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O espaço do "Marintimidades" é, hoje, com gosto, cedido ao amigo Capitão Marques da Silva.
Quando há tempo passei na Sala das Galeotas do
Museu de Marinha e reparei no bote catraio que lá está exposto, pensei
que seria este o modelo que ficava a aguardar oportunidade e disposição para eu
dar início a um novo trabalho.
Conversei este assunto com o Dr. Paulo Costa que
rapidamente procurou, encontrou e me ofereceu um desenho desta bonita
embarcação. Era um belíssimo trabalho da coleção Seixas, que como todos é de
uma perfeição e rigor inexcedíveis.
Não foi preciso mais nada para me dar a coragem
que me andava a fazer falta. Principiei a preparar um plano de formas na escala
de 1/25, como me é habitual, para que este modelo possa vir a fazer parte da
minha já vasta colecção. É um bonito barquinho de formas perfeitas e como
trabalha com velas de espicha vai enriquecê-lo duplamente, pois será o
primeiro desta arte.
Agora nada mais era preciso para começar a
preparar o estaleiro e procurar nas minhas reservas os pedaços de madeira de
limoeiro que me iam permitir fazer a quilha e as rodas da proa e da popa.
Prontas estas peças, chegam os pormenores e o
trabalho vai com mais vagar. As escarvas de ligação devem ser perfeitas,
para o conjunto ficar resistente, desempenado e certo no comprimento que o
modelo tem. De seguida, é o alefriz que vai levar algum tempo para ficar bem graminhado,
principalmente no redondo da roda de proa.
Agora, durante a montagem no estaleiro, tudo tem
de ser feito com atenção. A quilha deve ficar bem segura, com a roda e o
cadaste alinhados e fixados na vertical, para que o barquinho se construa
perfeito.
Chegou então a altura de tratar das cavernas e as
primeiras são as duas da casa mestra. Como são iguais, são marcadas e serradas
ao mesmo tempo e depois de prontas assentes na quilha nos respetivos lugares,
marcados previamente, de acordo com a informação retirada do plano de
construção.
Com a colocação de mais algumas cavernas para
vante e para ré das mestras, o meu bote começa a mostrar as suas formas
elegantes e bem proporcionadas.
Aos olhos de quem o observa, as linhas do seu
casco parecem ter sido retiradas de algum gabinete de arquitectura naval,
traçadas por mestre muito sabedor.
Estou convencido, se hoje esse gabinete tivesse que
idealizar uma embarcação de vela e remo, para executar o trabalho de
transportar pessoas de um para outro lado da bacia do Tejo, ou passageiros e
tripulantes de navios ancorados neste porto, serviço que a esta estava
destinado, nada alterava ou modificava nesta pequena embarcação.
O desenho que me orientou é de Francisco Dias
datado de 1929, o que me leva a pensar que teriam sido os barqueiros que
navegavam nestes catraios, os chamados catraeiros, que reunidos
em grupo, formaram a conhecida Companhia dos Catraeiros. Recordo
que, era aos Catraeiros que eu fazia a requisição das lanchas e
reboques, quando eram necessários para as manobras do meu navio em porto.
Mas voltando ao meu modelo que ficou pronto e
afagado a preceito, chegou a altura de começar a preparar o leme, as bancadas e
os paneiros. Ainda faltava o mastro do grande, o da catita, o gurupés, o botaló
e as varas das espichas, para poder tirar a dimensão e a forma dos painéis da
vela grande, da catita e da de estai, que me permitiriam riscar no pano as
respectivas velas.
Como este bote usava a arte de espicha
(velas em que o punho da pena é esticado por uma vara em diagonal), este plano
vélico era também uma novidade para mim e foi necessário aprender. Depois de
cortadas, bainhadas, entralhadas e envergadas nos respetivos mastros, foi com
muito gosto que verifiquei que o meu trabalho tinha resultado.
Faltava ainda fazer dois pares de remos, uma fateixa, um balde e um vertedouro para o meu bote catraio ficar aparelhado. Resolvi deixar este modelo sem pintura. Dei isolante por fora e por dentro e revesti tudo com recuperador incolor para ficar à cor da madeira. Como sempre, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais, choupo no costado, tola nas cintas bancadas e remos. Ramos de ameixieira nos mastros e varas. Nas ferragens e âncora, usei cobre. Nas velas e cordame algodão.
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Gafanha da Nazaré, 3 de Setembro de 2023
António Marques da Silva
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