sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Inauguração da Estátua do Bispo do Mar

 -

Faz, exactamente, hoje, cinquenta e cinco anos, que Ílhavo viveu um dia festivo – 29. 12. 1968.

Um evento não muito bem aceite por todos… Mas história é história e D. Manuel Trindade Salgueiro, figura eclesiástica e homem de cultura, de grande relevo, era de Ílhavo (1898 – 1965) e tem tido o seu Largo, amplo, lá em baixo, que todos conhecemos, a que chamamos Largo do Bispo.


Antigo Largo do Bispo
-

Há dois anos, foi mudado de sítio para trás da Igreja Matriz, junto à entrada do Centro de Religiosidade Marítima.

 -

Traseira da Igreja Matiz
-

Entrada do C. de R. Marítimo
-

Ílhavo, terra de homens do mar, alia, sobretudo, a figura de D. Manuel, ao Bispo que, durante anos, entre as décadas de 40 e 60, celebrou a Missa campal e dirigiu as pomposas cerimónias da Bênção dos Navios Bacalhoeiros, em Belém, frente aos Jerónimos.

-

Bênção, em 1960
-

Filho de pescador desaparecido em naufrágio, sempre que visitava a sua terra natal, alojava-se na modesta casinha, aqui, na Rua João de Deus, nº 82, rezando missa, de madrugada, na capelinha privada de S. Domingos, sita à Rua do Curtido de Baixo, e já demolida.

Era domingo, numa manhã calma, luminosa e fria de Dezembro.

A Vila de então preparara-se para a recepção de ilustres visitantes.

Das janelas, pendiam luxuosas e aveludadas colgaduras; “mariatos coloridos engalanavam as ruas apinhadas de curiosos. O relógio da torre marcava o meio-dia menos vinte, quando a comitiva saiu da Igreja Matriz, onde missa festiva havia sido celebrada. Do céu choviam milhares de papelinhos multicolores; estacionados ordeiramente, os Mercedes-Benz governamentais aguardavam os ocupantes; as vestes cardinalícias, no seu tom de nobreza, esvoaçavam, por entre a populaça bisbilhoteira.

Os convivas, guiados pelo Senhor Dr. Amadeu Cachim, Presidente da Câmara, à época, fizeram o percurso a pé, entre a Matriz e o referido Largo, onde duas tribunas montadas para o efeito os aguardavam.

Após os discursos da praxe, a estátua do Bispo da Gente do Mar, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, foi descerrada pelo Senhor Presidente da República, para gáudio da multidão que acorreu à cerimónia. Algumas figuras etnográficas da vila, trajadas a rigor, emprestavam à festa um colorido característico. Depois de um almoço opíparo, servido à comitiva, entidades locais e convidados, houve lugar a romaria ao Museu Marítimo e Regional de Ílhavo, na altura, sito na Rua Serpa Pinto. O que prova que fosse quais fossem as suas instalações, o nosso Museu Municipal parece, sempre ter sido a grande Sala de Visitas de Ílhavo.

-

Ílhavo, 29 de Dezembro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Rota de Passageiros

- 

O mercantel foi a barca, por excelência, de transporte de passageiros, a partir do século XV, entre os diversos centros urbanos, entre os quais não havia ligações terrestres. Inês Amorim, in Aveiro e sua Provedoria no século XVIII, refere um extenso número de locais onde havia barca da passagem – Serém, S. João de Loure, Lamas do Vouga, Pessegueiro do Vouga, Almiar, Óis, e Aguada, isto no interior dos rios. No litoral, para lá da carreira Ovar-Aveiro, refere Soza e Pedricosa. O último mercantel construído pelo Mestre Lavoura, em Pardilhó, para serviço, foi em 1973. Em 2001, o Mestre Esteves, também de Pardilhó, construiu o último mercantel tradicional, para exibição na Sala da Ria do Museu Marítimo de Ílhavo. De Aveiro para Ovar e vice-versa, havia carreiras diárias de mercantel, durante a noite, que eram das mais importantes, custando o preço da viagem Ovar-Aveiro, a quantia de 100 réis. Como a viagem era longa e pouco confortável, mesmo à chuva e ao frio, de Inverno, havia quem alugasse a proa, por um preço mais elevado, se ainda não estivesse reservada.

Com irregularidades no cumprimento de horários e preços tão elevados, o Governador Civil de Aveiro (em 1854) chegou mesmo a intervir no assunto.

 -

 
Algures, na ria, com passageiros

 -

Com saída de Ovar, em 1843, havia diversos fretes de mercantel, com destino à Torreira, a S. Jacinto, a Aveiro, a Águeda e à Costa Nova, sendo este de ida e volta, com preços diversos, em estação alta e baixa, bem mais elevados que a barca da carreira.

 -

Transporte lagunar, em Aveiro, século XIX
- 

Claro que a curta travessia, que nos meus tempos de rapariga me era mais familiar era a passage da Costa Nova para a Gafanha da Encarnação e respectivo regresso. Tendo frequentado a escola primária, à época (em 1951), na, então, 3ª classe, na Costa Nova, até o exame me obrigou a ir prestar provas à Gafanha da Maluca, de barca. Que satisfação! E com que saudade o recordo!

-

 

Costa Nova. A nova MOTA. 1942

- 

Não quero concluir sem referir que os mercantéis chegaram a transportar passageiros reais:

A rainha D. Maria II, aquando em visita ao norte do país, deslocou-se do Carregado (Ovar) a Aveiro, com o seu séquito, em cinco mercantéis, primorosamente decorados, em 23 de Maio de 1852.

Foi também em mercantel feito bergantim real, que D. Manuel II, em 1908, em visita a Aveiro, se passeou, em visita à barra, conforme documentam as fotografias da época, in D. Manuel II e Aveiro, de Armando Tavares da Silva, publicado em 2007.

-

Ílhavo, 18 de Dezembro de 2023

-

Ana Maria Lopes
-

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Rota do Sal

 -

Tendo sido, certamente, o sal, a primeira das mercadorias a ser carregada no mercantel, foi conhecido, neste transporte, sobretudo, por saleiro.

O sal era retirado das marinhas e era levado para os armazéns do canal de S. Roque.

-

 

 Tirada de sal junto a marinha

-

Descarga do sal no Canal de S. Roque

- 

Daí, primeiro para Águeda, depois para o Cais de Ovar (Ribeira de Ovar), onde o movimento era intenso e activo, não podia também de deixar de passar também pelo esteiro de Estarreja.

A rota do sal não podia praticamente separar-se da rota do peixe, porque a seguir ao sal, era o peixe o produto mais transportado.

Vindo desde a Costa Nova, onde era lavado, salgado e vendido em palheirões à beira-ria, de S. Jacinto e da Torreira para Aveiro, daí seguia os destinos já designados.

--

 

Armazéns de venda de peixe, na Costa Nova

-

Ílhavo, 7 de Dezembro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-

sábado, 2 de dezembro de 2023

Rotas Lagunares - Introdução

 -

Este tema implica regredirmos no tempo, o suficiente, e não é assim tanto, em que a laguna era a grande auto-estrada líquida, pois não havia rotas terrestres, na zona, que pudessem transportar mercadorias e passageiros.

As rotas lagunares estão forçosamente ligadas às embarcações – mercantel, (saleiro), moliceiro, bateira moliceira, bateira do junco e bateira berbigoeira, que mais tarde passou a ser mercantela.

A primeira conversa do grupo uariadeaveiro, em colaboração com a Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, iniciou-se pelo tema “As embarcações e as rotas na Ria de Aveiro”, entregue aos palestrantes Senos da Fonseca, eu própria e Helder Ventura, tendo tido  lugar a 12 de Fevereiro de  2015. Já lá vão 8 anos.

Senos da Fonseca ocupou-se das principais embarcações lagunares, as maiores, situando o seu aparecimento, de acordo com as necessidades dos utilizadores e a evolução geográfica da laguna, que considerou formada, a partir do século IX. Referido o principal por Senos da Fonseca sobre as embarcações, fiquei com o caminho aberto para me deter sobre as principais rotas lagunares, já que o tempo concedido para tal, era fugaz.

Talvez possamos considerar, sem cometer nenhuma infidelidade histórica, o mercantel como uma das primeiras embarcações de fundo chato, nascida nos tempos modernos (depois dos séculos XV, XVI) construída para sulcar a laguna, servindo vários projectos.

De facto, teria sido o mercantel, a embarcação (comummente designada por barca) que terá servido, tão eficazmente, de vários modos, a economia lagunar.

Houve necessidade de fazer evoluir, uma nova embarcação de fundo chato, que calasse pouca água e que albergasse cerca de 15 toneladas, que se adaptasse à condição geográfica lagunar, que aproveitasse para sua propulsão, os ventos mais dominantes desta região, o norte e o noroeste, para navegar de popa (fazer popas) ou para bolinar (navegar à bolina), avançando contra o vento, aproveitando-o, na sua vela latina quadrangular, mais tarde. 

Assim nasceu o mercantel.

É bastante conhecida uma gravura de mercantéis no Rossio, em Aveiro, datada de 1877. Tiveram o seu auge até meados, (sétimo decénio) do século XX.

Anteriormente, teria havido umas barcas de rio acima, idênticas, quantas vezes abicadas à proa e a ré, de vela tosca de pendão que aproveitavam a brisa matinal do rio e a corrente, para subirem e a brisa da tarde para descerem, trazendo outras mercancias de lá para cá, necessárias, como madeirame, vinhos, e produtos diversos artesanais para feiras.

-

Barcas de rio acima de vela de pendão

- 

Nos rios Vouga, Águeda e Cértima, são referidas nas Memórias Paroquiais escritas pelo prior de Águeda, em1758, umas barcas semelhantes, que transportavam rios acima, mercadorias, sobretudo sal e peixe, também para o cais de Águeda e para os portos secos, locais para onde era distribuído o sal por outros pontos do país.

-

 

Barcas em Águeda, em 1920

- 

A estrada norte/sul mais próxima passava por Águeda, Mealhada e Albergaria.

-

Ílhavo, 2 de Dezembro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-

sábado, 25 de novembro de 2023

"Artistas D´Aveiro". Curiosidade.

 -

Quando, há cerca de dois meses, comprei o livro “Artistas D´Aveiro”, ainda na livraria, folheei-o e deparei com o nome de Porfírio da Maia Romão (1897-1962), que não me era desconhecido, mas, de onde? Fez-se-me luz e, de repente, associei-o ao Museu Marítimo de Ílhavo. Estava certa. Pelo texto de uma sua neta que o apresenta no livro, soube que ele, natural do Bairro da Beira-Mar, foi calafate de profissão, e construtor de miniaturas de embarcações e de alfaias de exploração das marinhas.

Nada mais certo. Já me tinham passado pelas mãos, para apreciar, classificar, catalogar, medir todas as peças que ele fez para o Museu Marítimo de Ílhavo:

Uma colecção completa dos barcos da Ria, aparelhados com tudo quanto é preciso, construídos em 1937, não decorados, ao natural. Presentemente, encontram-se em reservas, porque se optou pela apresentação de uma colecção, também perfeita, à escala, mas policromada.

Maqueta de marinha, construída em 1937, miniatura pormenorizada de uma marinha de sal, em madeira policromada, com palheiro e monte de sal, cobertos de bajunça.

-

Inauguração da Sala da Ria, anos 90
-

Alfaias de exploração de marinhas, construídas também em 1937: tranqueira e bombeiro, balde, pá de amanhar, pacõva, pá do sal, pajão, ancinho, ugalho da lama, ugalho de bulir, rasoila, enxada, rapinhadeira, anafador, canejeiro, fundeador de canejas, limpador de canejas, muradoiro. canastra, par de punhos, círcio e moeiras, almanjarras e outras. Coincidências… conhecimentos cruzados.

-

Alfaias de marinhas
-

Ílhavo, 25 de Novembro de 2023.

-

Ana Maria Lopes

-

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O ILLIABUM e eu...

 -

Eu e o ILLLIABUM CLUBE somos da mesma "criação". Nascemos no mesmo ano e mês. Hoje, andei por outro "baú" a codrilhar o que tinha do 25 º aniversário do ILLIABUM, sobretudo, relativo a uma exposição de filatelia, em que andámos envolvidos. Foi criado um carimbo filatélico, para comemorar a data - 1.12.1968 - que se podia apor ao que se entendesse - postais, envelopes, fotografias, condizentes. O CONVITE era de arromba. E aí segue, em imagens, o que encontrei – documentos com melhor ou pior leitura, sempre com o carimbo filatélico alusivo – foi o que consegui arranjar.

-

Convite
-

Convite recheado…
-

Postal da Escola Nova
-
Postal dos Bombeiros Velhos
-

Postal das Torres da Igreja Matriz
-

Postal do Velho Mercado
-

Sobrescrito comemorativo
-

 

Sobrescrito do Illiabum
-

Foto da Inauguração
-

Foto da inauguração
-

Ílhavo, 24 de Novembro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Encontro no Museu

 -

No passado sábado, encontrei no MMI, o amigo Reinaldo Delgado, que, por coincidência, também me procurava. Queria dar-me a conhecer que, na senda do livro sobre sinistros marítimos, tinha já apresentado em Vila do Conde e Leça, o II volume intitulado “Sinistros Marítimos, no país e no estrangeiro, desde 1823 até 2020”.

-

 
Capa do livro
-

Folheei-o, matei a primeira curiosidade, mas não tive tempo de perguntar ao autor, se também o apresentaria em Ílhavo, à semelhança do primeiro volume. A imagem da capa chamou-me a atenção e sobre ela falámos. Era uma apelativa imagem do lugre-patacho bacalhoeiro ”Vencedor” (1903-1909), encalhado numa das linguetas na Cantareira, à Foz do Douro.

Construído na Suécia, em Maio de 1871, o “Mary”, para N. Olsson Helsingborg, foi comprado pelo armador do Porto José Joaquim Gouveia, ao antigo armador, J. F. Ribeiro de Magalhães & Filhos, em 1903, também do Porto, quando era ainda denominado “Minho”.

Com as seguintes dimensões, Pp 36,79 mts – Boca 7,99 mts – Pontal 3, 87 mts, tinha só propulsão à vela. Com uma equipagem de 37 tripulantes, usava 32 canoas.

Ancorado no Douro em local situado em frente ao Gaz, devido à força da corrente da cheia de 1909, partiram-se-lhe as amarras, vindo rio abaixo na manhã do dia 23 de Dezembro, até encalhar numa das linguetas da Cantareira, próximo à Foz. Depois de desencalhado em virtude das avarias sofridas no casco, deve ter sido mandado desmantelar no final do mês de Janeiro de 1910.

-

Lugre-patacho “Vencedor”
-

Ílhavo, 20 de Novembro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Artistas D´Aveiro com quem convivo.1.


Na senda de Artistas d´Aveiro com quem convivo, passo dezenas de vezes por um quadro de Zé Penicheiro, que me seduz e me lembra cenas idênticas, que abundavam na Costa Nova, em tempos idos.

 Postal de bateira labrega com toldo, na ria
-

Perguntar-me-ão. Mas o artista é de Aveiro? Não, Zé Penicheiro adoptou Aveiro. Tendo nascido em Candosa (1921), escolheu Aveiro para residir e a Figueira da Foz, como local de última morada (2014).

O azul da nossa ria e do céu foram a sua fonte de inspiração. Comecei a ter contacto com a obra pictórica de Penicheiro, pelo fim dos anos 70, em algumas exposições por Aveiro.

Depois de se ter dedicado à publicidade, abraçou outros trabalhos e criou alguns painéis de azulejo, bem conhecidos.

A partir de 1977, dedicou-se em exclusivo à pintura. Assumiu-se um auto-didacta e um verdadeiro amante da arte. O seu traço, esquartejado por diversas linhas geométricas, é inconfundível.

As duas obras de arte, que presentemente possuo e com quem convivo, são: uma Bateira com toldo, óleo sobre platex, em tons azulinos, datada de 1980.

-

Bateira com toldo

e Pescadores vareiros, gouache em tons avermelhados, datado de 1979.

 

Pescadores vareiros

Ílhavo, 6 de Novembro de 2023

Ana Maria Lopes

-

-

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

António dos Santos Carrancho

 -

Capitão António dos Santos Carrancho
-

O capitão António dos Santos Carrancho, filho de Francisco dos Santos Carrancho e de Luiza da Rocha Deus, nasceu em Ílhavo em 13 de Outubro de 1904.

Casou em 15 de Maio de 1927 com Prazeres Gonçalves Sarrico Carrrancho, de quem teve dois filhos – António Sarrico dos Santos, arquitecto de profissão, conhecido por Sá Rico (1929) e Maria Licínia Sarrico dos Santos (1940).

Possuía a cédula marítima 15243 passada pela capitania do porto de Aveiro, em 25 de Março de 1918.

Na ausência de quaisquer dicas sobre os princípios da vida marítima do Capitão Carrancho, encontrei-os, porventura, um pouco romanceados, numa curta biografia familiar “Capitão Carrancho, Lobo do Mar Ilhavense nos Bacalhoeiros”. É de louvar a ideia do filho, que deu valor à vida dura e agreste, que seu Pai tivera.

-

Capa livro
-

Depois de completadas as derrotas que tinha a cumprir, incluídas no seu curso, que lhe tinham dado muita prática, a vida não lhe sorrira e, em época de forte crise, encontrava-se desempregado. A sua mulher contribuía para as despesas da casa, com uns trocos que ganhava, enquanto costureira com bastante clientela.

Certo dia, numa conversa com amigos da área, em Aveiro, ligados ao sector do mar, teve conhecimento de um pequeno barco veleiro que se vendia – era uma chalupa de média tonelagem, cerca de 90 toneladas, boa para serviços entre portos do continente, pertencente a uma empresa da Figueira da Foz, em falência.

Na situação de desemprego em que estava, não mais largou o assunto de ideia e veio a concretizar a compra, com a ajuda da família e um empréstimo bancário (pelos anos 30).

Concretizado o sonho da compra da chalupa “Flor de Lavos” , começou a trabalhar por sua conta e risco e foi testando a sua sorte e saber e o potencial da embarcação, em viagens de cabotagem cada vez mais longínquas e arriscadas.

“Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que algum dia, quebra-se”. Foi o que lhe aconteceu, um dia com a chalupa, a que um mar tempestuoso e ventos descontrolados arrastaram para o sul da ilha de Maio, tendo naufragado por encalhe. Os seis tripulantes, incluindo   o capitão tiveram a sorte de se salvarem.

Acabou por se estabelecer na Cidade do Cabo, mas as saudades e a falta que fazia à família, fizeram com que a mulher, com um pecúlio conseguido, o tivesse ido buscar.

De volta à metrópole, a situação de desemprego preocupava-o e entristecia-o. Ao terceiro dia de estadia em Ílhavo, foi dar uma volta de bicicleta pela Coutada e Lagoa, em que teve um encontro casual com um amigo, um tal João, que não identifica, que, a par da situação, o convidou para imediato de um navio para o qual tinha sido convidado para capitão. Seria verdade?

Concretizou-se. O navio era o lugre com motor, de madeira, San Jacinto. Ex-Gafanhoto, Ex-Encarnação, construído em 1919 em Pardilhó. Depois de algumas peripécias, foi reconstruído por Manuel Maria Mónica e adquirido pela Empresa de Pesca de Aveiro, para a campanha de 1933. O San Jacinto, na campanha de 1936, passou a ser propriedade da Empresa de Pesca de S. Jacinto, Lda., com sede em Coimbra.

-

Lugre com motor, San Jacinto
-

Lá foi de imediato, com grande satisfação, sob o comando do seu” tal” amigo João, provavelmente, João Fernandes Matias Júnior (Britaldo), durante as campanhas de 1936, 37 e 38.

Na de 1939, no mesmo navio, subiu a capitão, prova do seu interesse e dedicação e, nele se manteve, no mesmo cargo, até 1945. Durante estes sete anos, teve como imediatos ilhavenses, Samuel Marques Damas (39), Carlos Domingo Magano (40), Manuel Gonçalves da Silva (Paroleiro), (41, 42 e 43), José Simões Amaro (Forneiro), (44) e Armando Matias Lau (45).

Obs. A informação do imediato de 1941 foi obtida de “O Ilhavense”.

A campanha de 1946, de saco às costas, numa nova emposta, fê-la no lugre com motor Groenlândia, levando como imediato, o seu conterrâneo Manuel Ferreira Godinho.

O lugre com motor, de madeira, Groenlândia, ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia, foi reconstruído por António Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1940, para Armazéns José Luís da Costa & Ca, Lda, com sede em Lisboa, e alterada a armação de lugre-escuna para lugre.

-

Lugre com motor, Groenlândia
-

O ano de 1947 encaminhou-o para mais uma visita como capitão ao lugre San Jacinto, tendo como imediato João Juff Tavares Ramos.

A campanha de 1948 trouxe-lhe o regozijo de estrear o lugre com motor Coimbra, construído por Arménio Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, nesse mesmo ano, para a Empresa de Pesca de São Jacinto, Lda. É sempre um orgulho fazer a viagem inaugural de um navio. Teve como imediato, o conterrâneo Francisco António Bichão (Saltão)

-

O Coimbra, na carreira, em dia de bota-abaixo
-

Numa nova emposta, a campanha de 1949, fê-la como capitão do lugre com motor Brites, construído em 1936 na Gafanha da Nazaré, por Manuel Maria Bolais Mónica, para a firma Brites, Vaz & Irmãos, Lda., com sede em Ílhavo. Foi o primeiro navio do projecto “Renovação”.

De 1950 a 1960, foi capitão do navio-motor Terra Nova, tendo sido seus imediatos, os conterrâneos José da Silva Rocha (59) e José Simões Bixirão (Ponche), (60).

Numa das últimas viagens de regresso passou pelo desgosto de ter perdido um contra-mestre, varrido ao mar por uma onda alterosa com mais de 20 metros, levando-o com a sua impetuosidade, borda fora. Pode acontecer ao melhor e marca para a vida.

Segundo João David Batel Marques, “O lugre-motor “Lusitânia 3”, da Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda., imobilizou após a campanha de 1945 e o navio-motor “Comandante Tenreiro”, da mesma empresa, naufragou em Julho de 1946 por colisão com uma ilha de gelo.

A Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda. resolveu, então transformar, beneficiar e recuperar o lugre -motor “Lusitânia 3º” para suprir a falta daquele, nascendo um pequeno navio-motor, com as obras-vivas em madeira e as obras-mortas, em aço.

Recebeu o nome de Terra Nova e foi lançado à água em 20 de Abril de1947”.

Comandou-o o nosso capitão durante 11 anos.


Navio-motor Terra Nova
-

Tendo o Terra Nova deixado a pesca do bacalhau, em prol da cabotagem internacional, o nosso capitão fez a última viagem de 1961, no navio-motor São Jacinto, construído por Manuel Maria Bolais Mónica & Filhos, em 1957, para a Empresa de Pesca São Jacinto, Lda. Exerceu o cargo de imediato, comandado pelo conterrâneo João Francisco Grilo.

-

Navio-motor São Jacinto
-

Saboreou a sua aposentação, entre a casa de família na Rua Direita e conversas sem fim com colegas oficiais, no café Central.

Boa pessoa, dado, sabedor amigo do seu amigo, deixou-nos na sua última viagem sem retorno, em 14 de Outubro de 1978, com 74 anos de idade.

-

Ílhavo, 26 de Outubro de 2023

-

Ana Maria Lopes

-