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A
beleza dos painéis do já citado Viaduto, na Gafanha da Nazaré, agora decorado
por António Conceição, marcou-me tanto, que fui levada a ir “ao baú”, rever que
fotos tinha relativas a esta dura profissão, embora um pouco mais tardias às
registadas por Maria Lamas.
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Uma das últimas secas tradicionais…a IAP. s/d
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Com
o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas,
com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas,
para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos
armazéns, na sua carpintaria consertadora dos botes, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e
rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela
vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para
exposição do «fiel amigo» ao sol.
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Tanques na seca do Brites…
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Os
tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas,
sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.
Tive,
por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras
heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais
aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou
nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.
Os
clichés a preto e branco, num tempo
em que “clicar” não era tão vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens
de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até
de surripiar, para saborear, umas lasquinhas
de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas.
Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes e de “conhecimentos”.
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Carros, lambretas e bacalhau a perder de
vista
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As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de
mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era
permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.
A escritora Maria Lamas,
homenageada também no dito Viaduto, que andou pela nossa região na década de
quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua
ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e
solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas,
faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou
simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de
plena vitalidade e de optimismo. (…)
O trabalho da mulher, nas
secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias,
para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o
empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o
peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher
conduz à secção onde recebe o sal. (…)
As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as
idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência
plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo
estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.
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Escolha e separação do peixe…1961
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Um criativo designer de
moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias
sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que
tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de
modernidade?...
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E a tarefa prossegue… 1961
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Já
agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto
pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos
supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também
que com a visita ao aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a
presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua
história comovente.
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Ílhavo,
11 de Outubro de 2020
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Ana Maria Lopes
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