Prefácio
Este Tributo a Capitães de Ílhavo, de autoria
de Ana Maria Lopes, não poderia ser dado à estampa e oferecido à comunidade
ilhavense em melhor momento. No dia em que o Museu Marítimo de Ílhavo comemora
os seus oitenta anos de vida, este livro generoso e quente, tecido
delicadamente sobre memórias de família dos admiráveis Capitães de Ílhavo,
constitui um presente emoldurado, um diálogo de gerações para dar corpo e
espírito à memória futura.
Não escrever este livro
seria muito mais cómodo. Mas não foi essa a decisão de Ana Maria Lopes, que aceitou
de pronto o desafio que lhe lancei quando soube das notas biográficas que vinha
alinhando para publicação informal no seu blogue.
O património e as
dívidas da memória comportam uma dimensão ética que pede a generosidade do
risco e o desassombro da partilha. Daí a importância deste livro e da
iniciativa homónima que o Museu imaginou neste seu ano jubilar em que o
território, a identidade local e os seus protagonistas se invocam sem freios.
Bem sabem os leitores deste livro, quanto o Museu Marítimo de Ílhavo tem
procurado pluralizar memórias e abrir o jogo das identidades a todos os
protagonistas humanos da Faina Maior.
Esta herança cultural
lendária faz-se de múltiplos heróis humanos, da proa à popa. Prestar tributo
aos Capitães de Ílhavo significa reconhecer uma elite local cuja fama correu o
país e o mundo e significa fazê-lo de maneira aberta e inclusiva, com os
Capitães e os Pescadores, em companha. Basta lembrar que no mesmo ano em que
promove esta iniciativa e a presente edição, o Museu Marítimo de Ílhavo editou
o livro Portugal no Mar – Homens que
foram ao Bacalhau e apresenta ao público um extraordinário portal, Homens e Navios do Bacalhau, quase um
museu virtual.
«Tributo a Capitães» e não «aos Capitães», assim o quis intitular Ana Maria Lopes, sabiamente,
evitando presunções e a ciclópica ideia de biografar todos os Capitães
ilhavenses. Trata-se assim de um tributo profundamente humano, da invocação de
uma parte significativa dos Capitães de Ílhavo. Trata-se de uma parte que fala
e vale pelo todo, de uma amostra que representa um universo.
Aqui se reúnem trinta
breves biografias de Capitães ilhavenses já desaparecidos, conjugando palavras
certas e belíssimas imagens, muitas delas inéditas porque residiam algures em
silêncio. As biografias privilegiam o currículo marítimo dos oficiais e as
principais peripécias dos navios que governaram. Homens houve que naufragaram
três vezes. Muitos já eram filhos e netos de oficiais da Marinha mercante. A
esses detalhes narrativos, fios de água que levam ao mar, aditou-lhes a autora
preciosas notas humanas, traços de vida e testemunhos de família que não
deixarão de interpelar outras memórias quando estas páginas forem dissecadas
emotivamente.
Os Capitães de Ílhavo
são homens de mar, admiráveis marinheiros, nautas por treino e vocação. Mesmo
quando comandaram navios nunca deixaram de ser pescadores, continuidades que
devem ser lembradas e valorizadas.
A diversidade de
biografias que se encontram neste livro permite-nos confirmar que, se lhes
chamarmos «Lobos do Mar» ou algo semelhante, não estaremos a exagerar nem a
replicar os arroubos da propaganda do Estado Novo. Quando Alan Villiers lhes
chamou «os melhores navegadores do mundo», na célebre Campanha do Argus (1951) e num texto que a seguir publicou na
revista National Geographic, não
exagerou mais do que viu, quotidianamente, nos mares do Norte. Mas fica claro
que essas expressões mitificadoras tendem a tipificar estas figuras humanas;
salientam os seus traços comuns como se um molde humano lhes tivesse esculpido
o carácter e as habilidades náuticas. Um dia, partindo deste livro, será
necessário empreender uma prosopografia dos Capitães de Ílhavo. Imagino uma
biografia colectiva, de um grupo ou de uma elite dotada de traços comuns, mas
de percursos e idiossincrasias singulares. A ideia é dura, mas fecunda.
Quero manifestar a
minha alegria por escrever o prefácio deste saboroso livro, agradecer o desafio
à Dr.ª Ana Maria Lopes e o entusiasmo dos Amigos do Museu. E devo assinalar, em
briosa defesa do nosso Museu, que neste livro os créditos fotográficos
encontram-se judiciosamente indicados e as fontes de arquivo que o Museu tem o
privilégio de preservar também são devidamente referidas. Aparelhar este navio
e fazer esta viagem só augura novas campanhas e maiores empreendimentos.
Afinal, o património é tão somente o presente das coisas passadas. Um assunto
infinitamente humano.
Álvaro Garrido
Professor da
Universidade de Coimbra. Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo
Ílhavo, 8 de Agosto de 2017-
AML
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