domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma janela para o sal - VIII


A dança das águas…
 
Depois da festa, volta o marnoto para o bailado das águas, numa relação íntima com a sua amada: a dança das águas não pára, é diária.
-
Nos cristalizadores, a água lá fica por uns dias depositando o sal, até à redura.
-
Novas águas os banham – a renovação é constante. É preciso limpar, depurar, conduzir os sais líquidos e rer os sólidos, voltando a encher esse ventre produtor, dia a dia, de sol a sol, enquanto houver fertilidade...
-
 
E eis que a marinha chora...
São os olhos da marinha, esses lacrimais chorosos, que o marnoto abre com o muradoiro – homem crente e engenhoso.
-
É por eles que as águas salgadas e espumosas escorrem e transcorrem serpenteando pelas carreiras, formando regos ao longo da crosta endurecida e ressequida, em craquelé.
-
Num simples abrir e fechar de «olhos» e fendas, o mestre abre e activa um labirinto de canalizações que alimentam, que escoam, que comunicam entre si – corre vida pela marinha! –.
 
 

São águas velhas e novas – escoam-se e renovam-se.
São entroncamentos por onde escoam, escorrem e dançam ao sabor da necessidade dessa mãe produtora e que, sob o olhar atento do marnoto, formam um complicado, mas admirável bailado de espuma salgada. 
 

Tão belo cenário atrai! – emprenha-se a marinha que, em breve, dará o sal da vida à gente que nela trabalha.
-
Marnoto, que curas, pisas, acamas e alisas esses parcéis, abre agora a porta à água fértil. Deixa esse ventre embeber-se, deixa humedecer o craquelé...
-
Solta essas águas! Deixa-a «parir»... produzir o que de mais belo te dá a laguna, o branco sal!...




De vigília, em cuidados com tão delicada paridura, ele se mantém.
-
És tu, marnoto, que controlas as águas, que supervisionas a paridura dos alvos cristais e rezas para que o tempo lhes dê tempo para a cristalização.
-
E assim se faz vida nessa marinha, tua rainha, que, de sol a sol, te obriga a abrir, a tapar, a sulcar... sempre vigilante. És seu criador, cirurgião, seu amparo e parteiro.
Produz sal, marinha minha – sussurras-lhe tu...
---------------------------
Nota – Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
-
Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
-
23 | 07 | 2013
-
Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
-

1 comentário:

Paulo Miguel Godinho Marques disse...

Parece que agora o facebook está mais na moda para comentários... Eu continuo a preferi-los junto à fonte!
E só queria dizer o curioso que me parece lembrar-me perfeitamente de ver estas imagens pelo visor da máquina fotográfica, há cerca de 25 anos. Só que, na altura, o meu olhar jovem e mais ingénuo não se apercebeu da carga de fecundidade intrínseca a estas imagens, tão bem realçada neste fantástico texto. É engraçado ver o poder da natureza a actuar a céu aberto, mesmo aos nossos pés, ao invés do que ocorre debaixo da terra, ou lá no alto da nossa atmosfera.