domingo, 28 de maio de 2017

Na Escola Primária da Gafanha da Encarnação

-
A propósito de um escrito de Senos da Fonseca, no FB, relativo à Gafanha da Gramata, depois da Maluca e, por fim da Encarnação – veio-me à cabeça um capítulo da minha vida escolar em que também tem lugar a Escola Primária da Gafanha da Encarnação.
Vou para a Costa Nova desde que nasci, sempre para a mesma casa.

O bonito palheiro…

Antes de ter a arquitectura actual, era um bonito palheiro de rés-do-chão em adobe, com varanda, o terceiro da Calçada Arrais Ançã (lado sul), a partir do actual Largo da Marisqueira, de onde se usufrui uma paisagem inebriante e mutante, de dia e de noite, ao amanhecer e ao entardecer. Era esta a vista da minha casa, até 1973, inserida num horizonte sem fim.
 
Mota actual – 1942
 
Com o aterro parcial da laguna (seria necessário?), foi-me roubada.
Costa-Nova dos meus encantos!!!!! Adeus bateira Namy atracada ao moirão multicolor, em frente a casa! Adeus serventia do embarcadouro da barca! Adeus travessia para a «Bruxa». Adeus pesca ao caranguejo da muralha com fio, pedra ou concha e uma lasquita de bacalhau! Também passaram à história as belíssimas atracações da barca, ao perto, em dias de nortada ou de inverno, com marola forte e vento rijo, não sei se à Labareda nem se não. Mas lá que eram bonitas, certeiras e arrojadas, eram.

Era este o cenário em 1973…

Mas, voltando à história, frequentei a 1ª e 3ª classes da Escola Primária, nesta linda praia, entre ria e mar situada.
Foi minha professora a Senhora D. Palmira, de quem guardo gratas recordações, bem como de algumas colegas que ainda hoje reconheço.
O «lugar» para a Escola Primária que frequentei foi criado em 1930, na então Avenida Boa-Vista, a norte.
Um belo dia, a Senhora Professora informou a minha Mãe que eu, com 5 anos, chegava demasiado cedo à escola. Gostava sempre, antes das aulas de ir ver o mar. Vem de longe, esta tendência…
Chegado o final do ano lectivo de 1950-51, o exame da 3ª classe estava à porta. O meu primeiro exame. E onde fazê-lo? Tinha de ser na Escola da Gafanha da Encarnação
Sempre que lá passo, me lembro.
 
Escola da Gafanha da Encarnação em 1959

Claro, tínhamos que ir de barca, à vara, tão calmo estava o dia de Julho, e, a pé, até à escola. Vestido novo… toda enfeitada.
Uma nova escola, novos professores, novo ambiente…algum nervosismo.
O texto que me saiu em sorte foi «A libelinha e as folhas de nenúfar». Correu bem e, no final, bom resultado.
Voltámos. A minha Mãe e Avó esperavam-me…com ansiedade. A sua menina a chegar do primeiro exame… e de barca!!! Quem se gaba do mesmo?
Um pequeno percalço, no regresso: escorregou-me um lápis novinho em folha, costado abaixo e enfiou-se debaixo dos pesadões paneiros da embarcação.
Por mais que pedisse, lamuriosa, ao barqueiro, ele não se compadeceu da minha pena. Será que um insignificante lápis merecia o trabalhão de levantar um ou dois paneiros da grande barca?... Lá ficou, mas não me esqueci…

O que interessava é que estava na 4ª classe, com as férias à porta…
-
Mota – Cliché João Telles
-
Restantes fotografias – Arquivo pessoal da autora
-
Ílhavo, 28 de Maio de 2017
-
Ana Maria Lopes
-

domingo, 14 de maio de 2017

Homens do Mar - David Càlão Marques - 33


-
Capitão David Marques, a bordo do Inácio Cunha-
---------
David Càlão Marques nasceu em Ílhavo a 20 Agosto de 1926, sendo um dos filhos de uma descendência de oito irmãos, dos quais três rapazes, todos oficiais da Marinha Mercante. O mais novo, António Samuel, por doença, nunca chegou a embarcar. Do lado dos pais, Nazaré Correia e António Marques (a que já nos referimos), existia uma vasta tradição familiar de ocupações ligadas ao mar. Era irmão mais velho do saudoso Capitão Chico Marques.
No ano de 1948, terminou o Curso de Pilotagem da Escola Náutica, tendo sido portador da cédula marítima nº 43600, passada na Capitania do Porto de Lisboa em 8 de Agosto de 1947.
Do casamento com Maria Luísa Maia Batel, nasceram dois filhos, o João David, oficial da Marinha Mercante e Francisco Jorge Batel Marques, ambos, como eu, bisnetos da arraisa Càloa. O efeito das gerações ainda se fazia sentir, em Ílhavo.
Só mesmo o mar, dados os antecedentes familiares, podia ser o seu destino profissional.
David Marques iniciou a pesca ao bacalhau, na campanha de 1948, como piloto do arrastão Senhora das Candeias, sob o comando de José Gonçalves Vilão, tendo como imediato Manuel Santos Marnoto Praia, de Ílhavo. Fora a estreia do arrastão.
O Senhora das Candeias foi mandado construir pela Empresa de Pesca de Viana nos Estaleiros Navais da mesma cidade.
 
O arrastão Senhora das Candeias
-
Nas safras de 1949 a 54, estreou-se na pesca à linha, durante seis viagens, como imediato do navio-motor, de madeira, Capitão Ferreira, sob o comando de seu pai, Capitão António Marques.
Foram seus pilotos, Mário dos Reis Maurício, de Lisboa (49), Fernando Esteves Águas, da Figueira da Foz (50 e 51), César Augusto dos Santos Oliveira, residente, que foi, em Vagos (52 e 53) e Samuel Pinto Borges, da Figueira da Foz (54).

O navio-motor, da praça da Figueira da Foz, fora mandado construir para Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, em 1945.
 
O navio-motor, de madeira, Capitão Ferreira, em 1946
-
Na campanha seguinte, a de 1955, estava na altura de mudar de navio e estreou-se como capitão do lugre-motor Brites, pertença da empresa Brites & Vaz, Lda., da Praça de Aveiro. Foi seu imediato António Simanta Carvalho, de Beja.
-
O lugre-motor Brites, nos anos 60
-
Os capitães tinham por hábito, de quando em vez, visitarem-se nos navios que comandavam. Eis uma chapa de quatro capitães de Ílhavo de uma geração mais recente – Elmano Pio da Maia Ramos, capitão do Hortense, David Marques, capitão do Brites, Francisco Correia Marques, capitão do Adélia Maria e João Fernandes Matias, capitão do Gazela Primeiro.
 -
A bordo do Gazela, em 1955
-
David Marques, no ano de 1956, retomou o navio-motor, Capitão Ferreira, mas, desta vez, ascendendo ao cargo de capitão. Foi seu imediato o nosso patrício António Tomé da Rocha Santos.
Por motivo de doença e de uma intervenção cirúrgica, no ano de 1957, não foi à pesca.
E de viagem em viagem e de navio em navio, em várias «empostas», o Capitão David, na campanha de 1958, estreou o navio-motor, de aço, Rio Alfusqueiro, em que fez duas viagens de capitão, tendo tido como imediatos, Manuel Paulo Pinto Nunes Guerra (58) e Francisco Manuel Mendes Calão, em 59, e como pilotos, Francisco Manuel Mendes Calão (58) e António Brito Vida Branco, de Soza (59). O Rio Alfusqueiro fora construído para a EPA, nos, à época, Estaleiros de São Jacinto.
-
O navio-motor Rio Alfusqueiro, em dia de bota-abaixo. 1958
-
Na campanha de 1960, mudou de rumo e de rota, tendo ido para a pesca do Cabo Branco. Fez algumas cadeiras do Curso Complementar (Curso de Capitão), que concluiu no princípio de 1961.
 --
Nas campanhas de 1961 e 62, transferira-se para a Empresa Testa & Cunhas, Lda., onde assentara arraiais. Começara por exercer o cargo de capitão do navio-motor de madeira, Inácio Cunha, construído em 1945, pelo Mestre Manuel Maria Bolais Mónica. Foram seus imediatos, António Brito Vida Branco, de Soza (61) e Adolfo Francisco da Maia, de Ílhavo, (62).
 
A bordo do Inácio Cunha… 1961
-
No ano de 1962, o Capitão David Marques declarou à empresa 11 162 quintais de bacalhau, de acordo com o seu diário de pesca, pelo que o navio abandonou o pesqueiro e chegou a Aveiro, sobrecarregado, pondo em perigo o navio, a sua carga, seus pertences e vidas humanas.
O que se fazia por mais uns quilitos de bacalhau, para ganhar a vida!!!!
 -
À chegada à Gafanha da Nazaré, bem no fundo… 1962
-
O Capitão David, de 1963 a 1971, durante nove anos, comandou o meu idolatrado afilhado, que me deu tantas alegrias – o navio-motor de madeira, cujo bota-abaixo foi na Gafanha da Nazaré, em Março de 1956 – o São Jorge.
 
Belos e variados pormenores da ponte e convés deste navio…
-
Enquanto esteve à sua frente, teve como oficiais, os imediatos, Joaquim Pereira Fernandes (1963) e João Guilherme da Silva Ferreira (64 a 66), da Gafanha da Nazaré, Mário Paulo do Bem, de Ílhavo, em 1967 e 68, Mário Manuel Gamelas Santana (69), residente em Aveiro e João Isidoro de Jesus Martins (1970 e 71), também de Ílhavo.
No ano de 1972, conheceu outros climas, fazendo uma viagem a Angola no navio-cisterna Porto de Aveiro, com um carregamento de vinho tinto a granel, embarcado na Gafanha da Nazaré. Também fez a viagem de imediato no Gil Eannes, com o Comandante António Manuel Papão Chinita. O ano de 1973 fora o da última viagem do navio-hospital, na assistência à frota bacalhoeira.
David Marques, ainda na campanha de 1973, voltou ao Capitão Ferreira, já transformado para navio de redes de emalhar com lanchas, tendo tido como imediato José Boavida de Carvalho Mesquita, de Lisboa.
Em 1973/74, foi capitão do navio porta-contentores Eco Tejo, com o imediato Manuel Luiz Chuva Machado dos Santos, de Ílhavo.
Começou a vida profissional com o avô, Capitão Manuel Santos Marnoto Praia e acabou com a companhia do neto, Manuel Luiz Chuva Machado dos Santos.
O tempo corre, corre, corridinho e cada um sente as suas corridas e as faltas dos seus. Em 25 de Abril de 1974, prematuramente, com 47 anos, partiu sem regresso, com 25 anos de mar. Ainda dizem que se morre muito no mar… Morre, pois morre, mas morre-se sobretudo, quando e onde se tem o destino marcado.
-
Imagens – Meu arquivo pessoal
--
Ílhavo, 10 de Dezembro de 2016
--
Ana Maria Lopes