segunda-feira, 18 de novembro de 2024

"Desafios do Mar Português"

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O Museu Marítimo de Ílhavo realizou no passado sábado, dia 16, pelas 10 horas, a 12ª edição do Seminário “Desafios do Mar Português”, assinalando o Dia Nacional do Mar. Foi dedicado ao tema “Ria de Aveiro: Sustentabilidade e Património”, aprofundando a relação entre o desenvolvimento económico, os desafios ambientais e a preservação dos recursos naturais e culturais. Reuniu um diversificado painel de especialistas, associações e decisores políticos, proporcionando uma plataforma para um diálogo construtivo, tendo sido muito concorrido.


Painel de especialistas e associações…
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Bastante concorrido…
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Durante o seminário, foi apresentado o livro “Arqueologia do pau-de-pontos do moliceiro”, da autoria de Vítor Pereira Mendes. vencedor da última edição do “Prémio de Estudos em Cultura do Mar – Octávio Lixa Filgueiras”.

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Capa do livro
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Ílhavo, 18 de Novembro de 2024

Ana Maria Lopes

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sábado, 9 de novembro de 2024

Uma mulher na pesca do bacalhau!...

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No “Diário de Aveiro” de anteontem, 7 de Novembro de 2024, este título de uma crónica de João Pires Simões chamou-me a atenção.

No início dos anos 80, um navio (…) teve um piloto do sexo feminino, uma rapariga de Oeiras, destemida, que entrava nas lanchas e trabalhava juntamente com os pesadores, nos bancos da Terra Nova. O comportamento dos homens passou a ser diferente, onde não se ouvia uma asneira, pois ela sabia dar-se ao respeito. De seu nome Helena Julião, não foi fácil, pois a pesca requer uma “endurance” física e psicológica e passou por tudo, para depois passar a imediato de outro navio.

Perante o que, para mim, era uma novidade, na posse do nome, fui consultar o “Portal de Homens e Navios”.


Helena Julião


Pesquisei Helena Julião e, então, apareceu-me o nome completo, Helena Maria Rodrigues da Costa Julião, natural do Socorro, Lisboa.

Nascida em 12 de Junho de 1957, era possuidora da cédula marítima nº 13, passada pelo Porto de Lisboa, em 15 de Fevereiro de 1984. Na ausência de mais dados, com excepção de fotografia, a ficha do Grémio regista que exerceu o cargo de praticante de piloto, na arrastão “Santo André”, 2ª viagem, em 1985, com o capitão Manuel Silva Santos e, no ano seguinte, 1986,  o de imediato, no navio “Neptuno”. São muito poucos dados, mas não deixaram de despertar a minha curiosidade. Terá sido a primeira mulher a embarcar na  pesca do bacalhau.

O Amigo João David Marques chamou-me a atenção que tem um depoimento no livro “Santo André – Memórias de um navio”, editado pelo Museu Marítimo de Ílhavo em 2019, pp. 163-164.

Ainda me informou que houve outra mulher na pesca do bacalhau, esta, Bela Cardoso, da Gafanha da Nazaré, que, em 1986, embarcou no “Almourol” com o capitão Manuel Pedreiro e o imediato David Calão. Fez, pelo menos, 3 viagens,  e, depois, passou para o comércio.

Imagem gentilmente cedida pelo MMI.

Ílhavo, 9 de Novembro de 2024.

Ana Maria Lopes

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terça-feira, 5 de novembro de 2024

O Bote Catraio de Passagem da Bacia do Tejo


Continuei o meu caminho e, ao entrar no magnífico porto de Lisboa, dei por mim a pensar que estava na altura de construir um barquinho que só tinha visto numa vitrine da Sala da Pesca do Museu de Marinha, como representação dos pequenos transportadores de passageiros, que ligavam esta cidade à outra banda, como então se dizia.

Procurei no Pavilhão das Galeotas do Museu de Marinha e lá encontrei o que tinha pensado. Era o bote catraio de passagem, que, embora numa dimensão um pouco diminuta, logo me pareceu ser este o modelo que ficava a aguardar oportunidade e disposição para dar início a um novo trabalho, que ia enriquecer a minha colecção.

Era um belíssimo trabalho da coleção Seixas, que como todos é de uma perfeição e rigor inexcedíveis.

Não foi preciso mais nada para me dar a coragem que me andava a fazer falta. Preparei um plano de formas na escala de 1/25, como me é habitual, para que este modelo possa vir a fazer parte da minha já vasta colecção. É um airoso barquinho de formas perfeitas. Como trabalha com velas de espicha vai enriquecê-lo duplamente, pois será o primeiro desta arte.

Agora nada mais era preciso para começar a preparar o estaleiro e procurar nas minhas reservas os pedaços de madeira de limoeiro que me iam permitir fazer a quilha e as rodas da proa e da popa.

Prontas estas peças, chegam os pormenores e o trabalho vai com mais vagar. As escarvas de ligação devem ser perfeitas, para o conjunto ficar resistente, desempenado e certo no comprimento que o modelo tem. De seguida, é o alefriz que vai levar algum tempo para ficar bem graminhado, principalmente no redondo da roda de proa.

Agora, durante a montagem no estaleiro, tudo tem de ser feito com atenção. A quilha deve ficar bem segura, com a roda e o cadaste alinhados e fixados na vertical, para que o barquinho se construa perfeito.

Chegou então a altura de tratar das cavernas e as primeiras são as duas da casa mestra. Como são iguais, são marcadas e serradas ao mesmo tempo e depois de prontas assentes na quilha nos respetivos lugares, marcados previamente, de acordo com a informação retirada do plano de construção.

Com a colocação de mais algumas cavernas para vante e para ré das mestras, o meu bote começa a mostrar as suas formas elegantes e bem proporcionadas.

Aos olhos de quem o observa, as linhas do seu casco parecem ter sido retiradas de algum gabinete de arquitectura naval, traçadas por mestre muito sabedor.

Estou convencido, se hoje esse gabinete tivesse que idealizar uma embarcação de vela e remo, para executar o trabalho de transportar pessoas de um para outro lado da bacia do Tejo, ou passageiros e tripulantes de navios ancorados neste porto, serviço que a esta estava destinado, nada alterava ou modificava nesta pequena embarcação.

O desenho que me orientou é de Francisco Dias datado de 1929, o que me leva a pensar que teriam sido os barqueiros que navegavam nestes catraios, os chamados catraeiros, que reunidos em grupo, formaram a conhecida Companhia dos Catraeiros. Recordo que, era aos Catraeiros que eu fazia a requisição das lanchas e reboques, quando eram necessários para as manobras do meu navio em porto.

Mas voltando ao meu modelo; quando o casco ficou pronto e afagado a preceito, chegou a altura de começar a preparar o leme, as bancadas e os paneiros. Ainda faltava o mastro do grande, o da catita, o gurupés, o botaló e as varas das espichas, para poder tirar a dimensão e a forma dos painéis da vela grande, da catita e da de estai, que me permitiriam riscar no pano as respectivas velas.

Como este bote usava a arte de espicha (velas em que o punho da pena é esticado por uma vara em diagonal), este plano vélico era também uma novidade para mim e foi necessário aprender. Depois de cortadas, bainhadas, entralhadas e envergadas nos respetivos mastros, foi com muito gosto que verifiquei que o meu trabalho tinha resultado.

Faltava ainda fazer dois pares de remos, uma fateixa, um balde e um vertedouro para o meu bote catraio de passagem ficar aparelhado.

Resolvi deixar este modelo sem pintura. Dei isolante por fora e por dentro e revesti tudo com recuperador incolor para ficar à cor da madeira. Como sempre, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais, choupo no costado, tola nas cintas bancadas e remos. Ramos de ameixieira nos mastros e varas. Nas ferragens e âncora, usei cobre. Nas velas e cordame algodão.

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Por estibordo
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De cima…
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Plano de construção
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Plano vélico
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Este modelo do bote catraio de passagem da Bacia do Tejo construído na escala 1/25, representa uma embarcação com as seguintes dimensões:

. Comprimento fora a fora……6,62 m

. Boca………………………...…2,35 m

. Pontal……………………..…..0,89 m

 

Gafanha da Nazaré, 3 de Setembro de 2023

António Marques da Silva

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O "Tanto Mar!" regressou ao Museu Marítimo de Ílhavo

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O "Tanto Mar!”, iniciativa promovida pelo Museu Marítimo de Ílhavo (MMI), regressou este fim de semana, com duas oficinas e uma Conversa de Mar.

Miguel Cabral de Moncada, fundador e actual sócio-gerente da prestigiada leiloeira nacional Cabral Moncada Leilões, foi o convidado para a Conversa de Mar, pelas 17 horas, ontem, domingo. No dia anterior, a sua leiloeira promoveu o Leilão Especial “200 Anos Vista Alegre”, a que assisti com interesse e que decorreu com muito público e entusiasmo, no Teatro da Vista Alegre.

 

Em pleno leilão…
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Foi-nos permitido apreciar peças raras e de muito bom gosto, uma das quais nunca vista, verdadeiro “tesouro nacional” VA, vendido no leilão por 13.000 €.

Também foi com satisfação que constatei que um par de esculturas ilhavenses (1924-47), pintadas à mão, relevadas a ouro,   havia sido adquirido pela CMI, para aumentar o espólio do MMI.

 

Par de esculturas ilhavenses
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A Conversa de Mar foi inspirada na exposição temporária “Alegorias do Mar na cerâmica da Vista Alegre”, que faz parte das comemorações do bicentenário da Fábrica da Vista Alegre e que, patente até ao dia 17 de Novembro, reúne peças produzidas desde 1869 até â actualidade, todas com o mar como   tema central.

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Alegorias do Mar na Cerâmica Portuguesa


Perante uma plateia interessada, foi um prazer ouvir o Dr. Cabral de Moncada, com um grande à vontade e  profundo conhecimento do assunto.

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Ílhavo, 28 de Outubro de 2024

Ana Maria Lopes

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domingo, 6 de outubro de 2024

A Catraia Piladeira de Esposende

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E Marques da Silva continua:

Concluído o meu modelo da masseira de Vila Praia de Âncora, tinha chegado a hora de continuar a navegar para o sul, pois era esse o caminho que vinha fazendo, ao encontro de embarcações locais.

Não foi necessário percorrer grande distância, pois chegado a Esposende, logo os olhos ficaram presos na elegante e vaidosa catraia piladeira, embarcação que foi muito utilizada, em toda esta zona da nossa costa.

De Esposende para sul até ao Douro, era possível encontrar sempre embarcações deste tipo. Mesmo com pequenas alterações, necessárias à arte de pesca ou ao local onde tinham de trabalhar, era sempre bela a sua presença.

Mas é a catraia piladeira de Esposende, que eu vou tentar reproduzir, seguindo os desenhos do magnífico livro “Embarcações Tradicionais: Em busca de um património esquecido” de Ivone Baptista de Magalhães, p. 80, e todas as preciosas informações que a pesquisa no computador sempre pode facultar.

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Página do livro citado
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Como sabemos, esta embarcação que não passava dos sete metros de comprimento, era construída com uma elegância de linhas e uma beleza de formas que a meu ver, é difícil de superar.

Tendo de boca, isto é, de máxima largura, uma dimensão que à primeira vista parecia exagerada, os seus construtores conseguiram com o lançamento de proa e os bem delineados delgados de popa, fazer um casco que dá gosto observar.

Certo é, que não foi de ânimo leve que assim o idealizaram com tão grande largura. A vela que lhe estava destinada era enorme e foi essa a forma de a conseguir envergar e marear, permitindo atingir com segurança, uma considerável velocidade.

Foi com todas as informações que consegui recolher, que preparei como é meu costume, um plano de construção de modelo de uma catraia piladeira, na escala de 1/25, para juntar aos meus anteriores modelos.

Principiei então a preparação do estaleiro e a escolha da madeira para a quilha, roda de proa e cadaste. Depois para o cavername escolhi os ramos mais curvos, que melhor se adaptavam às delicadas formas da minha catraia que ia ficando cada dia mais bonita. Mas quando se aplicaram as sarretas e as primeiras tábuas da cinta, era um gosto para a vista e até mereceu a sessão de fotografias que a perícia do meu sobrinho Quim tão bem fixou e que eu vou guardar para memória futura.

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Uma mão cheia …de cavername
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Aos poucos fui concluindo o tabuado do casco, e depois dos arranjos interiores, apliquei por fora e por dentro o costumado tratamento para a madeira, que a deixou de cor dourada e tão bonita que nem apetecia pintá-la.

Mas era preciso fazer a porta do leme e respectiva ferragem para fixação no cadaste e em seguida tratar do mastro e da verga para definir o painel da vela.

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Pormenor dos aprestos
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Pronta a vela, comecei a construir a fateixa, a polé, o vertedouro e os forcados, onde arrumei os quatro remos depois de prontos, para não estorvarem a manobra de rede, que consegui arrumar numa das casas da popa.

Ficou assim pronto o meu modelo da catraia piladeira de Esposende, a que atribui o nome de Gaivina.

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                                      A Gaivina – catraia piladeira de Esposende


Como de costume, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais da ossada e choupo no forro dos costados. Para as ferragens usei arame de cobre, nos remos, madeira de tola e no mastro na verga e nos forcados, ramos de ameixieira. A vela, os cabos e a rede são de algodão.

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De proa…

 

A catraia que procurei representar teria:

 

Comprimento…………...7.00  m

Boca……………………..2.50  m

Pontal…………………...0.87  m

10/12/2015

António M. Silva

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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Gamela ou masseira de Vila Praia de Âncora

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Hoje, o “Marintimidades” está por conta do Sr. Capitão Maques da Silva, com todo o gosto.

Prosseguindo a minha pesquisa acerca das embarcações dos rios e das praias do norte, desci um pouco para o sul de Caminha e parei em Vila Praia de Âncora.

Os autores do trabalho que me ajudaram na construção do carocho de Caminha, desenvolveram igualmente os seus estudos na direcção de uma embarcação utilizada pelos pescadores de Âncora, que nesta praia toma o nome de gamela ou masseira.

Assim, continuando a seguir atentamente a, «Adaptação sob desenhos” de José Gonçalves e “Apontamentos e memórias” de João Baptista», obtive mais uma vez, as informações que desejava, para construir um modelo desta invulgar embarcação de pesca.

Dizem-nos os autores deste estudo que na Galiza se utilizava também uma masseira muito parecida com esta, mas é a de Âncora que vou tentar reproduzir tão fiel quanto me for possível.

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De proa
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Grato a estes dois estudiosos e seguindo as suas preciosas memórias, comecei por preparar como de costume, um plano de construção de modelo, simplificado, para reproduzir uma masseira com cerca de quatro metros e oitenta, na escala de 1/25, que é a que mais costumo utilizar.

Principiando este trabalho, logo fui verificando que sendo tão próximas estas localidades, o método de construção utilizado no carocho e nesta masseira, são totalmente diferentes.

Na verdade, tanto na forma, como no aspecto, estas duas embarcações também em nada se podem comparar.

O método de começar a construir pelo casco primeiro, “shell-first” utilizado na construção do carocho é aqui completamente esquecido. Voltamos a ter primeiro a preparação do painel do fundo, onde se vão aplicar as quatro cavernas, seguidas dos respectivos braços.

Como na masseira não há roda de proa nem cadaste, estas peças são substituídas por painéis trapezoidais, que depois de colocados nos seus lugares, a vante e a ré do fundo vão receber as tábuas dos costados.

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De popa
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Ficamos assim com uma embarcação de formas específicas, diferentes de todas as que tenho vindo a reproduzir nos modelos que tenho construído.

É na verdade, na sua forma, muito semelhante à vasilha de madeira “em forma de tronco de pirâmide rectangular, invertida, em que se dá de comer a porcos e outros animais”, que, antigamente, também servia para “banhos e lavagens”.

Enquanto embarcação, a gamela, é suficientemente reforçada no interior e com dimensões para poder ser utilizada na pesca e vir à praia em mar aberto.

Por esta razão, tem pregadas no fundo a todo o comprimento, a meio e aos lados, umas largas réguas para protecção ao apraiar.

Interiormente tem três bancadas, sendo a de vante com uma enora para o mastro. Tem paneiros a vante e a ré e duas anteparas transversais, sendo uma na primeira caverna de ré e outra na última de vante.

As chumaceiras para escalamões são três por bordo, podendo assim usar dois ou quatro remos para sua deslocação com falta de vento.

No painel de ré tem ferragens para aplicação de um leme de cana, cuja porta desce abaixo do fundo da embarcação.

Usa vela de pendão de amurar a vante, do tipo poveiro. Como palamenta tem quatro remos, um vertedouro e uma âncora de pedra, dita poita.

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 Pormenor interior com palamenta

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Na construção deste modelo, como de costume, utilizei madeira de limoeiro no cavername e de choupo no tabuado. Nas ferragens arame de cobre e na vela pano de algodão. Como medidas temos:

 

Comprimento………….4.80 metros

Boca………………………..2.20 m

Pontal…………………….. 0.60 m                               

Escala ……………………. 1/25

 

10 / 09 / 2015

António Marques da Silva


Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

AMI continua a enriquecer o espólio do MMI

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Os Amigos do Museu Marítimo voltaram a enriquecer as colecções do Museu, desta vez aproveitando o seu 87º aniversário, comemorado, este ano, a 10 de Agosto, e a inauguração da exposição sobre a Costa Nova.

Neste contexto, foram oferecidas duas pinturas a óleo, precisamente denominadas de “Costa Nova”, dos pintores Túlio Victorino e Manuel Tavares.

Túlio Victorino, nascido em Cernache de Bonjardim em 1896 e lá falecido em 1969, frequentou as Escolas de Belas Artes do Porto e de Lisboa, tendo como Mestres Columbano Bordalo Pinheiro, José Malhoa e Marques de Oliveira.

Considerado um pintor naturalista, embora com trabalhos de feição impressionista, pintou praias com banhistas, feiras e romarias, recantos citadinos e paisagens rurais, procurando um afinado equilíbrio cromático com grande luminosidade.

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“Costa Nova”, de Túlio Victorino

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O segundo quadro é de Manuel Tavares, um autodidacta que nunca frequentou escolas de artes, nascido no Couto de Cucujães em 1911 e falecido em 1974.Usando como técnica principal a aguarela, distinguiu-se como paisagista, particularmente, na temática das paisagens da ria de Aveiro, embora tenha pintado trechos citadinos e algumas interessantes naturezas mortas.

Considerado um dos mais importantes aguarelistas portugueses, terá pintado milhares de aguarelas, tendo também participado em muitas exposições individuais e colectivas, estando representado em alguns museus portugueses.

O quadro de Manuel Tavares tem um especial interesse por se tratar de um óleo, técnica rara neste autor, que, como vimos, se dedicou quase exclusivamente à aguarela.

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“Costa Nova” de Manuel Tavares
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Ílhavo, 30 de Setembro de 2024

Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O "carocho de Caminha"

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“Carocho” de Caminha –

Embarcação do rio Minho

 

Completada a minha colecção de embarcações da Ria de Aveiro e do meu bote de meia quilha como representante das da bacia do Tejo, por que não procurar construir algumas que nos recordem os rios do norte de Portugal?

Esta pergunta que fiz a mim mesmo levou-me a pesquisar algumas informações sobre este assunto.

Principiando pelo Rio Minho, não foi difícil encontrar as respostas de que necessitava.

O carocho português foi título que logo me prendeu a atenção e que trouxe consigo as informações desejadas: adaptação sob desenhos de José Gonçalves e apontamentos de memórias de João Paulo Baptista.

Muito grato a estes dois estudiosos, deitei mãos à obra.

Baseado nos desenhos que são apresentados, comecei a preparar um plano de construção do modelo na escala de 1/25, como é meu costume, para fazer um carocho de Caminha, que, na realidade, tivesse aproximadamente seis metros de comprimento.

Agora só me restava seguir as informações que o autor dos referidos «Apontamentos e Memórias» tão detalhadamente apresenta acerca desta embarcação. Sugere ainda o autor a existência no Rio Minho de um carocho galego muito semelhante ao nosso, mas é o de Caminha que eu vou procurar reproduzir.

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Visão geral
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Tratando-se de uma construção que segue o método conhecido por (shell-first), isto é costado primeiro, tudo é um pouco diferente das minhas anteriores bateiras e barcos da Ria de Aveiro. Para estas como sempre referi, o cavername é assente no fundo, para depois receber os costados.

Aqui, como o autor explica, depois de pronta a quilha, ser-lhe-ão aplicadas com escarva as rodas de proa e de popa, seguidas das duas primeiras tábuas, que pregam directamente para estas peças. Só então se assentam as sete primeiras cavernas do meio.

Assim tentei proceder, mas logo me surgiu uma dúvida. Como pregaria estas primeiras tábuas na quilha, se não tivesse umas sólidas abas laterais para as receber?

Entendi que à quilha vertical deveria sobrepor-se uma tábua/quilha, que iria topar nas extremidades dos pés das rodas, onde previamente se teriam afundado os alefriz, para receber as tábuas dos costados.

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De proa
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Assim fiz, por ter concluído que em minha opinião, seria a forma prática para fazer este trabalho.

Aplicadas então as duas tábuas do fundo, preparei as sete cavernas que coloquei no seu lugar, seguindo a indicação de que a estas se juntariam as restantes quatro, sendo três para vante e uma para ré.

Daqui se conclui que a caverna mestra, a mais larga das primeiras sete, fica nitidamente para ré da meia-nau. Esta é a razão que vai permitir ao carocho mostrar a sua proa adelgaçada, muito elegante e levantada, depois de pregadas todas as tábuas da borda.

Voltando à construção, e tendo já colocada a segunda tábua de cada lado, fiz os braços para juntar às cavernas, para que cada uma ficasse com a largura que lhe era devida.

Só depois assentei as tábuas da borda e as restantes cavernas de vante e de ré. Com a aplicação do verdugo, do alcatrate e do talabardão, já era possível fixar as quatro chumaceiras com os escalamões para os remos, ficando a borda completa e o carocho com ar de acabado.

Mas ainda lhe faltava a bancada do meio, o assento da popa, os paneiros inclinados das casas de vante e de ré, os remos, o mastro e a verga, o vertedouro e a fateixa, sem esquecer a vela e o leme, para que possa navegar quando tiver vento de feição.

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Pormenor dos aprestos

Como é meu costume, apliquei na construção madeira de limoeiro para a quilha, rodas de proa, de popa e cavername. Para o tabuado utilizei choupo, para os remos tola e para o mastro e verga ramos de ameixieira.

A vela e os cabos são de algodão, a fateixa e as ferragens do leme, de arame de cobre.

Os costados, por fora, pintei-os de preto para imitar o breu e por dentro dei bondex para imitar o breu louro aplicado para conservação da madeira.

A embarcação real representada tinha de:

 

Comprimento ……6,45 m

Boca……………...1,60 m

Pontal…………… 0,45 m

 

Caxias, 12/07/2015

António Marques da Silva

 


terça-feira, 25 de junho de 2024

A Arraisa Joana Càlôa era minha bisavô

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Há coincidências curiosas e esta é uma delas. Tive de ultrapassar as 6 décadas de existência para saber que a minha bisavó materna tinha sido Joana Càloa, “arraisa” das companhas do Sr. João da Cruz, da Costa-Nova. Ou melhor, souberam por mim e depois também fiz alguma coisa por me esclarecer melhor.

Uma tarde, por finais do mês de Abril, há 16 anos, encontrámo-nos, casualmente, à porta do Museu, eu, o Francisco Calão e Senos da Fonseca. Este interpelou-nos, no sentido de, na qualidade de bisnetos de Joana Càlôa, eventualmente, podermos ter alguma fotografia dela, por casa. Ambos franzimos o nariz, encolhemos os ombros e achámos que não tínhamos e que não seria fácil conseguir.

Claro, foi a minha primeira impressão, mas não descansei. Porque o assunto me interessava, comecei a pensar numa maneira de a tentar obter e de saber mais histórias da tal bisavó. Pensei, pensei… relacionei as famílias e decidi fazer, no dia seguinte, uma visita às Irmãs Marques, que achava terem boa memória e muito saberem de factos antigos. Confirmou-se… Joana Càloa era sua avó materna, mãe de Nazaré Correia, com quem sempre vivera.

Mulher trabalhadeira, valentona, bonita, esbelta prazenteira, a Joana tinha sido casada com João Simões da Barbeira (o Pisco) e fora…arraisa, como ela própria se intitulara, nas companhas da Costa-Nova. Morreu em 1935 com 72 anos. Teria nascido lá por 1863.

Entendi, então, a razão de ser do nome do meu avô, que nunca tinha percebido muito bem – Manuel Simões da Barbeira (o Pisco), tal como reza na placa da campainha da minha casa da Costa-Nova – CAPITÃO PISCO – 1º ANDAR, que fiz gosto em manter.

E fotografia da minha bisavó, lá a tinham, religiosamente guardada, tendo-ma emprestado amavelmente, para digitalizar.

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Fotografia de A. Rapheiro – Aradas – Aveiro
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Fizeram ainda questão de me mostrar a foto de parede do meu bisavô, que decorava a sala de entrada, que também havia sido marítimo, tendo ido trabalhar para Sesimbra, no conserto das redes de cerco do atum.

Então e as coincidências?

Em 2009, Senos da Fonseca,  no livro “Costa Nova do Prado –  200 Anos de História e Tradição”, ao tratar os ícones da referida praia, dá a lume, entre outros, a “arraisa” Joana Càlôa.

Transcrevo algo do que refere:

Era uma mulher que para lá de ser muito activa, despachada e trabalhadeira, tinha a seu encargo o desempenho do cargo de «arraisa» – ou governadora de terra, a quem eram remetidas as tarefas de orientação da Companha (…).

Mulher fisicamente poderosa, mas simultaneamente bonita, airosa e prazenteira, tinha a elegância curva e estendida da proa do meia-lua. Braços longilíneos e poderosos a parecerem os remos do Xávega; olhos escuros, profundos, onde se acolhia o turbilhão do mar e de onde ressaltava a grande coragem que a levava a não hesitar, na falta de um tripulante, a emprestar uma mão ao cambão, remando como um maior. E à falta de reçoeiro, era ver a Joana a embarcar no meia-lua, não lhe faltando, nem jeito nem força, e muito menos quebreira, para o ir largando como mandavam as regras. (…)

Era mãe de quatro filhos, todos eles tendo um nome diferente (Manuel da Barbeira, mais tarde conhecido por Cap. Pisco, Francisco Càlão, mais tarde o Cap. F. Càlão, David – oficial da Marinha Mercante que morreu muito cedo – e D. Nazaré Marques). Todos eram, contudo, filhos de seu marido João Simões da Barbeira (o Pisco).

A Joana foi nomeada entre os símbolos humanos da Costa Nova, simples no ser, grandes no arcaboiço heróico.

 

Com alguma dose de especulação, põe a hipótese, que subscrevo, de a figura da Joana ter servido de fonte de inspiração a Eça de Queirós, ao descrever a personagem de “Joana“ em “A Tragédia da Rua das Flores”, como corpo de estátua, com uma solidez ancestral das mulheres da Ria de Aveiro (…) onde havia um calor morno, dissolvente, delicioso, estonteador.

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Montagem trabalhada de Joana

 

Não esqueçamos que Eça visitara frequentemente a Costa-Nova, pelos anos 80 do século XIX e era um amante das companhas, onde poderia ter encontrado a Joana. Outra coincidência?

Somos vários bisnetos/as que, ao todo, julgo, sermos dezassete. Serei a mais velha. A Luísa Càlão, curioso, é a actual proprietária do palheiro ocre, fielmente restaurado, que era da sua bisavó, sito na Avenida Bela Vista, pressuposto nº 64.

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Palheiro que fora da Joana Càlôa
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Quando me perguntam donde vem a minha tendência marítima, a “dita paixão pelas coisas do mar e ria”, justificava-a pelos genes de meu avô Pisco, capitão dos tempos em que se ia, só à vela, à Groenlândia e sócio ab initio da Empresa Testa & Cunhas. Ele, que me levava, quando menina, a ver a chegada do barco do mar, aqui, na Costa Nova.

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Costa Nova – Anos 50 – Ida ao mar
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E, à seca, muita, muita vez, para saborear uma lasquinha de bacalhau salgado, surripiada das pilhas, às escondidas.

Mas não é só. Passei agora a conhecer a existência da bisavó, de fibra marítima, que tive, a Joana Càloa.

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Ílhavo, 25 de Junho de 2024

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Ana Maria Lopes

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