sábado, 31 de outubro de 2020

Evocação de Cândido Teles, pintor da ria e do mar

 -

Faz, hoje, exactamente, 21 anos que Cândido Teles faleceu, com 78 anos de idade.

António Cândido Patoilo Teles nasceu em Ílhavo, no Arenal, a um de Janeiro de 1921 e faleceu na mesma cidade, a 31 de Outubro de 1999.

Cândido Teles, fruto da sua profissão, viveu e interpretou, na tela, ambientes distintos: Aveiro, Ílhavo, Açores, África (Angola, Guiné, S. Tomé e Moçambique), Madeira, Alentejo, Algarve, num intenso trabalho, sofrendo, em todos eles, uma influência dos meios, humano e paisagístico.

Mutações, nos aspectos temático, técnico e estético da sua arte, fizeram dele um experimentalista nato. À Ria de Aveiro, de que se afastou, geograficamente, por circunstâncias profissionais, voltou, com garra, nos últimos 20 anos da sua vida, numa técnica estruturalmente enobrecida e diversificada.

Ao longo da vida, recebeu várias distinções e a sua obra está representada em diversos museus nacionais e colecções públicas e particulares.

Plurifacetado, usou sabiamente o lápis, as tintas, os pincéis e a espátula; moldou o barro e trabalhou o ferro forjado.

Em matéria de datas, o último dígito – 9 – teve, na sua vida, uma forte carga afectiva; repete-se, por coincidência? …1939, primeira Exposição no Salão Arrais Ançã, na Costa Nova; 1999, ano do falecimento; em 2009, teria feito 70 anos de vida artística e passaram dez anos, após a sua morte.

Como apreciadora do Mestre Cândido Teles e amiga da Família, fizemos o melhor para evocar uma das facetas dele que mais me toca – a Ria. Evocar é, sobretudo, lembrar e revisitar.

Apreciemos uma ligeira mostra de trabalhos seus, por ordem cronológica:

-

Vista para o Forte. 1939. Col. Família

-

Xávega. 1948. Col AML

 -

Apontamento da época. 1949. Col. AML

-

Tríptico da arte xávega. 1959. Col. MMI
-

Costa Nova. Moliceiros.1967. Col. AML
-

Saleiros. Aveiro. 1969. Col. CMI
- 

Ria em verde. 1969. Col AML
- 

Costa Nova. 1971. Col. AML
-

Estudo Painel. Aveiro. 1985. Col. Família

-

Último quadro datado, no cavalete. 1999
- 

Tem hoje, também, o Artista, um lugar de destaque no “Marintimidades”, porque Cândido Teles, além de muitos outros aspectos relevantes, identifica-se, na região, com um grande pintor da Ria, da Costa Nova, das nossas fainas marítimas e lagunares.

-

Ílhavo, 31 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Privado investe milhões no Forte da Barra

 -

Empresa AM+PM ganhou a concessão no âmbito do programa “Revive”. No local, vai nascer um espaço de hotelaria e restauração.

-

Forte da Barra. Anos 50

-

O Forte da Barra é uma fortificação edificada no século XVII. Em meados do século XIX, perdeu importância defensiva e estratégica, sendo desactivada das funções militares. Ainda serviu de local de orientação para entrada de barcos na barra, mas perdeu essa função com a construção do farol da Barra. O “Revive” é um programa conjunto dos ministérios da Economia, Cultura e Finanças, com a colaboração das autarquias e a coordenação do Turismo de Portugal, visando a recuperação de imóveis públicos que não estão a ser usufruídos pelas comunidades através da realização de investimentos privados que os tornem aptos para a actividade turística. Já não será para o meu tempo, mas, quando se concretizar, é bom.

-

Fonte – Diário de Aveiro

-

Ílhavo, 30 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

domingo, 25 de outubro de 2020

A apanha do "crico" na Ria de Aveiro

 -

A nossa ria, desde muito cedo, foi rica em bivalves, tendo-se tornado numa riqueza piscícola, que deu subsistência a uma quantidade grande de pescadores, que mais se interessaram e dedicaram por aquela actividade pesqueira. O berbigão, a amêijoa, o burrié, e, até a ostra, em tempos recentes (avistam-se viveiros mesmo da minha varanda na Costa Nova), ali encontraram nas águas lagunares um bom habitat. A sua apanha, sobretudo do berbigão, na gíria conhecido por crico, é um cenário com que deparamos frequentemente, mesmo a partir da curva da Biarritz. Actualmente, esta captura não me tem atraído tanto, se bem que seja muito intensa (vê-se com frequência), porque as embarcações usadas já são quase as modernizadas chatas, em fibra de vidro, menos atractivas para mim.

Este ano, talvez com as dragagens da ria que revolveram os fundos, voltaram, em força, ao terreno.

Noutro dia, remexendo “os meus baús”, estes assuntos sempre me interessaram, encontrei umas imagens dos anos 80 do século passado, na Costa Nova, em que o berbigão era apanhado com duas cabritas, mas a bordo de que embarcações? Suspense… vejamos.

-

Olha o belo crico. Ena tanto!
-

Ena!... que quantidade de crico capturado para bordo de um dóri (sobras da pesca do bacalhau, à linha…), bem nítido, onde é possível   apreciar e anotar alguns pormenores.

O CRISTINA II era um dóri já adulterado e adaptado à pesca lagunar, com coberta de proa e painel de popa para aplicação de motor fora de borda, mas que ainda evidenciava, com clareza, o tabuado trincado, que sempre ostentava e o caracterizava. Também se vislumbra a peça metálica (o bronze), onde se enfiavam as forquetas, que sustinham em rotação, a parte central dos remos. E uma bela fateixa de quatro patas e quatro unhas, sobre a coberta da proa! É nítida e mete raiva!

A referida cabrita pode apreciar-se bem na mão do pescador, constituída por uma longa vara a que se prende a travessa de um ancinho metálico, de onde sai um arco em semi-círculo, que sustém um saco de rede de cerca de um metro de comprimento, com um rabicho, no fundo, que facilita a manobra do despejo do bivalve, depois de ter sido, esforçadamente, cravado e arrastado pelo fundo da ria, suportado no ombro arrojado do pescador.

--

Dóri de popa cortada
-

Imagem extremamente explícita da captura, em que a embarcação também costumava estar fixa a duas longas e pujantes varas. A bateira caçadeira que a imagem seguinte apresenta, nessa mesma época, também se dedicava à mesma faina.

-

 

E agora, a bateira…
-

Às vezes, interrogo-me – será que eu, na Costa Nova, pelos anos 80, ainda tão jovem, não tão teria nada mais interessante que fazer do que andar a “pescar” e fotografar pescadores nas suas fainas? Claro que tinha e ia alternando. Caso contrário, também não me alegrava, agora, de encontrar estas “pequenas relíquias” de um passado recente, ao vasculhar “os meus baús”.

O que encontrarei mais? Não sei, ainda não acabou…. Vamos a ver o que está a dar…

-

Ílhavo, 25 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O Primeiro Navegante

 -

Faz, amanhã, 74 anos que o “Primeiro Navegante” encalhou, à boca da Barra. Era tão novinha, que ninguém me levou lá para ver, mas esse naufrágio foi tão fotografado, foi-me tão relatado, mais tarde, de uma forma tão empolgante, que parece que a ele assisti.

O lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa Ribaus & Vilarinhos, Lda.

Lugre sólido e elegante, media 44,17 metros de comprimento, entre perpendiculares, 10,13 m. de boca e 5,13 de pontal; tinha uma tonelagem bruta de 482,77 toneladas e líquida, de 329,23, capacidade para 12 000 quintais de bacalhau e albergava uma tripulação de 56 homens e 53 dóris.

-

O “Primeiro Navegante”
-

Curiosamente, o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo, coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, “Dom Deniz”.

Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o “Primeiro Navegante” começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.

Se a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.

Depois de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de João Maria Vilarinho (1940 a 1942 e 1945), José Simões Ré (1943), José Maria Vilarinho (1944), chegou o regresso fatídico de 1946, de novo com José Maria Vilarinho, segundo informação das fichas do GANPB. Também zoou, na altura, que o irmão João poderá ter feito apenas a viagem de Leixões para cá.

-

Prestes a encalhar…
-

A 14 de Outubro de 1946, o “Primeiro Navegante” entrara em Leixões, para aliviar 3000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.

No dia 24 de Outubro, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o “Lousado”, o “Navegante II”, o “Ilhavense II”, o “Santa Mafalda”, o “Maria das Flores”, o “António Ribau” e o “Viriato”. Vinha o “Maria das Flores”, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao “Primeiro Navegante”, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão. Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o “Primeiro Navegante”, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.

- 

Irremediável naufrágio
-

Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.

Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível.

Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar consegue fazer.

Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade

 -

Vai-se destroçando… 1947
- 

Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.

-

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 23 de Outubro de 2020

Ana Maria Lopes

-

domingo, 18 de outubro de 2020

Traineira IDELTA

 -

Bota-abaixo da traineira IDELTA, em Setembro de 1942

Há dias assim, em que as pesquisas não rendem ou, de facto, não encontramos o que procuramos.

Mas surge sempre algo que nos dá jeito, passível de aproveitar. Não eram precisos estes dados para saber que, no princípio do século XX, se construíram navios, de maior ou menor porte, em Ílhavo, lá para os lados da Malhada.

Eu e as imagens!... Esta foto que utilizo, enviou-ma um familiar dos Abreus, há uma dezena de anos atrás. Por aqui tem andado, desempregada. Hoje, cheguei ao texto que a ilustra, ao folhear “Ilhavenses” dos anos 40, para outros fins.

Assim rezava o jornal de primeiro de Outubro de 1942, que respigo:

Dos terrenos da Seca Da Empresa de Pesca de Portugal, Lda., sita junto à Ponte Juncal Ancho, nesta vila, foi, no sábado (26 de Setembro), deitada à água uma traineira mandada construir pelo Sr. Francisco António Abreu, sendo construtor o Sr. Silvério Mónica, da habilidosa família deste nome, que em trabalhos de construção naval tem dado provas de uma perícia extraordinária.

A traineira que foi baptizada com o nome de IDELTA, sendo madrinha a filha do seu proprietário, menina Maria Frederica Paradela de Abreu, aluna da Faculdade de Medicina, tem 21 metros de comprimentos, é accionada por máquina a vapor e destina-se à pesca da sardinha, no Porto.

O bota-abaixo, a que assistiu grande multidão, foi coroado do mais feliz êxito, pelo que, tanto o proprietário, Sr. Francisco António Abreu, como o novel construtor, Sr. Silvério Mónica, foram muito felicitados.

De seguida, foi oferecida uma taça de espumante aos convidados, brindando pela prosperidade do arrojado iniciador deste empreendimento, o advogado, Sr. Dr. Joaquim Silveira.

No mesmo local, já está a ser preparado o cavername para a construção de um outro barco de 300 toneladas, que o Sr. Francisco Abreu conta ter pronto no prazo de seis meses.

Eu, que era tão apreciadora de cerimónias de bota-abaixo, agora tenho de me contentar com as descrições e imagens encontradas.

-

Ílhavo, 18 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

domingo, 11 de outubro de 2020

As Mulheres das Secas

 -

A beleza dos painéis do já citado Viaduto, na Gafanha da Nazaré, agora decorado por António Conceição, marcou-me tanto, que fui levada a ir “ao baú”, rever que fotos tinha relativas a esta dura profissão, embora um pouco mais tardias às registadas por Maria Lamas.

- 

Uma das últimas secas tradicionais…a IAP. s/d
-

Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos botes, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

-

Tanques na seca do Brites…
-

Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.

Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.

Os clichés a preto e branco, num tempo em que “clicar” não era tão vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes e de “conhecimentos”.

-

Carros, lambretas e bacalhau a perder de vista

- 

As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

A escritora Maria Lamas, homenageada também no dito Viaduto, que andou pela nossa região na década de quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)

O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.

-

Escolha e separação do peixe…1961
-

Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

-

E a tarefa prossegue… 1961
-

Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a visita ao aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

-

Ílhavo, 11 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Museu marítimo a céu aberto, na Gafanha da Nazaré

 -

Foi com algum espanto que comecei a ver no FB a reprodução de belas imagens que me espantaram, uma espécie de um museu a céu aberto que ia nascendo na região, talvez mesmo nos pilares de um viaduto da Gafanha da Nazaré. Fui ao seu encontro.

Passam a surgir as grandes mulheres, que foram, as das secas, dedicadas a um trabalho duríssimo, algumas pessoas que identifiquei, bem como cenas de pesca do bacalhau em dóris, na sua grande maioria, inspiradas em retratos de Alan Villiers, da sua memorável viagem no “Argus”, na campanha de 1950.

Num fim de tarde claro, mas acinzentado, antes daquela tempestade subtropical, que assolou o país, depois de duas semanas bem quentes e calmas, aventurei-me por esta região que bem conheço. Lá fui…

Perto do retrato do então jovem capitão Valdemar, fardado, estacionei na berma da estrada e parti, à descoberta, de olhos arregalados – do tal museu a céu aberto.

Dei de caras com um senhor simpático, que me identificou e me disse que o desafio daquele trabalho partira de Leonardo Aires, proprietário da empresa “Frigoríficos da Ermida”, ali situada e que tinha começado com um painel gigante que retrata ursos polares. Já me dera na vista.

E depois? Seria de utilizar os pilares do viaduto que dá acesso ao Cais dos Bacalhoeiros, que por ali passa, para celebrar histórias tão “gafanhoas”, com raízes nas secas de bacalhau, que por ali abundavam e dos homens dos botes (dóris) que pescavam o bacalhau nas terras gélidas dos mares do Norte?

Depois dos entendimentos legais junto da APA e da CMI, passou-se, então, ao início do trabalho, para o qual foi encontrado o autor, António Conceição, pintor natural do Mindelo, Cabo Verde, mas, que, actualmente, vive em Vagos.

Com jeito e gosto pela pintura, tirou o curso de Belas Artes, na Universidade do Porto, em 2005. Centrou-se em quadros que, entretanto, foi expondo em galerias, mas começou por perceber que a sua grande paixão era a pintura de ruas e os grandes murais que são uma obra de todos – a rua é a sua tela.

Começando pela grande base do viaduto, a cores, que retrata as várias tarefas, duros trabalhos, das mulheres das secas, seguem-se outras cenas de mulheres das descargas do bacalhau, que a escritora Maria Lamas, no seu livro “As Mulheres do meu País”, imortalizou. Andou, em 1948, pela Gafanha, observando e fazendo inquéritos às mulheres das secas, de onde resultaram textos belíssimos. Também o Capitão Valdemar Aveiro, que numa vetusta idade está ainda entre nós, muito freso, foi escolhido para ser homenageado e o armador dos mais empreendedores, que foi Egas Salgueiro. E de pilar em pilar, vão-se retratando cenas piscatórias da difícil tarefa dos homens dos dóris e dos moços, pau para toda a obra, a bordo.

Vejamos algumas das imagens:

 

Visão parcial do viaduto
-

Mulheres das secas
-

Maria Lamas

 -

Valdemar Aveiro

 -

Egas Salgueiro

 -

Homem do dóri
-

  

Moço com bacalhau gigante


Raparigas das secas
-

O arriar do bote

O último pilar decorado

-

Na convicção de que vos tenha convencido, visitemos aquele santuário de quando em vez, com o sentido de observar e apreciar o que vai surgindo.

-

Ílhavo, 9 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-

domingo, 4 de outubro de 2020

Nossa Senhora das Areias. 2020

- 

Hoje, domingo, 4 de Outubro teria sido a última romaria lagunar, mais uma que não se realizou – a Nossa Senhora das Areias, em São Jacinto. Recordo, pois, uma das últimas a que fui.

Com algum sacrifício, alvorei cedo, para, no “Pardilhoense”, atravessar para São Jacinto – percurso frente à entrada da Barra, sempre mágico e nostálgico.

Apesar de não ser perita em hagiologia – longe disso –, preocupei-me com a identificação correcta dos santos, nos seus andores, superlativamente decorados com alguns frutos e flores distintas: antúrios rosa, brancos, verdes, vermelhos, botões de rosa de cores diversas, gladíolos, esterlitzias, gerberas, malmequeres, verduras variadas, etc., etc., etc.

Depois da Eucaristia dominical festiva, na característica capela hexagonal (posteriormente ampliada), assisti à formatura da procissão, este ano com um percurso mais complexo, devido a obras na marginal.

A Banda dos Bombeiros Voluntários de Estarreja na sua musicalidade compassada, abria o cortejo eclesiástico, logo seguida, caso curioso, de uma miniatura do barco do mar N. S. das Areias, endeusada em andor. Recordaria as “companhas da arte”, que laboraram em S. Jacinto no século XVIII, antes de se transferirem para a Costa Nova do Prado, após a abertura da Barra, em 1808.

O estralejar do foguetório anunciava a saída, indiciada por diversos estandartes, em chão pontilhado de plantas verdejantes e pétalas de rosa, que mostravam a rota da procissão, que tem sempre uma paragem obrigatória frente às “Portas de Armas” da Base Aérea Militar. Aí se dá o encontro entre as duas divindades – a Senhora do Ar, padroeira dos aerotransportados, vem saudar a Senhora das Areias, orago de S. Jacinto.

-

 
Senhora do Ar
-

Senhora das Areias 

Ao mesmo tempo, enquanto anjinhos e santinhos “ao vivo” se divertiam à brava, brincando com os seus “bonecos/meninos”, um sacerdote pregava o sermonário, numa varanda arredondada, enfeitada de colgaduras adamascadas, coloridas, no redondo que dá para a base militar e para a ria.

-

 
A saudação
-

Como romaria lagunar que é, o elemento água não podia faltar.

Uma simbólica largada de pombos homenageia o elemento ar, como meio ambiente libertador da terra, em direcção à independência cerúlea do céu. Vivas, palmas e chuviscos de pétalas de flores completaram a saudação, em ambiente religioso e tradicional.

Chamaram-me a atenção aquelas divindades que me são menos familiares – o S. Pedro Velho.

De grande chave na mão direita, será ele que nos abrirá a porta do céu?


S. Pedro Velho 

S. Miguel Arcanjo, com a balança justiceira, era suportado devotamente por militares.


S. Miguel Arcanjo

São Jacinto, pouco visto, segura ao colo a Senhora das Areias, tendo esta nos braços o Menino Jesus. Que paternalismo e que cruzamento de santidades…


São Jacinto

Depois de demorado almoço em restaurante da marginal, ao sabor de brisa suave, fizemos em grupo, uma incursão pelas “ditas” tendas. De tudo se vendia, com ordem e organização – desde brinquedos, chapelaria, atoalhados, calçado, lingerie, até à doçaria tradicional, frutos secos, queijos e enchidos de toda a espécie.

À tarde, no largo da capela, ressaltava um ambiente festivo tipicamente popular, animado por um conjunto com música ritmada, melodiosa e animada, que não nos estourava os tímpanos.

Outros “romeiros”, entretanto, bebiam cerveja fresquinha ou uma ginjinha, enquanto saboreavam pão com chouriço ou pão na pedra. Novidade?

E o bailarico da praxe prolongava-se tarde adentro.

É que até o tempo pactuou com a romaria, que encerrou a “rota das festividades lagunares”. Não esteve de excessos.

O sentimento religioso e a fé deste povo das areias reflecte-se como se mostrou no fervor presente nas procissões.

-

Imagens da autora do blogue

-

Ílhavo, 4 de Outubro de 2020

-

Ana Maria Lopes

-