domingo, 30 de março de 2014

A Casa dos Faróis, in «Varandas para o Atlântico» de Sousa Dinis

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Os comentários aos posts sobre a Casa dos Faróis conduziram-nos a um romance de Sousa Dinis, Varandas para o Atlântico, editado em 2000, esgotado, em que o autor evoca umas férias lá passadas. Bem, vamos a elas, através de uns exíguos excertos respigados.
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(…) Mas quando me sentia verdadeiramente realizado, era com a partida para a Costa Nova. A banhos como dizia a minha avó, apesar de nunca tomar banho de mar ou de ria, onde só molhava os pés. Para ela, banho só na banheira.
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A partida tinha lugar todos os anos no último dia de Julho.
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O velho carro do avô, carregado de todos os precisos parra o mês e com a suspensão soltando sons que tanto podiam ser gemidos como relinchos, lá ia estrada fora, os pistons resfolgando em apoplexias até se deter na Casa dos Faróis, com um último soluço asmático, jazendo depois, durante um mês, ao lado da carcaça meio apodrecida de um barco moliceiro que tempo ali fizera encalhar de vez.
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A Casa dos Faróis, que ainda há poucos anos existia orgulhosamente decrépita e abandonada, era a casa de praia dos Marnotos há várias gerações. Assim a baptizaram a gente da Costa Nova porque, passado o logradouro murado, que desde o portão de entrada contorna toda a casa até se espraiar num largo quintal nas traseiras, tem, de cada lado da escada de acesso à varanda da entrada, duas réplicas do farol da Barra, colocadas simetricamente.
Essa varanda era lugar de cavaqueira de meus avós e amigos, ao cair das tardes de Verão. Presenciei ali acesas discussões sobre se o farol da Barra pertencia a Ílhavo ou a Aveiro, e onde, na opinião dos ílhavos, os de Aveiro os deviam meter… A varanda dava aceso a uma sala de estar e de jantar. Seguiam-se para o interior, quatro quartos, dois de cada lado, todos eles separados por acolhedoras paredes de madeira, enfeitadas com redes, remos e outro motivos náuticos, até se chegar ao fundo, à cozinha, reino exclusivo da avó Amélia. Aí, havia uma escada para o sótão e uma porta para as traseiras que servia a casa de banho e o quintal, onde umas couves raquíticas, crescendo na areia, lutavam teimosamente contra o solo pobre e o ar salitrado do mar, que se ouvia ao fundo e se cheirava ali mesmo, misturado com o odor dos arbustos das dunas.
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O meu quarto, de tantas recordações, estava virado a norte e nele entrava, todas as noites, com a precisão de um relógio, a luz familiar do farol da Barra – quatro pancadas para o mar e quatro para terra. Entrava a luz, o cheiro da maresia, que sempre me acompanhou desde que me recordo, e entrava o barulho das ondas, deliciosa música de fundo para adormecer.
A cama tinha a cabeceira e os pés em arcos, imitando a proa e a ré de um barco moliceiro a quem a visse de lado. E a mesinha de cabeceira tinha um tampo de vidro que mostrava, por baixo, uma bússola com a agulha virada para o lado do farol.
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Foi nesta «cama-barco» que, por volta dos meus quinze ou dezasseis anos tive um sonho esquisito. Ou então algo de insólito me aconteceu (…).
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Fiquemos por aqui e sonhemos o que desejarmos…na projecção dos raios de luz do Farol.
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Foi tudo quanto nos foi dado encontrar sobre a Casa dos Faróis. Este nosso interesse fez com que nos chegasse às mãos o postal que partilhamos, em que se identificam bem a Casa dos Faróis, entre tramagueiras, a casa do Dr. Diniz e a Casa dos Leões, hoje em «obras de Santa Engrácia», em trio isolado, o que reportará a imagem lá para os anos 30 do século XX.
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Mas, e em primeiro plano? Na borda-d’água, mais uma bateira para a colecção! Uma prazenteira e elegante chinchorra, de breu vestida, com um toldo protector para os seus dois ocupantes, em dias de surriada.
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À cata de dados diversos – fotos remotas, depoimentos, escritos e postais antigos – vai-se recompondo a «memória da Costa Nova», que nunca estará completa, mesmo só em pouco mais de dois séculos de vida.
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Imagem – Postal gentilmente cedido por Aníbal Paião
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Ílhavo, 30 de Março de 2014
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Ana Maria Lopes
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4 comentários:

Anónimo disse...

Foi um prazer participar na "tertúlia digital"...Dia 8 andei,"a pedibus calcantibus"a fotografar a "lomba",tentando identificar os antepassados de alguns "pseudo-palheiros"(por acaso,alguns bem bonitos...)porque,para mim,a Costa é a Avenida Marginal e a Lomba,e.a partir dos vários "Paiões" para norte(que fotografei "para memória futura"...)os "morgadios das gentes de "Aveiros e Águedas" (aqui com semelhança a "franças e araganças"...)
Cumprimentos,"kyaskyas"

Anónimo disse...

Volto ao comentário,porque não referi a interessante foto do "chinchorro"(estes termos eram "chinês"para mim...)Aparentemente o "tripulante"está a sondar o local(tem uma cana de "sartela"na mão...)para se dedicar à "pesca de enguias à sartela".Sentado no chão,de costas para a proa,ao abrigo do oleado,punha a cana na água,esperava uns minutos,e retirava-a da água.Se vinha enguia,com uma sacudidela habilidosa atirava-a para a zona entre-paneiros à pôpa;se não vinha nada,repetia o procedimento...Nunca tinha visto nenhum a "fazer sondagens",como parece ser o caso da foto...
Cumprimentos...

Anónimo disse...

Ampliando a foto de Aníbal Paião,verifico que,afinal,há 2 companheiros,e não é a "cana da "sartela"que o mais visível empunha...A "sartela" era uma enfiada de minhocas,obtida com agulha e linha que as atravessava longitudionalmente,que depois eram presas,em laços,ao topo da cana de empunhar,formando uma bola...Também vi,nas marinhas da Gafanha da Nazaré,apanhar enguias no lodo,dando golpes de "foice"na lama,direccionando o gesto para um guarda.chuva aberto,de "boca"para cima!...De tantos em tantos golpes na lama,lá vinha uma enguia!..."O tempore!"...
Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada pelos seus comentários que sempre aprecio e tenho em conta. A «sartela», até eu pesquei à «sartela», mas mandava fazer a bola de minhocas e/ ou casulo. Tinha muito nojo de as coser com a linha.
Tempos passados!
Cumprimentos!