Até
imagino que as águas lagunares do Canal de Mira se vão espantar pela visita.
Para além dos dois moliceiros
tradicionais residentes entregues à actividade turística, «Pardilhoense» e
«Marnoto», e do «Inobador», presença calma no CVCN, as águas da Costa Nova já
não eram sulcadas por estes belos cisnes polícromos, desde 2007, último ano,
dos dez, em que o CVCN promoveu
regatas desta embarcação, pela Senhora da Saúde.
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Terá
havido um reconhecimento mútuo dos palheiros riscados, por aqueles, os mais
velhos, que ainda passaram para o sul, em comércio de moliço (poucos), e uma
recordação, eventualmente, daqueles que já não são desse tempo, mas que ainda
visitaram a nossa praia entre 1998 e 2007, pela Senhora da Saúde e uma
novidade, para aqueles, os mais novos, que nunca a haviam visitado, a praia de
casas riscadinhas, que nos acolhe todos os verões. Apenas ouviam falar da
antiga Senhora da Saúde, que lá levara seus pais e avós, em regata, em
promessa, enfim, …em romaria.
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Como
etapa final do evento «Ria de Aveiro Weekend», havia uma regata de exibição com
partida pelas 14 horas, do Jardim
Oudinot até ao Cais dos Pescadores, a sul da Costa Nova.
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Achámos
que a melhor opção era mesmo integrarmo-nos nela, para a ver mais de perto e
sentir melhor a adrenalina do que é navegar à vela, com uma nortada fresca!
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Até
aqui, tudo bem – era o previsto.
Antes da partida, no Oudinot…
Mas,
in loco, tuto, tudo mudou. Atracados
alguns moliceiros (barcos), arrais e
camaradas começaram a chegar. E a nortada a aumentar…
E
a regata faz-se, não se faz? – ouve-se .
Inesperadamente,
a Etelvina e eu ficámos sem transporte, mas, entre tantos conhecidos, algum nos
havia de levar. O Ti Zé Revesso,
arrais experiente e conhecido de ambas, lá nos levou a nós e a uma pessoa da
organização. Éramos os únicos 3 tripulantes. Amedrontados com o que víamos e
ouvíamos? Talvez, mas sem querer demonstrar… Era uma experiência nova…
Ainda
em terra, houve algumas desistências – uns optaram pelo automóvel, outros pela
lancha PRAIA DA COSTA NOVA, que também
acompanhava o percurso.
Lancha reconstruída
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Além
do interesse e curiosidade, reflectia – então, eu, neta do Capitão Pisco, que
foi à Groenlândia, só à vela, no velhinho Novos
Mares, e bisneta da Arraisa Caloa, não havia de ir de moliceiro, à vela, do Oudinot à Costa Nova, com nortada fresca?
Se
o Ti Zé Revesso ia, eu ia com ele. O camarada já não era assim tão afoito.
O Ti Zé
Revesso e eu…
Os
sonidos ensurdeciam – o vento assobiava, as velas batiam, as escotas
zangalhavam e as vozes reclamavam. Que panóplia de sons!
O
S. Pedro, mesmo em mês de santos populares, não estava a colaborar.
Os
moliceiros, um por um, melhor ou
pior, receosos de algum sinistro, lá iam saindo. A afoiteza era superior!
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O
Ti Zé Revesso apenas içou o pano,
fora da marina do Oudinot, mas, por ali, a força da água encanada da barra e o
vento que aumentava, eram os nossos opositores.
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O
nosso arrais, ao abrigo da coberta de
proa, troca as calças por calções e toca de içar a vela. Puxa, puxa a adriça,
iça a verga e a vela, mas as dificuldades são algumas.
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- Eh, cuidado
cum a berga!
- Cuidado cum a
escota a bater!
-
Perto
de nós, outro moliceiro, o MANUEL VIEIRA também estava enrascado, mas acabou por
navegar!
Mais
ainda, teria havido um pequeno acidente no DOS
NETOS,
a que a Polícia Marítima dava assistência.
Eis
que eu e a Etelvina ouvimos um forte e estranho arranhanço rrrrrrrrrrrrr…. no
casco, a meio, por bombordo. Algo tinha roçado…o quê? …uma maldita estaca, não
visível, que lá estava prantada.
Prognóstico
– casco arrombado! Metia água, embora pouca. O arrais, sabedor e ágil, rapa do maço e dá umas pancadas no sítio certo.
Não impedia o passeio.
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Meu
Deus! De que me havia de lembrar? Do Titanic. Em vez de um iceberg foi uma estaca. Mas não naufragou!
Extasiada
pelas manobras, na hora – «rizar o pano» para diminuir a superfície da vela,
largar a toste, escoar o barco, pôr o falquim,
para impedir que o chapisco entre, atenção à escota, mais ou menos folgada,
mais ou menos caçada!
Prende a escota
Arrais ao leme, lá
seguimos, a favor do vento, mas com grande inclinação.
Lá
me agachei à popa, sentada num pneu,
semi- recostada no paneiro de ré.
Cerca
das 15 horas e trinta, o zebro da
Polícia Marítima abeira-se de nós, para comunicar que a regata estava
cancelada.
O
Ti Revesso insistiu e avançou, dizendo:
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«Ah, rombo, num
é por isso que num bamos. Chego ao estaleiro, o mestre bota-lhe um fecho e nem
me leba dinheiro por isso».
-
Mas,
o vento aumentava, assobiava e a ria «acarneirava». Seria imprudente continuar?
Passámos
por baixo da ponte – foi cá uma destas tangentes ao mastro e à ponta da verga.
Parecia feita à medida. Que velocidade!
Agilidade e destreza, a bordo
Pela
Biarritz, exactamente, arriámos a vela e socorremo-nos do pequeno motor fora de
borda.
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Contra
vento e contra maré, era cada chapada
de água no rosto e nos óculos! Também era tudo quanto se me via – chapéu
enterrado até aos olhos e colete de salvação, por precaução.
O
A. RENDEIRO apontou ao
Oudinot, para nos deixar e aproveitou para arriar o mastro. E assim seguiu até à Murtosa.
Não
foi tão bom como pensámos, mas que foi diferente, emocionante e arriscado, lá
isso foi. Adorável!
Um
afável até para o ano!, em jeito de
despedida.
Até para o
ano!.................
E
por aqui fiquei atordoada de beleza e de emoção, algures pelo Oudinot, a
escrevinhar.
Nem
sei como atinei com a prosa, tal era o zumbido que me encharcava a cabeça!
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Imagens
– Recolhidas, hoje, por mim e cortesia de Etelvina Almeida
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Algures
no Oudinot, 23 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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