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sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Contrastes na Ria

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Duas imagens de que gosto. São o oposto.

 

Poder-lhe-íamos chamar: Contrastes. Qual delas a mais bonita?

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É dia…
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É noite…

Evocam-nos vocábulos opostos. Jogos de palavras. Por detrás da antinomia sempre presente, o bucolismo da paisagem lagunar. De uma paisagem lagunar que já foi.

Na primeira imagem, o fim do peso da rotina de mais uma emposta, as velas atadas em fim de tarde, projectada no azul celestial, aqui e ali sujo por uns fiapos de algodão, a servirem de fundo à irmandade colectiva dos amanhadores da ria. É dia.

Na segunda, um prateado sobre o azul-cobalto da ria, originando sombras negras como lava, pintadas no silêncio do recolhimento de um olhar sempre amanhecido.

Jogos de luz que se entretêm a colar tatuagens sensuais sobre o corpo da laguna, em ensaios cenográficos de volúpia deslumbrante, que a emoção colhe por inteiro, sôfrega, ainda antes da compreensão os tactear à superfície das águas.

E ali em qualquer lado, em qualquer parte escondidas, as galhetas, em bandos, à procura de poiso para dormir, em lamento, piando em baixos e agoirentos dizeres, até que a luz agonize e sejam horas do sono. É noite.

A ria dorme para serenamente embalar o moliceiro no cochilo.

O mar, não. O Mar não tem sossego. O Mar resmunga sempre, espreguiçando-se pela areia branca.  

As duas imagens são da nossa ria, em situações opostas. A superfície lagunar tem destas coisas: noite/dia, claro/escuro, agitação/descanso, velas brancas, mastros negros. Apreciem-nas.

Contrastes também do dia e noite de hoje: o belo, o rebuliço, o alvoroço diurnos dão lugar ao sossego, à paz e à calma nocturnas.

Repesquei estas palavras de um post que tinha colocado no dealbar do Marintimindades, com algumas alterações. Hoje, já lá vão uns anos, ou é de mim, ou da ria. Sinto tudo murcho, muito despido e desmazelado, apesar de ser lua-cheia e maré-viva. Resta-me o horizonte, nos seus cambiantes volúveis, ao longo das diversas horas do dia. E, quando estou em silêncio, como agora, com o tal dito horizonte por fundo, o meu trabalho preferido é brincar nostalgicamente com as palavras, trabalhando-as, mudando-as, acoplando-as, contrastando-as. Contrastes em mim e na ria.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora (anos 80)

Ílhavo, Janeiro de 2022

Ana Maria Lopes



sábado, 14 de novembro de 2020

O antigo cais do Areão e a pandemia

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O que é que tem a ver o antigo Cais do Areão com a pandemia? perguntarão.

As “bichas” nas lojas, as zaragatas, os espaçamentos, as compras de produtos em exagero lembraram-me o racionamento do pós-guerra, em que, felizmente, ainda não estive envolvida, por muito pequerrucha que era.

Por ser de Ílhavo, pessoa amiga alertou-me para o papel curioso que tivera no Cais do Areão, um ilhavense de famílias conhecidas.

Para confirmar os dados, fui junto da Senhora D. Cilinha Matias, sobrinha do dito conterrâneo, que me confirmou:

– Em finais de 40, o Manuel “da Lúcia” – irmão do seu Pai, Senhor Cap. João Matias (também conhecido por João da Lúcia), era o guarda-rios estabelecido no Cais do Areão, onde era muito estimado, vivendo no palheiro, então ali existente.

Era ele quem calculava a carga dos moliços desembarcados, destinados aos campos da Gândara, e cobrava o imposto para o Estado.

Apesar de uma deficiência numa mão (resultante de paralisia), que mantinha permanentemente junta ao corpo, era um feitio brincalhão, bem-disposto e amigo da paródia.

Ora, nesse tempo, havia racionamento (lá vem o racionamento…) de produtos essenciais. Estávamos no pós-guerra e o açúcar e, principalmente, o azeite eram difíceis de adquirir. Aos seus amigos, o Manuel “da Lúcia” arranjava maneira de os fornecer. Estes produtos vinham de burro para Ovar ou Murtosa e um e outro arrais, em troca de uns escudos, embarcavam-no na proa do moliceiro e descarregavam-no no Areão, à guarda do Manuel “da Lúcia”, que logo dava um salto de bicicleta a Ílhavo a avisar os amigos que a encomenda chegara. De noite, pela estrada da mata, correndo o perigo de encontrar a guarda, que era, ao tempo, incorruptível, lá vinham aqueles buscar o azeitinho e açúcar, trazendo ao amigo Manel «da Lúcia» uns garrafões de tinto bairradino, que ele distribuía pelos arrais seus amigos. Nesses dias o Manel arranjava sempre uma caldeirada a preceito confeccionada na proa de um moliceiro, em animada festa.  

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O Cais do Areão, em 1950. Foto do Cap. Almeida

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Para onde foram tantos barcos moliceiros que povoavam, animavam e davam vida ao mesmo espaço?

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O Cais do Areão de hoje
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E assim vai a vida! E a vida que os lugares escondem!... Ao menos, recordá-la, enquanto há memória…

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Ílhavo, 14 de Novembro de 2020

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Ana Maria Lopes

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sábado, 3 de agosto de 2019

Memórias - 30 anos a pintar a Ria - José Oliveira


Memórias – 30 anos a pintar a Ria. José Oliveira

Ontem, dia 2 de Agosto, fui à Murtosa, assistir à apresentação do livro «Memórias – 30 anos a pintar a Ria», que pretende homenagear o pintor José Manuel Oliveira, mais conhecido por Zé Manel, pelo seu trabalho e dedicação, sobretudo, à pintura de barcos moliceiros.
O Zé Manel surge numa fase de crise de decoração dos barcos lagunares, em que Avelino Marcela já não estava no activo e em que Jacinto Viera da Silva (mais conhecido por Jacinto Lavadeiro), nos tinha deixado precocemente.
Foi, pois, por esse tempo, que o Zé Manel começou o seu labor, seguindo a linha do Jacinto, não deixando de respeitar o mais característico e tradicional, mas soltando inovação e criatividade. E assim o foi fazendo, durante 30 anos, de 1989 a 2019.
Conheci-o, exactamente, nessa altura, à beira-ria, quando pintava o barco moliceiro A 2040 M – JOÃO MANUEL, um dos primeiros barcos que decorou.

Zé Manel, à direita, há 30 anos

Durante estes trinta anos, não deixei de ir acompanhando o seu trabalho, sempre que possível, registando os painéis que brochou, de duração efémera, como é natural.
De convívio bastante agradável, o Zé Manel sempre respeitou painéis de temática religiosa e patriótica, mas os brejeiros é que davam prémios nos Concursos. Oh! Quem o conhecer… que o compre! Tem a brejeirice à flor da pele! Mas, em seu dizer, os proprietários das embarcações é que são uns malandrecos, pois, nos seus painéis, «só querem gajas». Estes é que dão prémios!...
Muitos parabéns ao Pintor, que nos continue a brindar com as suas telas flutuantes, muitos parabéns à Etelvina Almeida, que, com o seu saber e competência, foi a coordenadora desta obra, parabéns ao Município da Murtosa, que, em boa hora a fez nascer, para ampliar o memorial da nossa laguna.
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Tema patriótico
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Tema religioso
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Alguns temas brejeiros

Costa Nova, 3 de Agosto de 2019

Ana Maria-

sábado, 28 de junho de 2014

Regata de Moliceiros - 2014 - Preparativos

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São 26 de Junho, quinta-feira. O Verão já começou, mas o tempo, para ajudar à missa, anda muito incerto! Uma brisa de sudoeste saborosa! Um céu de um azulino puro, com nuvens acumuladas, apenas junto ao horizonte. Já não bastam as desavenças, exigências e desorganizações para a organização da Regata da Ria, evento que já foi acontecimento/âncora nas Festas da Ria. Será no sábado, mas com quantos barcos moliceiros? De dimensões normais? Sete a oito, não se sabe bem. Moliceirinhos? Quatro…, número incerto. Bateiras à mistura, para colmatar a falta de moliceiros? Não se sabe quantas. É o que se ouve, no centro do mundo. E, neste caso, o centro do mundo é a praia do Monte Branco, na Torreira, junto ao Estaleiro-Museu, onde trabalha o Mestre Zé Rito e pinta o Zé Manel. Actualmente, é lá o melhor local para sentir os preliminares da festa. Quem vagueia pela ria, sabe-o.

 
A Regata de Moliceiros, a realizar no sábado, dia 28, depois de amanhã, já foi prevista com versões diferentes, integrada num evento de nome pomposo e sonante Ria de Aveiro-Weekend.2014. Não seria melhor aproveitar o espectáculo dos preparativos, que, por vezes, são o melhor da FESTA?
Nem temos dúvidas… sabe tão bem, de quando em vez, tirar o relógio e viver sem tempo, entre a natureza e o ser.
E lá fomos de mala aviada, a Etelvina e eu, de olhar expectante e máquinas à espreita, bordejar a ria e saboreá-la, refrescar os pés, em contacto directo com o agitar das águas, que sobem.
E o concurso de painéis, que, há dezenas de anos, esteve na base da organização da regata para entusiasmar os proprietários a mudar, anualmente, os painéis?
Foram repintados dois barcos, o do Zé Revesso e o do Zé Rito. Ao todo, oito painéis. Que pobreza franciscana!
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Há pessoas de boa vontade, há manobras, há barcos, há homens da ria verdadeiros, inseridos numa paisagem deslumbrante e envolvente!
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Mestre Zé Rito, no seu semblante simpático e risonho, ultima o seu moliceiro, que ficou para o fim, a que o Zé Manel e o pai finalizam a decoração.

 
Três gerações entreajudam-se e carenam três barcos, com uma facilidade impressionante, que nos deixam abismadas. São brinquedos nas mãos deles; precisam de uma limpeza no fundo e de uns pequenos retoques, que farão ainda, amanhã.
Mas esta geração está a acabar e não se vê muito quem a continue.

 
– Força, carago! Para cima, e apoiam-nos na toste (outra serventia), escorada.
Fogo, é pesado! – reclamam! Não soa bem assim, mas de forma idêntica.
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É este o verdadeiro espírito da ria.
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O Ti Zé Revesso, miúdo, magrote, de olho azul desbotado pelo sol, de pele engelhada, rugas vincadas, conhecedor dos segredos da ria, de calça arregaçada, comenta:
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– Esta semana tem sido um correr para aqui. Amanhã, de novo.
– Olhe, deixe lá, é bom. Enquanto estamos aqui… – retorqui.
Não estamos noutro lado – respondeu. Verdade lapalissiana.
Então, Sr. Revesso, que idade tem? No ano passado, pediu-me segredo, pois tinha só 37 anos. Percebi.
– Olhe, este ano, estou perto de fazer 3 quarteirões.
Mas enquanto por cá andar, o meu barco há-de ser pintado todos os anos, até poder.

 
E foi. E mostrou-mo enlevado, pintadinho de fresco, o A. RENDEIRO.
Está quase tão lindo comò donogracejou.
 


Disso se encarregou o Zé Manel, o conhecido pintor da ria, que a todos acode, agora auxiliado pelo pai.
Pouco depois das cinco horas – começava o adeus de Portugal ao Mundial – foram desandando e despedindo-se afectuosamente de nós.
Ficámos sós naquele espaço e cada uma saboreou-o à sua maneira.
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Sentada num passadiço, na borda-d’água, com os pés pousados num mastro deitado no areal, perdi-me na imensidão da paisagem.
O silêncio só era quebrado pelo marulhar das águas e a alteração da luz intensa, suave, mágica ia realçando os brancos dos casarios, por entre as serranias longínquas.


Esqueci-me do mundo, das crises, das maleitas, das corrupções, dos desempregos, dos exames e quejandos.
Semicerrava os olhos para ver se o que observava era mesmo verdade – barcos, água, céu, serranias…infinito! Até onde irá? Será o antónimo de finito? Medito…Reflicto…
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Bebia sofregamente a imensidão das águas de uma calmaria impressionante. A brisa sudoeste rodara e caíra, por completo.
Nem escrevinhar, nem fotografar me apetecia! Por melhor que fosse a objectiva não era suficiente para registar tanta beleza e tanta paz. Só sentidas!
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Para os tempos que correm, quatro moliceiros tradicionais juntos é uma mão cheia deles.
Ao longe, da esquerda para a direita, a policromia do cais dos pescadores, a Ponte da Varela riscada no céu, embranquecida pelo efeito do pôr-do-sol.

 
Não tínhamos vontade de regressar. A hora crepuscular obrigava-nos. Os barcos ali se aquietaram para nosso deleite, enquanto saboreávamos o fim de tarde lagunar, com fascínio. 
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Imagens – Recolhidas, hoje, pela autora do blogue
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À beira-ria, 26 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Regata de moliceiros - 2013 - Preparativos

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É sexta-feira, não 13. Mas dia 21. Era suposto ter começado o Verão. Uma nortada fresca! Eu estava inquieta e ansiosa…Pensava na anunciada Regata de Moliceiros, a realizar amanhã e domingo, já prevista com versões diferentes, integrada num evento de nome pomposo e sonante «Ria de Aveiro Weekend». Não seria melhor aproveitar o espectáculo dos preparativos, que, por vezes, são o melhor da FESTA?
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Não me contive. E eis-me a caminho da Torreira, praia do Monte Branco, junto ao Estaleiro-Museu, onde trabalha o Mestre Zé Rito. Actualmente, é lá o melhor local para sentir a véspera da festa. Quem vagueia pela ria, sabe-o.
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Há pessoas de boa vontade, há manobras, há barcos, inseridos numa paisagem deslumbrante e envolvente!
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Mestre Zé Rito, na sua fácies simpática e risonha, ultima o seu moliceiro, que ficou para o fim. Estava carenado. Três gerações entreajudam-se e colocam-no na posição normal, para ser aparelhado.
 

Carenado…

 
Oxalá que a geração mais nova se interesse pelas embarcações, que os mais velhos tanto prezam.
E três rapazotes conduzem o mastro do ZÉ RITO.
«Força, carago! Botem-no em cima do xarolo, para o poisar no traste, para o apontar na coicia».
Agora, vão os cabos.

É este o verdadeiro espírito da ria. O mestre, de plaina em punho, aguça o mastro na ponta, fá-lo passar pelo buraco do traste e, eis que, em uníssono, coadjuvado por outros, o enfia, com esforço, mas sabedoria, na dita coicia.
Está firme. Vai ser calçado e ajustado.
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Fogo, é pesado! – reclamam! Não soa bem assim, mas de forma idêntica.
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O Ti Zé Revesso, miúdo, magrote, de olho azul desbotado pelo sol, de pele engelhada, conhecedor, de calça arregaçada, lastima-se:
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– Será que bão deixar morrer tudo? Aquase metade dos barcos que bão correr amanhã, estão aqui.
– Olhe, diga-me, que idade tem? Está tão ligeiro e tem tanta força…
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– Digo só à Senhora, para os outros num oibirem. Tenho 37. Percebe? Isto dá saúdi. Bou todos os anos ao Canadá, mas, passados 15 dias, já estou doente. Mesmo que eu lá morra, quero bir para cá.
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O seu barco há-de ser pintado todos os anos, até poder. E foi. E mostra-mo enlevado, pintadinho de fresco, o A. RENDEIRO.
  

O Zé Manel e o pai ultimam…


Disso se encarregou O Zé Manel, o conhecido pintor da ria, que a todos acode. Mas, o tempo foi pouco. Pai e filho também o ajudam a finalizar as tarefas artísticas.
Perguntam-me a opinião e eu participo na conversa.


Proa de BB

Perdi-me na imensidão da paisagem.
Esqueci-me do mundo, das crises, das maleitas, dos exames e quejandos.
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Bebi sofregamente a imensidão do céu, salpicado por novelos de nuvens translúcidas, brancas e acinzentadas…
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Bebi sofregamente a imensidão da água agitada por um ventinho norte, bem puxado, que a «marola» …
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Fotografar, procurar o melhor ângulo, recolher informação, reunir o maior número de proas e de rés, em tão poucos barcos…foi minha intenção.
Para os tempos que correm, quatro moliceiros tradicionais juntos é uma mão cheia deles.
Que prazer! As águas que enchiam, no seu chape-chape, lamberam-me as botas.
Sentei-me num paneiro, na areia, à revessa, a secá-las.
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E a pensar…Não há objectivas, por mais potentes que sejam, que captem tanta beleza!
Ao longe, da esquerda para a direita, a policromia do cais dos pescadores, a Ponte da Varela riscada no céu, as serranias delineadas no horizonte, em que o casario longínquo sobressai, serviam de cenário a embarcações manobradas à vara, para se encaixarem e alindarem para a festa.
 

Encaixe de proas e rés…em manobra


Não tinha vontade de regressar. A hora crepuscular e o vento obrigaram-me. Desejei ser Raul Brandão, mas não fui bafejada com tais dotes descritivos e poéticos.

Grande GENTE e grandes BARCOS!!!!!!!!!!!!


Efeitos...
 
 
 

Imagens – Recolhidas, hoje, pela autora do blogue
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À beira-ria, 21 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Impressões sobre o «Amores de Ria»

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Do que gostei mesmo, ontem, na Costa Nova, alongada no sofá, ao ler a nova novela, foi que o livro Amores de Ria, com a sua capacidade de ficção, conseguiu fazer-me visualizar o que teria sido uma viagem de moliceiro com pai (arrais) e filho (moço) desde as Folsas do Boco, pelos anos 50 do século XX até Ovar, cais da Carregueira, onde fora descarregar umas pipas de vinho, que tinha embarcado no entreposto da Ponte de Fareja, o que, às vezes, também costumava ser tarefa de o moliceiro. O João da Vaca, como era conhecido, arrola, pormenorizadamente, todos os entrepostos do antigamente por onde passava, as obsoletas pontes até Ovar – o que o obrigava a arriar e a içar  vela e  mastro – e, depois, o retorno, de novo, até ao Bico da Murtosa, onde, pacatamente viviam a Cristina (sua querida mulher) e uma ranchada de filhotes pequenos. O Tonito, nos seus débeis 11 a 12 anitos, para auxílio da família, já era moço do pai, já tinha preocupações de homem feito.
 
Pressuponho que era a vida desse tempo, que também não vivi, mas de que tive «ecos nos olhares». O autor tem o perfeito conhecimento do vocabulário técnico da embarcação e seus aprestos, o que nem sempre acontece, da vida de bordo, das suas manobras, do que é apanhar uma maré de moliço, sem esquecer as rudes ementas desses parcos tempos, cozinhadas nas painas da proa, em tosca e negra panela de ferro, e dos sentimentos que perpassam no coração daquela gente – pai, mãe, Tonito, irmãos, irmãs, vizinhos, amigos. De volta a casa, encontrando a sua Cristina doente, como todo o homem de mar e ria, crente fervoroso, promete a oferta  de uma barriga de cera, à Senhora da Saúde, que estava próxima, se a sua cara mulher se curasse. E assim foi – deu-se o milagre – e a sua amada ficou boa. Mais um pretexto agradável para o autor nos recontar a festa, evocando uma romaria da Senhora da Saúde daqueles tempos, meados do século XX, com todas as privações e sacrifícios, mas belezas e satisfações a que tinha direito, num hino ao amor à família.
 
E são assim os Amores de Ria, entre um velejar de feição ou ziguezagueado, não sem evocar, de passagem, a arte da xávega, na Costa Nova, as marinhas da Malhada com a sua actividade dos barcos saleiros, bem como algumas bateiras de pesca com que se iam cruzando. Espero com este meu sincero «opinar» não tirar o interesse a futuros e possíveis leitores, mas sim despertá-lo ainda mais. Parabéns ao autor, sem esquecer a beleza e a propriedade das aguarelas, bem como da capa do livro, entre tons de verdes, azuis alilasados e róseos, que traduzem toda a magia da transformação da ria, pela paleta de Adélio Simões.

Sessão de autógrafos

 

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 3 de Junho de 2013

Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 22 de março de 2013

Abre hoje a Feira de Março

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Isto é só para lembrar… Para mim, a Feira de Março, apesar da vetustez dos seus 579 anos, já foi, já era. Já deu o que tinha a dar.
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Quando vinha de férias da Universidade, que agradável era ir até à Feira de Março! Era mesmo obrigatório experimentar as sensações dos divertimentos mais ousados, para a época – comboio-fantasma, cadeirinhas voadoras, poço da morte –, ir ao Circo, flanar, pavonear as toilettes já primaveris, almejar encontros agradáveis, flirtar, renovar as bijouterias, etc., etc.….
O ambiente favorecia a diversão!
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Mas porquê no Marintimidades, estas intimidades? Apesar dos meus verdes anos, os barcos moliceiros já não me eram indiferentes. E daí ficou a chapa que bati em 25 de Março de 1961. Não há dúvida que já atraíam as minhas atenções. Eis a prova.
 
 

Inauguração da Feira de Março – 1961

 
A ria, inspiradora e calma, espelhava a paisagem!
Estava um bonito dia primaveril! O Rossio é sempre o Rossio! Alimenta-se da água que bebe! Às vezes há umas excepções…
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Além do mais, era hábito os barcos moliceiros estarem presentes, por iniciativa dos arrais, movidos pela tradição, em razoável número, no Canal Central, para exibirem as suas elegantes formas e garridismo cromático. Com eles vinham, também, alguns mercantéis, mais pesadões, mas sempre pujantes senhores da Ria.
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Esta imagem deixa-me alguma saudade. Apesar de continuar a apreciar a beleza do Canal Central, algo mudou e, se calhar, não foi para melhor. Opiniões!...
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Com a Feira bem longe do Rossio, vamos a ver o que acontece, este ano, com a Festa da Ria, com os pouquíssimos moliceiros tradicionais que ainda restam. Aguardemos, pois, não estamos em tempo de milagres…
Leia mais no DA de hoje.
 
Fotografia – Arquivo pessoal da autora
 
Ílhavo, 22 de Março de 2013
 
Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Regata do S. Paio ... lá se cumpriu - 2012


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Ontem, domingo, a regata do S. Paio – 2012 não teve o brilho que tem tido nos derradeiros anos. Tudo se conjugou.
 
Barcos moliceiros de tamanho vernáculo, apenas se apresentaram oito, mais algumas amostras.
 
O tempo não ajudou e não saiu de um cinzentismo que envolveu o ambiente, sem grandes emoções e pouco vento.
 
O júri do concurso de painéis não esperou pelos moliceiros da zona sul (Costa Nova), que eram três, o Marnoto, Pardilhoense e o Inobador, a que uma neblina cerrada atrasou o andamento. Resultado – não assistimos.
 
A moldura humana não tinha o mesmo fervor do dia anterior.
 
Pairava no ar um forte pressentimento de que o moliceiro está a morrer de uma morte anunciada e velozmente concretizada. Será reversível? Parece-nos que não, apesar do empenho destes três, que vão animando a ria, frente à Costa Nova.

 

Passará, em breve, a sobreviver apenas como barco de museu, o moliceiro, e através dos registos escritos e videográficos que têm sido feitos sobre ele. Oxalá nos enganemos, mas os tempos não estão fáceis para nada.
 
A meio da regata, quando os lugares já quase pareciam estar definidos, eis que um estrondo seco nos assusta, já que seguíamos de perto a competição, em bateira, para  melhor  a fotografar e apreciar.
 
O que terá sido? O sonho do Zé Rito, homem multifacetado da ria, aguerrido e vencedor das últimas competições lagunares – regata de moliceiros, no Bico da Murtosa, regata de bateiras à vela e de chinchorros, ambas no dia anterior, na Torreira, esfumara-se. O esbelto e rijo mastro estalara, quebrara, ribombara, arrastando a grande vela, brandais e todos os outros aprestos necessários ao seu funcionamento. Nada de acidentes pessoais, apenas a aspiração ao prémio da regata maior, desfeita. Para o ano há mais… Haverá?
 
Sequência de imagens:

 
1.

 
2.

 
3.


Os auxílios foram rápidos e o Zé Rito, descoroçoado, rumou ao seu estaleiro, à borda d’ água. Substituir o mastro quebrado está nas suas mãos habilidosas de Mestre, apesar do trabalho e despesas.
 
A classificação final foi:
 
1º - Dos Netos – Arrais /Ti Abílio «Carteirista»
2º - Manuel Silva – Arrais/Zé Pedro
3º - A. Rendeiro – Arrais/Ti Zé Rebeço
4º - Pardilhoense – Arrais/Marco
5º - Inobador – Arrais/ Pedro Paião

 
Teve azar o avô Rito, mas ganhou o 2º prémio o neto, o Zé Pedro, de 12 anos, a lemar o Manuel Silva. Filho de peixe sabe nadar – diz o povo e com razão.
 
Felicitações aos vencedores e ânimo para enfrentarem as dificuldades e contribuírem com garra para a manutenção da tradição.

 
O sábado anterior da romaria, com programa muito intenso a que também assistimos e de que nos havemos de ocupar foi bem mais alegre, divertido, entusiasmante e sonhador.
 
Imagens – 1.Paulo Miguel Godinho, 2. Etelvina Almeida e 3. AML
 
Ílhavo, 10 de Setembro de 2012

 
Ana Maria Lopes
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