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Os festejos em honra da Nossa Senhora da Saúde, iniciados em 1837, vieram substituir a primitiva
Festa de S. Pedro, em Ílhavo (que se tornou na Festa das Companhas), passando a
ter data fixa, no último domingo do mês de Setembro.
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Competia em popularidade com o S.
Paio ou com o S. Tomé, na grandiosidade da animação dos festejos lagunares, no
corrupio de gentes e na algazarra. Do norte
do Bico ao sul da Mota, a Costa-Nova engalanava-se com o estendal de moliceiros.
Agora, vem aí a romaria…Só que nem dá p’ra te comprar uma flor…
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A minha mais antiga recordação
deste arraial é uma fotografia, no terraço do meu palheiro, à época, com dois anos e um grande laçarote na cabeça.
A armação da festa comprova a data – fins de Setembro de 1946. Vivia no coração da
romaria.
A armação da festa…1946
Outra memória, bastante mais
forte e de que ainda hoje me recordo vivamente, foi a minha integração na
procissão, trajada de anjinho – a
primeira e a única vez.
Cá perdura o boneco tirado à la minuta no meu baú, como mandava a tradição.
Só que foi uma procissão
complicada e agitada, porque durante o seu trajecto, deflagrou um forte
incêndio na, à época, Pensão Pardal, na esquina norte da
Estrada do Banho.
Alterado o percurso, o susto
apoderou-se de todos. As chamas lambiam as outras casas e todos temiam que se
propagassem às residências vizinhas. Foi um alvoroço.
Lá vieram os Bombeiros de Ílhavo
acudir ao sinistro que poderia ter alcançado proporções gigantescas, dado que as
casas da proximidade eram palheiros de madeira ressequida.
Na ausência de data na
fotografia, lá fiz algumas diligências para situar a ocorrência no ano certo –
foi no domingo da Festa de 1951 (in O
Ilhavense de 10 de Outubro de 1951).
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Naquela idade, os meus avós
faziam-me as vontadinhas todas e eu lá tinha os meus rituais.
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A minha primeira compra era um
“chapelinho de papel” muito frágil e gracioso, que habitualmente estava à venda
numa tenda, que montava arraial em frente à Vivenda Quinhas, hoje de
Jorge Picado.
Quando
chegavam à minha porta, a ti Adelaide
Ronca com as flores de papel com quadra popular e ventarolas, e a ti Caçoa, com o baú das doçarias
tradicionais, entre as quais sobressaíam os melosos e açucarados suspiros e os
bolinhos brancos, logo as boas festeiras tinham em mim uma das primeiras
freguesas; uma mão para erguer o moinho à procura do vento, até que zunisse, e
logo a outra atascada com doçarias para secar a água que me crescia na boca, só de vê-las.
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Seguia-se a
visita à Vida de Cristo, em
movimento, descrita em voz roufenha, rouca do publicitador, tornada
ensurdecedora pela ampliação conferida pelas cornetas do altifalante, que
tentavam sobrepor-se ao anúncio das cadeiras voadoras ou da casa dos espelhos
ou do comboio fantasma, itens do arraial que se iam visitando, vez à vez, até
que esgotados na segunda-feira do fim de festa.
Incluída no
programa das visitas, não podia faltar uma ida às barracas de loiça de
Barcelos, para “puxar” de uma argola presa a um fio, que erguia o número
correspondente ao prémio, que calhava em sorte.
Assim ia gozando a festa naquela idade da criancice e inocência.
Os restantes registos
fotográficos são bastante mais tardios, de 1960,
ano em que as minhas amigas e eu, já espigadotas, no esplendor da nossa
juventude, combinámos viver a Senhora da Saúde, à moda antiga. Tinha 16 anos.
Os primeiros sinais da romaria
eram dados pela chegada e montagem da armação. Depois, a vinda das primeiras
tendas. Mas quando os primeiros moliceiros
chegavam do norte e do sul da ria, os norteiros
e os matolas e atracavam mesmo aqui
pertinho de mim, então a festividade estava próxima.
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Nas belas proas dos moliceiros…
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Experimentámos de tudo um pouco.
Depois de um belo passeio de Vouga,
estava na hora de começar a reinar: andámos de carrossel, de carrinhos
eléctricos, de cadeirinhas voadoras, integrámo-nos nas danças sobre a proa dos moliceiros, subimos aos
vistosos e animados coretos, tirámos a sina numa boneca de tecido peludo preto,
com uma grande cabeçorra, normalmente em frente do palheiro dos Senhores Moura,
hoje da Rosa Maria Moura, apreçámos toda a quinquilharia possível, desde os
toscos brinquedos de lata e madeira aos ferros forjados mais elaborados. E o
café de apito?
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Passeio à vela
No carrocel…
No coreto
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A apreçar ferros
forjados
Assistimos respeitosamente ao
desfile da procissão, apreciámos o fogo-de-artifício, assustando, conforme
podíamos e sabíamos os forasteiros, especados, de olhos pregados no céu.
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Foi assim a nossa festa
setembrina de 1960, em homenagem à
Senhora da Saúde, em que se concentrava grande número de devotos.
As participantes na folia eram
Maria Manuela Vilão, Rosa Maria Moura, Eneida Viana e eu.
Hoje, no entanto, apenas com os
festejos religiosos e o fogo-de-artifício, ainda se vai passar à Costa-Nova a Senhora da Saúde. Nem gostamos, sequer,
de ver a casa fechada. Tradição… É a que temos. É para respeitar, tentar
transmitir…e, se possível, melhorar.
Imagens
– Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 28 de Setembro de 2012
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Ana Maria Lopes
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5 comentários:
Apreciei muito esta sua crónica. As fotos são fantásticas!
Adorei a descrição que fez dos festejos da Nossa Senhora da Saúde de outrora.
Apetecia viver esses momentos, apesar de não serem os meus...
Era a romaria, as diversões, a procissão, e os moliceiros...
Obrigada por partilhar estas relíquias.
Abraço,
Etelvina Almeida
O palheiro a Norte da Pensão Pardal (do ti'Zé Pardal,com direito a uma "lingueta",plano inclinado...)pertencia,salvo erro à Família Guerra,cujo "mais velho"se entretinha a "fiscalizar,de binóculos da sua profissão,a "laguna"...No dia do incêndio,embora ainda houvesse um quintal de permeio,os Guerra,afanosamente atiravam baldes de água para a parede (sul)-de madeira,claro -exposta ao incêndio...(Não havia água canalizada...)
Nos tempos mais antigos,na Lomba,quando havia um incêndio num palheiro,traziam-se umas juntas de bois das "companhas",passava-se um cabo à volta do "palheiro" a arder,e puxava-se,lomba abaixo,para que o incêndio não se propagasse aos vizinhos!...Não sou desse tempo!...Cumprimentos,"kyaskyas"
Ainda sobre o incêndio na Pensão Pardal,a atolambada da criada da minha avó (morávamos 4 casas a sul...)meteu os pertences numa mala de cartão,e apanhou a barca de passagem para a "bruxa"!...Só apareceu ao fim do dia!... "kyaskyas"
Gostei imenso deste texto. Há muita coisa de que ainda me lembro também e que quase estava esquecido, mas que ao ler me veio de imediato à memória. Muito bom, Ana Maria!
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