domingo, 14 de dezembro de 2008

As mulheres das secas



Perante três fotografias, deslumbrantes, encontradas, ignotas, lá bem no fundo de gavetas da Empresa Testa & Cunhas, guardei-as, à espera de, porventura, mais documentação.


Vista aérea da seca – 1933
Cruz de Malta, Silvina e Hernâni





Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres das secas, verdadeiras heroínas, mas pelos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas.
As fotos a que me refiro, sem datação, seriam forçosamente da empresa, onde as encontrei, pois amigos, mais velhos, conseguiram-nas identificar. Reportar-se-iam aos anos 30.

Um dia, em Agosto, um post do blog Galafanha do Professor Fernando Martins atraiu-me, pelo assunto versado e pela força e beleza descritivas do texto.

Entrámos em contacto e o Amigo Professor acabou por me emprestar o livro de Maria Lamas, As mulheres do meu País, de que há pouco a editora Caminho lançou uma 2ª edição, donde o texto era extraído.
Na década de quarenta do século passado, Maria Lamas, que faleceu em 1983, com a provecta idade de 90 anos, andou pelas Gafanhas, mais concretamente pela Gafanha da Nazaré, olhando, conversando, retratando as suas mulheres, em diversas e intensas ocupações.

Mas, as das secas foram as que mais me atraíram.
Respigando o mesmo texto, utilizo-o, para complemento e esclarecimento de imagens tão fortes.

A seca do bacalhau na Gafanha emprega muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo secas onde o trabalho é permanente, porque abrange duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

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Mulheres junto a um antigo armazém – s/d



A escritora que andou pela nossa região recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. E salienta:

No vestuário revelam maior cuidado na limpeza do que as camponesas, que saltam da enxerga, estremunhadas, antes do luzir do dia, e lá vão, para a labuta sem fim…

Assim, acentua Maria Lamas a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)
O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)


Ao fundo, o “Laura”; em primeiro plano, bacalhau, carros e tanques de lavagem. Ler mais em Navios e Navegadores



As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.



Que grandes bichos! s/d


Um friso de mulheres exibe os seus trajes antigos e peculiares, de saia comprida, rodada, alçada pela faixa, longo avental, blusa tipo chambre, com cabelos apanhados que emolduram o rosto, orelhas enfeitadas, mas pés descalços.
Uma ou outra conseguia arranjar botas de borracha; a regra comum era o pé descalço e o que quase todas usavam eram canos, um tipo de meias sem pés, para protecção das pernas. Os pés, esses, eram sempre os mais castigados!


Mostram belos exemplares de peixes que só a linha permitia apanhar, espalmados, ainda com cabeça, que, praticamente, acompanham a altura delas.

Estão, certamente, a pensar que estes “bichos” seriam óptimos para a Ceia de Natal que se aproxima!

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Lisboa, 14 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes


2 comentários:

Marieke disse...

...E se eu tenho recordações desses bandos de mulheres alegres..malcheirosas..vivaças..e com os tamancos na mão..atravessando a noite na Costa Nova..sempre cantando..como desafiando os burgueses veraneantes...que olhavam para elas com desconfiança e desdém

fangueiro.antonio disse...

Belíssimo e justo artigo referente às mulheres que eram parte muito importante da Faina Maior e porque Vila do Conde era também terra de secas.
Na foto onde evidencia o enorme tamanho dos bacalhaus, pelo primeira vez vejo que também se secavam bacalhaus com cabeça, pelo menos naquelas décadas antigas. Mais um pormenor apreendido.

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt