“Evocação…
A pandemia fez com que estes eventos, que eu adorava, deixassem de existir. Ao
mesmo tempo, eu também já não me sinto com forças de me envolver neles… Vivo de memórias... que recordo e republico”
Cheguei
há pouco de Esposende. Cansada, mas de alma cheia. Dois dias diferentes, a
registar. O meu grande agradecimento à Amiga Ivone Magalhães, Directora do
Museu Municipal e à Conceição, pela simpatia e acolhimento com que me
receberam. Dia de festa em Esposende… Dia do rio e mar e de sua comunidade
piscatória.
Ontem,
passei a tarde na rampa junto à lota, à beira-rio, a tentar identificar as
embarcações tradicionais que participaram no VIII Encontro de Embarcações
Tradicionais em Esposende e a saborear-lhes a beleza das suas manobras.
Algumas
embarcações já me eram bem familiares, como a
catraia de Esposende, réplica navegante construída em 1993, a “Sta. Maria dos Anjos”, algumas «dornas
galegas» e a lancha de fragata ou o catraio tejano, bem bonito e centenário,
trasladado por gosto do proprietário, do Tejo para a laguna de Aveiro, de seu
nome “Costa Nova».
As tais memórias
tradicionais marítimas de Esposende, que são relevadas pelo carinho e genica de
alguns, iam-se sucedendo e preparando, ao mesmo tempo. Ao fim da tarde, algumas
pescadeiras enfeitavam devotamente os andores que participariam na procissão fluvial
de hoje e no lançamento de uma coroa de flores, ao mar, após a difícil saída da
barra, em memória dos homens do mar falecidos em acidentes marítimos.
Algumas
«estórias», tradições, memórias, lendas foram recordadas, enquanto transpúnhamos
a fé e o carinho com que enfeitavam os andores, com as respectivas divindades.
Pescador e fé caminham de braço dado – Nossa Senhora da Barca do Largo, Nossa
Senhora da Graça, S. Pedro, a Senhora da Bonança (freguesia de Fão), a Senhora
da Guia, a Senhora de Fátima, e o, para mim, conhecido, mas nunca visto, S.
Bartolomeu do Mar.
O
dia de hoje, com a dita procissão fluvial, num clima ameno, calmo e morno
convidava ao passeio. Sem contar, mas sem hesitar, aceitei o convite de última
hora para embarcar. Todo o desfile foi magnífico, neste caso, em “catraias” modernizadas, ditas
«voadoras», a motor. Embandeiradas em arco com bandeirolas multicolores,
desfraldavam à pouca aragem a beleza e o significado da bandeira nacional.
Cenário alegre, garrido, penetrante e envolvente. A procissão teve dois
momentos altos: um, o do encontro, em que as embarcações se dirigem mais para montante,
para receber a Senhora da Bonança (da freguesia de Fão), que vem incorporar-se
no cortejo.
O
outro, em navegação a jusante, em direcção à barra, o lançamento à água da
simbólica coroa de flores, em homenagem aos pescadores mortos em acidentes
marítimos. Um misto de respeito e temor pela ondulação do próprio mar e do
entrecruzar da agitação dos motores das embarcações, era o que sentíamos a
bordo.
Chamou-me
a atenção um barco com quatro fotografias de rostos – explicou-me a Ivone – que
era um barco de memória fúnebre, o “Flecha”,
que lembra os quatro últimos homens do mar, que faleceram de uma mesma família
– a família Nibre.
De
regresso à lota, donde saímos, parece que soube a pouco. Belo, empolgante e
salutar!
Ílhavo, 5 de Junho de
2016/12 de Junho de 2021
Ana
Maria Lopes
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