas alam a rede

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Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, fechando a boca do saco.

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Pescadores vão fechando o saco de pano branco

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A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.

Finalmente escolhem-na dos moliços e de outas mínimas ervagens, para a passarem para um balde ou para o quete da bateira.

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Escolha da galeota
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A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).

Apanhado o petisco sazonal, era preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:

Galeooooota! É tempo dela!...cantava o pregão.

 

E compradoras assomavam às portas!

Mas pareceu-me que o pregão estridente e bem-sonante foi interrompido por exigências marítimas que transtornaram os pescadores.

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Fotografias – clichés da autora do blogue, nos anos 80

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Ílhavo, 30 de Maio de 2023

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Ana Maria Lopes

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quarta-feira, 24 de maio de 2023

A Ria de Aveiro está de luto...

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A Ria de Aveiro está de luto…

Ontem, a ria de Aveiro ficou mais pobre, com o desaparecimento de José Maria de Oliveira Rendeiro. Carinhosamente tratado por Ti Zé Revesso, aos 83 anos (2.1.1940 – 23.5.2023), deixou, para sempre, as águas da ria para subir para a nuvem, de onde sempre avistará o seu moliceiro “A. Rendeiro”.

Murtoseiro de gema, aí nasceu. Desde rapaz, dedicava-se à apanha do moliço, à lavoura e também à pesca. A ria era o ar que respirava e, sem ela não podia viver.

Largou a lavoura e a apanha do moliço em 1975, ano em que foi para o Canadá em busca de uma vida melhor.

Depois de voltar à terra natal, retomou a actividade de arrais e tornou-se um dos resistentes que ajudou a salvar a embarcação tradicional da laguna, quando correu o risco de extinção, tão escassos eram os exemplares a navegar.

Homem bom, afável, dado, simpático, sempre trazia o seu barco, impecável, bem pintado, num brilho.

Participante assíduo em todas as regatas, fazia passeios em ria aberta e contava histórias relativas à sua vida e à sua ria.

Também cativou os fotógrafos, amantes da ria, que o retrataram com assiduidade. Para memória futura, aqui deixo uma pequena mostra de imagens de fotógrafos amigos, que o imortalizaram.-

Etelvina Almeida

 Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

António Cravo

Paulo Marques

Camilo Rego

Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

Rui Cruz

Entrevista TV. EA.

Rui Cruz

 

Jorge Bacelar

Mariano Zé

 
Um até qualquer dia. Etelvina Almeida
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Ílhavo, 24 de Maio de 2023

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Ana Maria Lopes


 

domingo, 21 de maio de 2023

MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo

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MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo

 

A bordo…
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Ontem, 20 de Maio, integrada no programa do Dia dos Museus, abriu a exposição MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo, no MMI. Entre outros, há um agradecimento sentido que quero deixar a Mário Ruivo. Foi a escrita do prefácio ao livro “Faina Maior – A pesca do bacalhau nos Mares da Terra Nova”, editado pela Quetzal Editores, em Junho de 1996, que transcrevo:

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Quando hoje se fala de pesca, raramente se faz referência aos aspectos humanos desta actividade. Mais do que faina no mar, a atenção concentra-se nos conflitos que lhe estão associados, aos quais de tempos a tempos alude a comunicação social. A pesca aparece, assim, despersonalizada.

Os pescadores só ocasionalmente surgem nos écrans de televisão ou nas páginas dos jornais, no momento de grandes tragédias, com fundo de temporal e vaga alta. Mostram-nos mulheres a chorar na praia e entidades oficiais fazendo um discurso de circunstância. Recorda-se, então, que se trata de uma profissão de risco, que é preciso modernizar o sector e garantir a segurança das tripulações. Relembra-se a tradição marítima de Portugal. Os mais cultos citam Raul Brandão.

Daí o interesse deste livro, bem documentado, que nos oferece uma breve história e um panorama vivo e humanizado da pesca do bacalhau enriquecido por recordações e memórias de quem por lá andou. As fotografias, a preto e branco – ainda com alma – ajudam a recriar o “mito” e a “dureza” da faina maior. Vida tão dura e em condições tão ingratas que os mancebos que se matriculavam naquela pesca escapavam ao serviço militar.

Um mito até há poucas décadas profundamente enraizado no imaginário colectivo, cotejando o das navegações e que contribuiu para alimentar a ideia, já um tanto esbatida, que somos possuídos pelo “delírio das coisas marítimas” e um povo profundamente marcado pelas relações com o mar.

A leitura destas páginas faz-me voltar quarenta anos atrás, à época em que me ocupei do estudo das pescarias portuguesas no Noroeste do Atlântico, partilhando, todos os anos, meses a fio, a vida a bordo dos lugres, navios-motores e num ou outro arrastão, nos bancos da Terra Nova, nas costas do Labrador e na Gronelândia, até para além do círculo polar árctico.

Do fundo da memória, chegam-me recordações dos capitães que me acolheram nos seus navios, dos pescadores que pacientemente e com curiosidade me ajudaram nos meus trabalhos, das relações e amizades estabelecidas. Estou a ver o Capitão Sílvio Ramalheira, na cabine de navegação do «Capitão João Vilarinho», escutando com condescendente simpatia as minhas divagações sobre os otólitos e a idade dos bacalhaus e comentando com pragmatismo o que pensava da investigação pesqueira! Pergunto-me o que será feito do João Palão – considerado o melhor profissional da pesca à linha – que, nas horas vagas, fazia ofício de barbeiro e me cortava o cabelo, no convés, sentado num caixote, antes de embarcar em St. John’s. Recordo a azáfama dos dias de grande pesca, a angústia partilhada quando havia nevoeiro e estavam ainda homens no mar, com o “fog-horn” a roncar, como contam os autores. Relembro os termos preciosos que faziam parte do quotidiano a bordo, para mim tão misteriosos e poéticos, com os quais me ia lentamente familiarizando: “alantas”, “gatos”,”locas”. E até o “alfabuche” – uma medida de sal – que durante muito tempo pensei ser de origem árabe (por começar por “al”) e que não era mais do que “half bush”aportuguesado.

Vejo-me num dia agreste e cinzento, no cemitério de Godthaab, onde tínhamos ido enterrar um pescador, ao lado da figura severa do Comandante Tavares de Almeida, que me iniciou nestas lides a bordo do «Gil Eannes». Para onde vai o «Gil Eannes?», titulava, há dias, o jornal “Público”. “O Gil Eannes, que serviu de navio-hospital da frota da Terra Nova, fez 41 anos no passado dia 19 que foi lançado ao mar. Nos dias de glória, o seu hospital, por exemplo, dava assistência a 70 navios e a cerca de 7 000 pessoas. Atracado, há anos, na Rocha de Conde de Óbidos em Lisboa”. Onde, com nostalgia, o vi, há meses, quando passeava na doca. O prestimoso navio branco de assistência à frota, agora amarrado ao cais, gasto pelo tempo e coberto de ferrugem.

Nesta obra, a pesca do bacalhau é-nos apresentada quando ocupava ainda uma posição dominante nas actividades marítimas nacionais. A sobrevivência da nossa frota de pesca à linha face à concorrência de outros países que praticavam a pesca do bacalhau, utilizando sobretudo e cada vez mais os arrastões, resultou em grande parte da necessidade de ganhar a vida dos pescadores e do regime corporativo e de proteccionismo económico que dominava o sector.

Começava, então, a ser evidente, para quem analisasse criticamente a situação, que a pesca longínqua portuguesa perdia pouco a pouco posição face à concorrência das frotas modernas, bem equipadas, com adequado científico, técnico e diplomático, inseridas em economias dinâmicas e sociedades abertas.

 

Quando regressei a Portugal, depois do 25 de Abril, este processo tinha entrado já numa fase avançada que se acelerou com o novo direito do mar e a criação de zonas económicas exclusivas sob jurisdição de Estados costeiros – designadamente em águas tradicionalmente frequentadas pelos pescadores portugueses – onde agora apenas podíamos invocar direitos históricos para defender o acesso e negociar quotas. Em 1979, numa nota publicada no balanço do ano do “Expresso” considerei, face à incoerência da política de pescas nacional, que a decadência da nossa pesca longínqua era irreversível. As recentes notícias sobre a “guerra da palmeta” representam, simbolicamente, o fim de um ciclo.

 

O livro de Ana Maria Lopes e Francisco Marques, para além do seu valor documental constitui uma excelente fonte de referências para quem, no futuro, pretenda aprofundar o tema na diversidade dos seus aspectos técnicos, etnográficos e culturais do que foi uma importante actividade portuguesa. Ao valorizar culturalmente a “grande faina” e ao recriar uma ligação sentimental à actividade marítima, está também a contribuir para estimular a reflexão sobre o almejado “regresso de Portugal ao Mar”, à luz de novas perspectivas. Um tal objectivo nacional requer uma crescente informação e sensibilização da opinião pública, sobretudo quando se reconhece, hoje, à escala mundial, que os Oceanos constituem a última fronteira do planeta e um espaço vital para o futuro da Humanidade. Esta é, de resto, uma das motivações subjacentes à realização, em Lisboa, da Expo 98 e à designação pelas Nações Unidas, por iniciativa de Portugal, de 1998 como Ano Internacional dos Oceanos.

 

Ílhavo, 21 de Maio de 2023

 

Ana Maria Lopes

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