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O lazer na ria - 1
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Foi
uma Jornada de amigos, no Ciemar, mais ou menos de pessoas, que, de uma maneira
ou de outra amaram e amam a paisagem lagunar e a integração nela, através das
ditas embarcações tradicionais e de recreio, neste caso, dos «Vougas».
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À guisa de intróito
Não
seria a pessoa talvez mais indicada para a participação nestas Jornadas, sobretudo por ser mulher e
não ter um conhecimento técnico dos Vougas.
Certamente, o meu Avô, Capitão Pisco (n. em 1885) não teria mandado fazer uma bateira caçadeira de recreio, integrada
no recheio deste museu, que teve o nome de NENÉ,
antes de eu nascer e de NAMY, após a minha vinda ao
mundo. Pouco faltou para ter sido numa bateira.
Se
tivesse sido uma geração de rapazes, estou por certa que teria mandado fazer um
Vouga e, então, a «coisa» tinha piado mais fino. E tê-lo-ia mandado
construir ao Sr. António Gordinho (n. em 1894), quase vizinho em palheiros na
Marginal da Costa Nova, com quem se dava bastante.
Não
tanto com o hábil carpinteiro naval (autodidacta,) mas mais com o carpinteiro
geral, a quem entregou a construção das suas duas moradias na Costa Nova, nos
trabalhos de carpintaria, pelas décadas de 40/50. Todos os sábados lá ia eu com
o meu Avô fazer os pagamentos à obra, tendo tido oportunidade de ter ouvido
conversas entre ambos. No final, ganhava uma caravelinha – assim lhe
chamava eu – pela ajuda que dava e pela companhia que fazia.
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Com
os ditos palheiros tão próximos,
frequentava assiduamente o palheiro
do Sr. Gordinho e da Sra. Etelvina, riscado de verde e branco amarelado, entre
a ainda hoje Vivenda Quinhas e o Hotel Beira-Ria (enquanto durou). A filha
Fernanda, à época, modista, chegou a fazer-me alguns trapinhos de domingo, que, toda vaidosa, lá costumava ir provar.
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Parte-se
de um pressuposto, pelo que sabemos, que o Vouga
é um barco de recreio aparecido na Costa Nova, a que se dava, genericamente, o
nome de «bote», pelos anos vinte do século anterior, pelas mãos deste hábil
Mestre Gordinho, ou da sua lavra, ou com algumas influências sofridas pelas
Américas, por onde também andou.
O
ofício de carpinteiro foi herdado de seu pai, morador um pouco mais a sul, na
Costa Nova e aplicado, sobretudo, na construção e reparação dos característicos
palheiros. Contudo, quer pai quer
filho lançavam-se em alguns projectos ocasionais de construção de barcos.
Talvez a construção assídua de barcos, relativamente a mestre Gordinho só tenha
acontecido depois da estadia que fizera nos Estados Unidos da América
(Gloucester). Será que as linhas das
escunas americanas o terão influenciado? Ou as de algum centerboard também americano? O seu
filho, aqui presente, saberá muito mais, certamente, do que eu.
Num
panfleto original de uma Grandiosa
Regata de Vela e Remos, em 28 de Setembro de 1913, alude-se, exactamente à participação de um center-board, à vela, que teve de dar
duas voltas ao triângulo de bóias. Nota curiosa…
Quais
as principais características do dito «bote», mais tarde, apelidado de «Vouga»?
Muito
genericamente, era um barco à vela, de casco redondo, de madeira, com quilha e patilhão móvel, de cavername inteiriço, com as seguintes dimensões:
comprimento, cerca de 6 m, boca, 1,75
m e pontal, 0, 45 m. (mínimo),
destinado a passeios familiares e não só. Mestre Gordinho, pelo que tenho
ouvido, não fazia dois botes iguais, ou a pedido do proprietário, ou porque a
garagem ou espaço onde o construía o limitava, ou porque ele próprio gostaria
de variar.
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A
odisseia lagunar dos botes do Mestre
Gordinho
A marginal lagunar no coração da praia – Anos 20 e … tal.
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Em
princípio, até cerca dos anos 40, o bote
armava uma vela quadrangular, com carangueja.
Mais tarde, a vela maior era do tipo latino, triangular, com mastro bem alto e
retranca e, a vante, armava um triângulo ou estai. E, curioso, que as velas, de
pano-cru, de teadas atravessadas, também eram feitas com a colaboração do
Mestre e da sua mulher, Senhora Etelvina.
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Reforçando
a ideia de que o Vouga se adapta admiravelmente às condições lagunares, cito
SF, no seu livro Costa Nova do Prado – 200 anos de História e Tradição, 2009, p.
133 - O «Vouga» foi uma embarcação de
recreio que apareceu na Costa Nova, com um desenho e características muito bem
recriadas para o passeio de grupos, na ria. Calando muito pouca água, ajustando
o calado móvel à profundidade encontrada (patilhão móvel), é capaz de
transportar até 6/8 tripulantes. Sendo um barco muito rápido, está muito bem
adaptado aos ventos locais, e à navegação interior em águas, por vezes,
agitadas por ventos fortes habituais, do quadrante norte.
Posta de época. Final de anos 20
Muitas
destas embarcações fizeram parte das vivências e memórias das famílias ligadas
à história da estação balnear da Costa Nova, tendo a sua grande maioria o nome
da mulher, da filha, da mãe do proprietário. Recordemos o Zinda (ainda a
navegar) – tinha 8 anos o Capitão Aníbal Paião, quando o pai, Capitão Adolfo
Paião, o mandou construir –, o Laide, o Rosinha, o Zália, o Irene e outros
mais. Ainda hoje, é habitual a adopção de nomes femininos – Ana Maria, Beatriz,
Raquel, etc.
A
Costa Nova no seu melhor. Início dos anos 50
(Cont).
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Imagens
– Postais de época e foto gentilmente cedida por Rosário Vieira.
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Ílhavo,
20 de Novembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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1 comentário:
Foi com enorme prazer que pude assistir a este evento. Sou um apaixonado dos Vougas, sendo que para mim, foi uma espécie de formação na sua história e influência na vida de muitas pessoas.
Esperemos que continuem a navegar nas nossas belas águas!
Um abraço,
Tiago Neves.
www.roda-do-leme.com
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