sábado, 31 de outubro de 2015

O meu «Bote de meia quilha»

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Os minuciosos trabalhos de miniaturas do amigo Marques da Silva andam um pouco atrasados no Marintimidades. Com a estadia dele, agora, pela Gafanha, vamos ver se lhe damos um avanço.
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Quando pensei dedicar algum tempo à construção de uma embarcação do Tejo, que na realidade já estava a fazer falta na minha vitrina, passei com calma no Museu de Marinha, para olhar com atenção aqueles lindíssimos modelos da Colecção Seixas, na sala da Marinha do Tejo.
Em anteriores visitas, já tinha observado o bote de meia quilha, mas agora com mais atenção, concluí que era este o eleito para me ajudar a passar algumas horas.
Além da notória beleza de formas, esta embarcação apresenta uma riqueza de decoração muito atractiva e variada, que logo me mostrou dificuldade, pois a pintura é para mim a fase mais difícil do modelismo.
Conversei com o Cmt. Ferdinando Simões acerca desta minha escolha, que logo aprovou, pois, para ele, esta embarcação era sem dúvida a mais representativa da bacia do Tejo. Como tinha em sua casa uma cópia dos respectivos planos de construção do Museu de Marinha, de imediato os colocou à minha disposição, o que foi muito bom.
Assim, só me faltava procurar o livro das «Embarcações do Tejo» do nosso saudoso Dr. Manuel Leitão, para começar a estudar e a delinear o início deste novo trabalho.
Fazer vegetais para retirar formas, traçar em cartolina as principais balizas, a roda de proa, o coral, o cadaste e o painel de popa, foi o meu trabalho, enquanto escolhia uma tábua boa para servir de base ao estaleiro.
Agora, era necessário preparar os picadeiros para assentar a quilha e os suportes que fixariam no seu lugar a roda de proa e o painel, quando estivessem prontos.
Madeira de limoeiro com curvas e ângulos apropriados a estas peças não me faltavam, porque sempre que faço a poda desta árvore, separo os ramos que entendo apropriados, que guardo a secar à sombra, para não abrirem fendas. Os mais direitos e lisos ficaram para as cintas, escoas, dormentes e tabuado principal. Os mais arredondados, para as cavernas e braços. Os mais fortes e de bom ângulo, deram para a roda e para os corais e cadaste.
Escolhida e desempenada uma boa peça para a quilha, cavei-lhe o alefriz e talhei a escarva para a roda de proa na extremidade de vante. Depois, preparei a roda de proa onde continuei o alefriz e talhei a escarva que a iria adaptar à quilha. Faltava agora armar o painel de popa e os seus respectivos cadaste e coral.
Posto isto, chegou a altura de fixar todas estas peças no estaleiro, bem alinhadas e desempenadas para começar a ter a noção da embarcação que estava a nascer.
Eu gosto de fazer assim os meus modelos e poder então recordar as horas que passava no estaleiro do Mestre Manuel Maria Mónica, vendo nascer os navios, que acompanhava até ao dia que iam para a água.
No «Dom Denis» fui eu a bordo, na companhia do falecido engenheiro Pascoal, o Manuelzinho, meu companheiro de brincadeira. Deixaram-nos estar no bico da proa a ver partir a garrafa e a cortar os cabos das bimbarras que seguravam o navio, que logo estremeceu e começou a descer pela sua carreira bem ensebada. Como é bom recordar estes momentos que ficaram tão bem guardados na minha memória.
Mas a construção do meu bote continuou e tal como era devido, primeiro foi para o lugar a caverna mestra com os seus quatro braços, seguida das que eram necessárias para fixar as armadouras.
Completadas as restantes cavernas, foram assentes os dormentes, a buçarda, as curvas do painel, as escoas, o banco do mastro e as quatro cintas. Assim, a estrutura ficou consolidada e pronta a receber o tabuado exterior e o convés, que, depois de assentes, esconderam todo o emaranhado da ossada, que aos meus olhos, me parecia ser a parte do modelo mais digna de observação.

Bote de meia quilha

Mas o meu bote de meia quilha tinha de ficar pronto, pintado e aparelhado e com todas as velas bem talhadas e entralhadas para poder assim, mostrar todos os seus direitos de linhagem.
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Era um parente próximo da rainha, a tão falada fragata do Tejo, e como ela, mostrava no bojo do seu fundo côncavo, o amassamento que caracteriza estes barcos e, nos costados, as resistentes quatro cintas. Contudo, esquecia o macarrão das amuras, que não lhe fazia falta, mas erguia e embelezava o capelo da roda e a cachola do leme. Afilava os delgados de vante e da popa e acrescentava um gurupés e uma giba que lhe davam um ar muito mais alegre, mais vistoso e mais ligeiro.
 
Bote de meia quilha, aproximado

Continuando a receber o carinho dos seus construtores, podia mostrar uma florida cara branca, com o nome bem visível, fachas de cores ao longo dos costados e uma antepara da popa decorada e alindada com gosto e a preceito.
 
Pormenor da cara de proa

Era sem dúvida uma boa embarcação para carga, mas que poderia com dignidade, transportar passageiros entre os portos das margens do Tejo.
Tal como nos meus anteriores modelos, apliquei nesta construção madeira de limoeiro na ossada e nas peças estruturais e de choupo no tabuado dos costados e do convés. Nas ferragens apliquei arame de cobre, no mastro e na verga madeira de tola e nos cabos e velas o algodão. Para as pinturas apliquei tintas normais e para os arranjos florais utilizei colagens.

Pormenor da antepara de ré e do bote auxiliar

Nesta construção segui os planos do Museu de Marinha:
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«II. C. b. T. 9.» BOTE DE MEIA QUILHA
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Escala 1/ 25
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Março de 1941
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Caxias, 19.6.2015

António Marques da Silva
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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Entrevistando o Capitão do «Ilhavense I». 2

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(Cont.)
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– Houve salvados?
– Quando saltei para o meu dóri, levava comigo todos os livros e documentos de bordo, incluindo dois diários do piloto, mas o meu dóri foi ao fundo, sendo eu salvo nessa ocasião, por outro dóri que veio em meu auxílio, perdendo-se os livros e os documentos.
– Depois…
– Às três horas da manhã, como visse que já nada se podia fazer, para salvamento do navio, mandei remar para terra, em busca de local para desembarque
– Que foi…?
– Perto de uma povoação chamada Saint Shotts.
– Não voltaram ao navio?
– Voltámos por um cabo de vaivém que se estabeleceu de terra para o barco.
– E fizeram, então, alguns salvados?
– Apenas alguma roupa dos tripulantes e alguns objectos de insignificante alor, pois o navio já estava raso de água e impossibilitava, em absoluto, os trabalhos de salvação. Vendo que nada mais se podia ali fazer, voltámos a terra e fomos, então, em busca das autoridades. De Saint Shotts, comuniquei para Trepassey, povoação distante daquela cerca de vinte milhas. Telegrafou-se para o cônsul de Portugal em Saint John’s, Sr. João José Denis.
– O local onde encalharam é de boa navegação?
– Não. Até lhe chamam o cemitério dos navios. Dias antes de nós, naufragou um vapor inglês, que ainda lá vimos, morrendo toda a tripulação. Contam-se já perto de vinte, os barcos encalhados.
– Passaram muitas torturas?
– Muitas torturas e muita fome. Saint Shotts é uma povoação pequena, com cerca de 20 habitantes e onde não há recursos de espécie alguma. Havia de ser uma hora da tarde quando, extenuados, nos desjejuámos com uma chávena de chá.
– As autoridades fizeram-se demorar?
– Só passadas algumas horas depois que telegrafei é que chegaram ao local do sinistro o Juiz de Trepassey, o oficial da Alfândega e um polícia.
– E o nosso cônsul?
– Telegrafou imediatamente ao Juiz de Trepassey, pedindo que nos fossem dados imediatos socorros. Também o nosso conterrâneo Sr. Copérnico da Rocha* foi incansável e dispôs tudo para que nada nos faltasse. Fomos transportados para Trepassey em pequenos carros, por caminhos perigosíssimos, tendo ficado no local do naufrágio um polícia de guarda ao navio e aos salvados. De chegada a Trepassey, também lá estava o cônsul de Saint Jonh’s.
– Que providências tomou o cônsul?
– Averiguados todos os detalhes do naufrágio, e informado de que nada mais se podia fazer e vendo que os marinheiros estavam passando as piores privações, dormindo no soalho de uma sala e cheios de cansaço e fome e tendo ido ao local do sinistro comigo, com o piloto e autoridades verificaram a situação e posição do navio, ordenou, então, a nossa partida para Saint John’s, onde embarcámos a bordo do paquete «Nova Scotia» que nos transportou ao Havre, tomando neste ponto o vapor «Pancras», que nos desembarcou em Leixões.
– Vieram todos?
– Vieram 23 homens. Os restantes 5, em cujo número se contam o piloto, Sr. José Fernandes Matias de Melo e o contramestre Sr. Joaquim Fernandes Serrão, devem estar a chegar a bordo do vapor «Catalina»
– Quantos homens eram de Ílhavo?
– Seis. E outros tantos da Gafanha. Os restantes eram da Nazaré, da Figueira e do Algarve.
E o nosso entrevistado, sem dar mostras de aborrecimentos pelas nossas constantes e contínuas interrogações, cerrou neste momento os olhos.
Calámo-nos. Naquele instante, devia passar-lhe pela mente a recordação de um sonho feito saudade, evocando as horas tormentosas do naufrágio em que correndo da proa à popa, gritava aos seus homens:
– Coragem, marinheiros!
Antes fosse um sonho!
Mas, infelizmente, a perda do «Ilhavense I» fora uma dura e cruel realidade!
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Degustem esta entrevista levada a cabo há 86 anos, tal como eu a saboreei, apesar de todo o seu dramatismo.
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*Ainda conheci o Sr. Copérnico Rocha e sua Esposa, quando vinha a Ílhavo, irmão de Conceição e Rosa Rocha, tio de Maria da Conceição Rocha Mano e de José (Zeca) Mano.
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Costa Nova, 19 de Setembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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domingo, 25 de outubro de 2015

Entrevistando o Capitão do «Ilhavense I» 1

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As causas do sinistro – Uma tripulação inteira em riscos de perder a vida – O cemitério dos navios – Horas de tortura e de fome – Uma saudade e um sonho – Coragem, marinheiros!
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Ao respigar Ilhavenses antigos, por outro assunto, passou-me pelas mãos no de 25/8/1929, esta entrevista que me interessou, ao Capitão do «Ilhavense I».
 
Lugre «Ilhavense I» (foto cedida por Reinaldo Delgado).

Catando-a, (…) Homem experimentado nas lides do mar, o nosso amigo Sr. João André Alão era o capitão, há já alguns anos, do lugre «Ilhavense I», naufragado no dia 15 de Julho passado nos Bancos da Terra Nova.
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Chegado a Ílhavo na terça-feira pretérita, era nosso dever ouvi-lo sobre o sinistro que causou a perda do barco do seu comando que em 11 de maio havia deixado o porto de Lisboa, impelido pela leve brisa que no tope dos seus mastros cantava a canção dolente que aprendera ao roçar no dorso das vagas – brisa cantante e benéfica a cujo sopro adormecem os nautas portugueses, os nautas da nossa terra, cheiinhos de sonhos e de saudades, sonhos que são uma vida, saudades que são consolo para as suas almas de lutadores nevróticos.
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À sua casinha da rua Direita nos dirigimos, pois, na manhã escaldante de 5ª feira.
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E, em frente do arrojado marinheiro, de rosto tisnado e magrizela, ali nos dispusemos à entrevista, rápida, instantânea:
– Em que dia haviam chegado ao Banco?
– No dia 12 de Junho.
– Tinham, portanto…
– Já tínhamos perto de 500 quintais a bordo.
– E porque levantaram ferro?
– Porque o peixe falhou.
– Em que posição estavam?
– A 46 º 11, 6 de latitude N e 57 º 3’ de latitude W.
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– E navegaram…
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– Com rumo SE 4 E com destino aos bancos de «Virgin Rocks».
– Aquela posição…
– Era em Saint Pierre, donde levantámos às seis horas.
– O tempo…
– Vento regular de W.S.W., mar de pequena vaga, atmosfera e horizonte empoalhado.
– A que atribui o sinistro?
– A névoa cerrada que apareceu cerca das dezanove horas e a um desvio de agulha, duas coisas frequentíssimas naquelas paragens.
– Houve falta de precauções?
– Não senhor; flutuávamos de acordo com as exigências de flutuação em tais casos.
– Queira contar-nos o que foi esse momento tremendo?
– Devia ser uma hora da madrugada quando fomos surpreendidos pelos gritos das vigias, anunciando terra na proa. Sentindo o perigo iminente, imediatamente mandei arribar. O barco rodou, mas a popa bateu no rochedo. Mandei largar ferro. O navio estava encalhado de popa à proa, rebentando grandes mares no convés.
– Havia possibilidades de salvar o navio?
– Não. Só havia a possibilidade de salvar a tripulação, que ali estava toda em riscos de perder a vida. Por isso, mandei proceder ao imediato desembarque.
– Que se fez…?
– Com grandes sacrifícios e enormes dificuldades. Foram arriados doze dóris, em que se recolheram todos os tripulantes, tendo eu deixado o navio somente depois de verificar que mais ninguém estava a bordo.
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(Cont.)
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Costa Nova, 19 de Setembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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domingo, 11 de outubro de 2015

Cenas litorâneas - Buarcos

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A minha mente está recheada de belas cenas litorâneas – algumas, muitas, dei-as ao prelo em livros, e, mais tarde, no blogue Marintimidades. Outras há que não tiveram essa sorte e ainda não foram contadas, narradas, exibidas, retratadas por palavras ou imagens.
É o caso desta, passada em Buarcos, pelos anos oitenta que sempre me deixa saudades, pela vida que ornamentava o nosso litoral. Menos meios, vida mais precária, mas mais riqueza e beleza antropológica e etnológica.
Chegada a Buarcos, à procura do dito bote de Buarcos, à volta do primeiro decénio deste século, o desânimo invadiu-me. O que é feito dos botes que daqui saíam para o mar de uma forma encantadora? Seduziu-me este recanto, pelos anos oitenta, noutra investida remota de inquirições.
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Areia deserta, mar deserto, ninguém na praia, sequer, a quem perguntar.
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Nos anos sessenta em Buarcos, o bote tinha «grosso modo» a silhueta dos botes do bacalhau. E não é por acaso que isto acontece. Desaparecidos gradualmente os navios de pesca à linha do bacalhau, os dóris ou botes, construídos nas carpintarias das empresas por hábeis carpinteiros, foram perdendo a razão de existir. Construção simples permitia que em alguns pormenores não fossem totalmente iguais, mas as suas dimensões principais geralmente eram respeitadas: 5,30 metros de comprimento, 1,50 m. de boca e 0,60 m. de pontal. Alguns museus marítimos exibem-nos com orgulho, como o da Póvoa de Varzim, o de Ílhavo e o Museu de Marinha, em Lisboa.
Em algumas das localidades que forneceram homens para a pesca do bacalhau (Costa Nova, Gafanhas, Cova/Gala e outras), foram transferidos alguns para a pesca local, sofrendo algumas modificações.  

Na Costa Nova, na apanha do crico. Anos 80

Aos poucos, foram abandonando o tabuado trincado, recebendo à popa um banco em U, e passaram a ter bancos fixos, ganhando castelo de proa fechado por portinhola e popa, mais larga, com um pequeno motor.
Pelos anos 80, a silhueta do bote foi abrindo, pois as águas a que se destinava não eram as mesmas e o comprimento também excedeu os 5 metros.

À espera e à conversa, na praia…Anos 80

Em Buarcos, assistimos ao encalhe do último bote daquele dia, puxado por uma junta de bois que todos os dias se dirigia à praia com aquela finalidade. A dona da junta fazia este trabalho há 40 anos, desde que se casara em Buarcos e recordou a existência de grandes bateiras (maiores que os botes) e de lanchas poveiras (ainda muito maiores).

Junta de bois a varar o bote, em Buarcos. Anos 80

O bote era utilizado para a rede de um pano para a faneca, para o tresmalho (rede de três panos) para o linguado, sargo, robalo, etc., para o aparelho a que chamavam troles com muito inzóis, para a linha de mão para o safio e para os cofos.
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Que encanto! Como vemos, a venda do peixe era feita na praia directamente aos banhistas, colaborando a mulher com o marido na separação do peixe e sua pesagem.

O peixeiro a pesar… Anos 80

Em 2005, a visita ao local foi desmotivante. Apenas um bote para amostra, de 6 metros de comprimento, 2 m. de boca e 0,60 m. de pontal, em madeira, anódino,  e mesmo assim, protegido e coberto,  fora de uso, porque pertencera a um ex-pescador de 84 anos, já bastante doente.
Este local tornou-se muito perigoso e «tudo desistiu, não há autorização» – informaram-me.
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– A Senhora encontrará alguns botes no porto de abrigo da Cova-Gala – e lá fui, meia murcha, observá-los, com saudades da algazarra, movimento e alarido do areal, pelo menos dos anos 80.
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Vi bastantes, de cores alegres, quase todos de madeira e muito poucos revestidos a fibra. Actualmente, são usados na pesca, no rio.
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Botes usados no rio. Porto de abrigo da Cova-Gala. 2006

Por estas e por outras, tenho a mente cheia de belas cenas litorâneas, que passaram ao lado da maioria das gentes.
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Imagens – Da autora do blogue
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Ílhavo,11 de Outubro de 2015
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Ana Maria Lopes
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domingo, 4 de outubro de 2015

Vamos à romaria da Senhora das Areias! - 2015


Em dia de reflexão, nada como moliceirar até à Senhora das Areias, em São Jacinto, de véspera «como os gaiteiros».
Sendo impossível fazê-lo no domingo, devido ao dever cívico que todos sabemos, e à trabuzana anunciada, optámos pelo sábado.
Outra perspectiva da romaria. Porque não? Preparativos do principal dia festivo, com eucaristia dominical e procissão em que o ponto alto será o encontro dos andores da Senhora das Areias e da Senhora do Ar, na marginal junto à ria e próximo da base militar (RI 10).
À partida, no Oudinot, uma calmaria pungente, «nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do jardim». Um sol envergonhado, em céu acinzentado, espreitava, aquecendo-nos os corpos e libertando-nos a mente, em sábado outoniço, verdadeiramente setembrino.
O SÃO SALVADOR, espera-nos aquietado, no seu poiso habitual, espelhado e vaidoso.

O São Salvador nem acredita…

Passadas a zona do Forte, do Farol, da entrada da barra, do Triângulo (cenários sempre imperdíveis), eis-nos perto de S. Jacinto com bons encontros, embarcações exuberantes ou típicas e encantadoras, que nos cativam.

Embarcação do Norte da Europa 

Antes do almoço, o nosso objectivo, hoje, para além do prazer de navegar, era visitar as barracas de romaria e a secular capelinha hexagonal da Senhora das Areias, podendo assistir aos enfeites dos andores, com o brio e a fé que caracterizam «aquelas gentes».
Nem «um barco do mar» em estrado apropriado faltará na procissão, para recordar os tempos em que «a arte de xávega» se praticou naquela praia, antes de se estabelecer na Costa Nova do Prado, depois de se ter fixado a abertura definitiva da barra, em 1808.

Foto de arquivo (2014)

«Ògada» pelas tendas que já não existem há uns bons anos na Senhora da Saúde, toca de fazer algumas compras sazonais características – um guarda-chuva para os invernos tempestuosos que nos têm assolado, cutelarias e una atoalhados garridos para as cozinhas.
Outras barracas de frutos secos, de doçaria regional – suspiros, suspirinhos, raivas, cavacas, bolinhos de gema, beijinhos, regueifas -, de brinquedos e de calçado típico, também nos prenderam o olhar!

Tamancaria portuguesa

Depois de uma grelhada variada num restaurante da frente ria, em cordial convívio, fomo-nos deixando ficar um bocado, «em suave remanso», pela nova margem de S. Jacinto, a saboreara a beleza e a doçura lagunares, sob um calorzinho tépido, sonarento e convidativo ao sonho.
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Meninos e meninas, deixem-se de mazanzices e toca a despertar. São horas da partida – ousou o arrais.
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No regresso, um sol anémico espelhava-se na laguna, por entre nuvens acinzentadas, deixando-a chumbada de prata, num efeito agridoce e envolvente.

Ria chumbada de prata brilhante

O nosso arrais havia-nos preparado uma surpresa e, ultrapassada a Meia-laranja, aproou o SÃO SALVADOR à Praia Velha da Barra.
Uns ocupantes saltaram para a água, outros banharam-se, outros foram ao Café Farol comprar umas «minis»…

Que belo cenário!...

Não é todos os dias que se aprecia esta paisagem, local histórico que foi palco de prantos e de alegrias com naufrágios, entradas e saídas de navios, lembrando, sobretudo, as campanhas do bacalhau, nas suas chegadas e despedidas de navios e tripulações.
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Imagens – Da autora do blogue
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Ílhavo, 4 de Outubro de 2015
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Ana Maria Lopes
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