sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Argus regressa a Ílhavo



É a grande notícia desde ontem nos media, embora já transparecesse há uns tempos. Hoje, é a grande novidade dos blogs de tema marítimo. De alguma maneira, repetem-se, mas não querem deixar de “passar” a novidade. Agitou os interessados, atiçou curiosidades, despertou emoções.

A todo o pano – Finais dos anos 40


O histórico lugre Argus, construído na Holanda há setenta anos (1939 - 2009), foi comprado em 22 de Janeiro passado, em leilão, no porto de Aruba, pela Empresa Pascoal & Filhos, sediada na Gafanha da Nazaré, Ílhavo. Parabéns, pois, aos novos proprietários, pelo seu espírito arrojado e empreendedor. Muitas felicidades!!!

À saída de Lisboafoto do Capitão Almeida

Aquele que foi um dos mais emblemáticos navios bacalhoeiros portugueses, o Argus, deverá, em breve, regressar a Portugal, depois de ter estado cerca de 30 anos nas Caraíbas ao serviço do turismo marítimo, com o nome de Polynesia II. O veleiro, que ficou imortalizado no documentário e livro A Campanha do Argus, da autoria de Alan Villiers, virá fazer companhia ao também histórico lugre Santa Maria Manuela, da mesma Empresa, em adiantado projecto de recuperação.

O Polynesia II, em cruzeiro

O Argus foi palco fundamental da pesca à linha do bacalhau até 1970, acabando por ser vendido para o estrangeiro em 1974, tal como aconteceu, em 1971, com o Gazela Primeiro. Com esta aquisição do Argus por uma firma nacional, a memória da epopeia dos portugueses na pesca do bacalhau – em especial, a da Faina Maior, feita nos pequenos dóris por um só homem – pode-rá, a médio prazo, ganhar um novo testemunho vivo, bem junto a nós, ilhavenses, que tanto lhe demos.

O Argus, 1939, com o casco cor sangue de boi

Os novos armadores do navio contam a história pormenorizada da aquisição no site THE NEW QUEST FOR THE SCHOONER ARGUS.
Saiba mais, pois, aqui.


Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 27 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O Primeiro Navegante




Em Agosto, prometi voltar a este navio e cá estou. Sempre que encontro novas imagens do naufrágio, a motivação aumenta.

O lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa Ribaus & Vilarinhos, Lda.
Lugre sólido e elegante, media 44,17 metros de comprimento, entre perpendiculares, 10,13 m. de boca e 5,13 de pontal; tinha uma tonelagem bruta de 482,77 toneladas e líquida, de 329,23, capacidade para 12 000 quintais de bacalhau e albergava uma tripulação de 56 homens e 53 dóris.


O Primeiro Navegante



Curiosamente, o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo, coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, Dom Deniz.
Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o Primeiro Navegante começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.

Se a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.


Depois de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de João Maria Vilarinho (1940 a 1942 e 1945), José Simões Ré (1943), José Maria Vilarinho (1944), chegou o regresso fatídico de 1946, de novo com José Maria Vilarinho, segundo informação das fichas do GANPB. Também zoou, na altura, que o irmão João poderá ter feito apenas a viagem de Leixões para cá.

Prestes a encalhar…


A 14 de Outubro, o Primeiro Navegante entrara em Leixões, para aliviar 3 000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.

No dia 24 do referido mês, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o Lousado, o Navegante II, o Ilhavense II, o Santa Mafalda, o Maria das Flores, o António Ribau e o Viriato. Vinha o Maria das Flores, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao Primeiro Navegante, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão.

Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o Primeiro Navegante, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.


Irremediável naufrágio


Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.

Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível. Até parece – quem sabe, sabe – que o motor foi reaproveitado para o Adélia Maria (seria segredo?).

Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar consegue fazer.

Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade.


Últimos destroços…



Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 26 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Encalhes na barra de Aveiro


Ao saber-me na senda de naufrágios, pessoa amiga fez-me chegar estas duas notícias, do início do século XX. Por se referirem a naufrágios ocorridos na barra de Aveiro, edito e divulgo.

Quando no Domingo de manhã, dia 21 de Abril, saía a barra do porto da cidade de Aveiro, o iate Modelo da praça do Porto, com um importante carregamento de sal e em derrota para aquela cidade, rebocado pelo vapor Alice, sucedeu partir-se o cabo, e inclinando o navio para o Cabedelo do Sul da barra, veio cair sobre a areia, achando-se totalmente perdido, assim como a carga, que estava coberta pelo seguro.
Devido à quebra da espia e ter-se envolvido esta no hélice, esteve também em grave risco o rebocador, acudindo-lhe a catraia dos pilotos, que conseguiu trazê-lo para dentro da barra onde fundeou. Não houve vítimas algumas.


[Notícia publicada no jornal Progresso de Aveiro, de 25 de Abril de 1907]


Naufragou na barra de Aveiro a chalupa D. Maria, da praça do Porto, para onde se dirigia com carga de sal, de conta do negociante de Ílhavo Sr. José Teiga.
O D. Maria foi ainda até ao espalhado para sair, mas como o mar embravecesse, voltou para dentro. Antes, porém, de chegar ao ancoradouro, um desarranjo no leme fez desgovernar o navio, que foi cair num baixo de areia do lado Norte, abrindo logo água e começando de imediato a inutilizar a carga, que se perdeu por completo. Sem esperanças de salvar o casco, a tripulação começou removendo o massame, velas, correntes, etc., que se acham em terra. O navio conserva-se ainda inteiro, porque está ao abrigo do embate das ondas, pelo que se pensa poder recuperá-lo. O D. Maria foi propriedade do conhecido e falecido armador de Ílhavo Sr. Manuel Machado e viajava então com o nome de "Machado 1º".
Perto do sítio onde agora naufragou, o navio sofreu há três anos igual sinistro, conseguindo-se todavia pô-lo a flutuar, passando depois à propriedade do Sr. José Teiga. Este Sr. só dispunha agora de uma terça parte, sendo as restantes duas terças partes da firma do Porto José Dias Pimenta & Cª. Nem o navio nem a carga estavam seguros. O D. Maria que se achava tombado foi ontem à tarde posto direito, à força de espias, lançadas pelo lado da costa de São Jacinto. Parece que se pode considerar salvo, embora seja grande o volume de água que se encontra no porão.

[Notícia publicada no jornal Progresso de Aveiro de 21 de Março de 1908]

Ílhavo, 23 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A Costa-Nova em Fotoselos - I



Na décima sexta carteira da colecção de Fotoselos da Rotep, publicada em Julho de 1962, foram contemplados vários locais pertencentes a Ílhavo e ao seu concelho.
Por acaso, sabe o que é um fotoselo?

Deve saber. Mas, se não souber, não é difícil descobrir. A palavra é concludente – pedacinho de papel impresso, no formato de 8,4 x 6,8 cms., que, nem é selo nem fotografia. Era coleccionável, publicitário, enfim, era uma recordação ou um souvenir, como refere a própria carteira, que protege o conjunto dos doze (ou vinte) fotoselos.

Podíamos colar um em cada carta que escrevêssemos, coleccioná-los em álbum próprio ou simplesmente mostrar Portugal aos nossos filhos – dão-nos estas sugestões.

Curioso não é? Reporta-nos a outros tempos. Comparemo-los com os actuais meios publicitários e de comunicação.

A colecção da “nossa terra” exibia uma Vista Parcial de Ílhavo, o Estádio Municipal e Jardim Infantil, as Torres da Igreja Matriz, a Ponte de Juncalancho, a Capela da Vista Alegre, o Trajo de Tricana, um barco na Ria, a Praia do Farol, os Estaleiros da Gafanha e três dedicados à Costa-Nova, pelos vistos, merecedora de tal propaganda.
Esta carteira com 12 fotoselos tinha o custo de 4$50, com opções a preto ou sépia.
Por hoje, vamos saborear os da Costa-Nova, linda praia…

Quadro de Dias Sanches


Quadro de Eduarda Lapa


Costa-Nova


Quem imprimiu este fotoselo, não conhecia a Costa-Nova, pois a imagem está invertida.
Verifica-se muito bem à transparência. Confirmem os “entendidos”.

Mesmo assim, revejam as bateiras e os “Vougas”, de aluguer, do Sr. Tainha, a mota, a barca da passagem e, ao fundo, a antiga Pensão “A Marisqueira”.

Fotoselos – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 20 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Modelo de traineira do MMI




Tendo tido conhecimento que o Amigo Marques da Silva restaurara o modelo em causa, trocámos impressões sobre o restauro. Disponibilizou-me este texto com que fez acompanhar o trabalho já recuperado.
Divulgo-o com todo o gosto junto dos apreciadores destas pequenas relíquias, pela qualidade que tem e pela dedicação que revela. Obrigada Capitão!

“Numa das últimas passagens pela sala de reservas do MMI, encontrei um modelo de traineira a vapor. Tratando-se de um modelo de traineira já desaparecido, mas que marcou o início da motorização das embarcações de cerco, entendi dedicar algum tempo ao seu estudo, fazendo também alguns trabalhos de recuperação.
Verifiquei que tinha sido reconstruído por pessoa muito conhecedora, pois todos os pormenores estavam religiosamente respeitados.

Embora o plano geométrico não tivesse sido seguido com rigor na construção do casco, as suas formas, na generalidade, eram aceitáveis.

Comparado com as medidas dos barcos deste tipo, referenciados na obra de Lixa Filgueiras “Traineiras”, pode considerar-se este modelo na escala aproximada de 1/40, estando, contudo, o pontal, um pouco exagerado.
Na p. 63 deste notável livro, uma boa fotografia mostra uma traineira precisamente igual à que inspirou o nosso modelista.

A Sra. Das Neves – Matosinhos


A máquina a vapor principiou em Portugal a ser aplicada nas traineiras a partir de 1920, havendo registo das primeiras adquiridas na Galiza, para Matosinhos, Peniche e Algarve.
Estava este modelo acompanhado da respectiva rede de cerco, armada por alguém muito conhecedor, que foi fiel em todos os pormenores.
Por esta razão, preparei uma base com dimensões que permitissem mostrar a traineira fazendo o lanço, no momento em que se aproxima da sua chalandra, para recolher os cabos com que vai fechar a rede.

Traineira a vapor fechando o cerco


A chalandra é largada de bordo, pela popa, levando os chicotes da retenida e do reçoeiro, cabo este que está ligado à extremidade da rede, onde começa o saco ou copejada.
Com o reçoeiro, fixa-se a parte superior da rede ou cortiçada.
Com a retenida, fecha-se a parte inferior, a chumbada, através de uma porção de argolas fixadas na tralha, orla inferior da rede. Este forte cabo deve ser virado rapidamente pelo guincho de bordo, para não deixar fugir o peixe que foi capturado.


O modelo estava electrificado, mas, os fios, em muito mau estado, tornaram impossível a completa recuperação sem afectar a construção.
Foi necessário fazer uma nova chalandra e uma nova âncora, porque estas peças estavam em muito mau estado.
Demos nova vida a este modelo com muito valor, por se tratar de uma embarcação bem conhecida, mas pouco representada com a dignidade que merece”.


A SAN SALVADOR



Por mera coincidência, a Agenda Cultural da CMI do corrente mês de Fevereiro, na rubrica Património, refere esta recuperação do modelo. Fornece alguns dados a que o Capitão Marques da Silva não teve acesso que completam o escrito, de acordo com o que ele opinara – o modelo foi construído e oferecido à Comissão do Museu em 1934 por Manuel Pinto da Costa, então Piloto da Barra do Douro e Porto artificial de Leixões.

Fotografias – Amavelmente cedidas pelo Capitão Marques da Silva e arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 18 Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O salvamento do Desertas - II




Todo o processo de salvamento foi complexo e complicado, mas a pouca profundidade que a ria tinha, em alguns locais, relativamente ao calado do navio, e o duplo corte da ponte, de madeira, Forte – Barra, foram duas das grandes barreiras, também vencidas.

Aproxima-se do Forte


Em 28 de Janeiro de 1920, o Desertas já enxergou o Forte, tendo, seguidamente, fundeado em S. Jacinto.


Fundeia em S. Jacinto


Depois de toda esta odisseia, saiu a barra, rumo a Lisboa, em 20 de Março de 1920, onde chegou, no dia seguinte.

Tal proeza foi, de novo, lembrada por Aníbal Paião, na palestra “O Desertas…na Costa-Nova”, durante a 1ª Semana Internacional de Vela, em 29 de Agosto de 2003.

As vantagens económicas para a praia, à época, foram muitas, não só porque o movimento de transacções se intensificou, favorecendo o comércio local, mas também, porque o Canal do Desertas, como se chamou até à década de setenta, foi procurado, pela sua riqueza piscícola, por gerações. de pescadores da chincha.. Também embarcações de trabalho e de lazer o elegeram como local favorito para a prática da vela e do remo, mesmo em marés baixas.

Era passeio habitual, de bicicleta, nos meus tempos de juventude, na praia, uma ida até ao Desertas, pela incipiente estrada que une a Costa-Nova à Vagueira, ou seja, até aos vestígios da profunda vala dragada para sua passagem, que uniu o mar à ria. Creio que devido a vários fenómenos ambientais, desapareceram, actualmente, essas referências.


À direita, início da estrada da Vagueira - 1. 10.1951



Ler mais no blog 200 anos da Costa-Nova de SF, embora o autor tenha anunciado que este capítulo vai ser revisto e melhorado, depois da leitura do tal livrinho de Mendes Barata.

Com a aproximação do Centenário, em 1918, seria obrigação e devoção da Câmara Municipal, mandar assinalar o local histórico, pelo menos, com um painel de azulejo, do tipo do que acima exibo.

Fica a sugestão, já alvitrada por outros.

Era tão, tão, tão popular a visita ao andamento das obras, junto do navio, por turistas e residentes, que até surgiram algumas versalhadas e cantilenas:

O Desertas arrolou,
Numa praia tão tamanha.
Foi p’ra dar que fazer
À gentinha da Gafanha.

O Desertas arrolou,
Num dia de muito frio.
É, por isso, meus senhores,
Que o Desertas “tá” no rio.

O Desertas encalhou, ó pistotira, ó pistotira,
Com a proa p’rà Gafanha, ó pistotira, ó pistotira,
Quando o barco foi embora, ó pistotira, ó pistotira,
Muitas mulheres ficaram prenhas, ó pistotira, ó pistotira.

Mais uma:

O Desertas encalhado
Foi uma coisa muito boa.
Pois veio dar que fazer
Ao pessoal de Lisboa.


Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 15 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O salvamento do Desertas - I



Ler algo sobre o Desertas, para a maioria das pessoas, é capaz de não dizer muito. No entanto, à faixa etária mais madura, moradora em Ílhavo e veraneante na Costa-Nova, deve interessar. Há, porventura, quem saiba mais do que eu, por experiência, ou, por mais profundos e tecnicistas conhecimentos. Eu sei o que sei e apeteceu-me relembrar o Desertas, mesmo sem ter assistido a essa curiosa história da Primeira Guerra Mundial, que encheu páginas de alguma da imprensa da época – O de Aveiro, Campeão das Províncias, Ilustração Portuguesa, etc.
Mas, não vou por aí.

O Desertas foi o ex-navio alemão Hochfeld construído em 1895, nos estaleiros de Flensburg, com 112, 47 metros de comprimento, 12,75 de boca e 7,84 de pontal. Vindo de Leixões, onde não pôde entrar, devido ao refrescar do vento de sudoeste (explicação do comandante, algo contestada), acabou por encalhar no litoral ilhavense, em 18 de Novembro de 1916, pelo sul dos palheiros da Costa-Nova, ou seja, a 4 milhas a sul do nosso Farol.

Nem toda a gente estava de acordo com o salvamento do navio, acontecimento, então, muito controverso:
- tentar salvar o navio, por mar?
- ou salvá-lo, pela ria, abrindo um canal na língua de areia que separa a ria do mar?

Depois de um valente temporal, em 20 de Janeiro de 1918, que provocou um grande rombo no navio, malograram-se todos os esforços para o pôr "a nado".
Após uma série de polémicas, diligências e atritos, só a 1 de Junho do mesmo ano, se iniciou a abertura do canal, em direcção à ria.

Pelo Verão de 1918, um bombardeamento proveniente de um submarino alemão, atacara a zona do canal, alarmando muita gente.

Mas descansem que acabo, por aqui, as descrições pormenorizadas.

O Desertas, visto do mar, já puxado para terra



Quem tiver muita curiosidade em sabê-las, pode socorrer-se do livro O Salvamento do Desertas dos Transportes Marítimos do Estado, escrito por António Mendes Barata, Engenheiro orientador de todos os trabalhos, publicado, em Lisboa, em 1920.

Aí sim, estão descritos, à exaustão, todos os passos de alta tecnologia, sobretudo para a época, e devidamente ilustrados com 66 fotografias.

Faz agora cerca de dez anos que tais fotografias (70), compradas numa Feira de Velharias, em Lisboa, graças à generosidade do historiador e investigador aveirense Dr. Amaro Neves, vieram cair nas mãos da Associação dos Amigos do Museu de Ílhavo.
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O Desertas na bacia e a draga Mondego


Convinha expô-las, para avivar a memória dos vindouros de que o Desertas se deslocara majestosamente frente à nossa Costa-Nova, entre 1918 e 1919.

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Em 1919, o Desertas avança, lentamente, do sul, na Costa-Nova


E de 20 de Fevereiro até 5 de Abril de 1999, estiveram disponíveis ao público, no Museu, as setenta fotografias. Também este painel de azulejo de Francisco Pereira, por amável cedência do médico e coleccionador, Dr. Hermes Castanhas, foi exibido.


Outeiro – Águeda, 1932


(Cont.)

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 13 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes


terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O lugre Senhora das Dores



Dias invernosos, chuvosos, ventosos e tempestuosos, como os que têm estado, favorecem as trocas de impressões, à distância, pelos amigos que têm gostos afins – navios.

Depois de ajustes diversos sobre o lugre Ariel, que deixaram o assunto em suspenso, por agora, fui desafiada, já que “estava com a mão na massa” – naufrágios na barra de Aveiro –, a tratar o encalhe do lugre Senhora das Dores.

Aproveitei, tanto mais que toda esta semana está instalado um alerta para a praia da Barra, atendendo à amplitude das marés vivas, às investidas do mar e à possível formação de novas correntes, que poderão ter efeitos calamitosos, em terra.

O lugre Senhora das Dores foi construído em Caminha, pela Empresa de Construções Navais de Caminha, Lda., para o armador Manuel de Sá Pereira e outros, com registo no Porto, tendo sido lançado à água, em 12 de Setembro de 1919. Com uma arqueação bruta de 310,00 toneladas, não tinha motor auxiliar.

O Senhora das Dores encalhado



Naufragou na barra de Aveiro a 17 de Junho de 1922. Não houve mais comentários. As notícias são escassas. Não se conseguiram mais informações sobre o navio.

Apenas em notícias nacionais de início de Agosto, o Capitão do porto de Aveiro, sobre o encalhe, informou superiormente que o naufrágio ficou a dever-se às correntes da barra e à pouca largura do canal, motivo que tem estado na origem dos naufrágios anteriores.

O Senhora das Dores entregue ao seu destino…



Vali-me então da imprensa local, já que o jornal “O Ilhavense” me dá sempre uma preciosa ajuda.
Relata, pois, que na tarde do citado dia, encalhou em frente ao Farol da nossa barra, o referido lugre, procedente do Porto, com lastro e algum cobre para reparos a que vinha sujeitar-se nos Estaleiros da Gafanha. Era seu capitão o nosso conterrâneo João dos Santos Redondo (o Maurício), que não conseguiu safar o barco, apesar de todos os esforços empregues. A tripulação salvou-se.

Fotografias – Arquivo Digital de Aveiro.

Ílhavo, 9 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Tradição escrita... das "memórias ilhavenses" do Titanic




Já em 1996, quando Jean Pierre Andrieux me ofereceu o seu livro Disasters & Shipwrecks, vol. 3, 1940 – 1980, li uma passagem que me surpreendeu e que resumo, traduzindo-a:

Durante o Verão de 1993, fui convidado pelo Comandante António M. São Marcos, narra Andrieux, para um almoço a bordo do arrastão de popa, para pesca longínqua, Inácio Cunha, que, então comandava. Este navio, de alojamentos bem distribuídos, que eu conheça, era o último navio da frota de pesca portuguesa que tinha o logotipo do proprietário Testa & Cunhas, estampado em toda a sua louça – era a Cruz de Malta.
Tinha visto, vários anos antes, louça com variados logotipos noutros navios, mas tal prática desaparecera por completo. Falámos da expedição de 1993 ao Titanic, onde foram recuperadas louças, pratas e outros artefactos do desafortunado navio. Rapidamente, o Comandante São Marcos mostrou que isto não era novidade para si e que, desde criança, convivera com “pratas” do Titanic. Como podia ser, se os primeiros objectos só haviam sido recuperados na expedição de 1987? – pensei eu.
Como vim a perceber, para meu grande espanto, um tio-avô do Comandante, o Capitão João Frade, tinha comandado o Leopoldina (?), na Primavera de 1912. Após a tragédia do Titanic, os Grandes Bancos estavam atulhados de despojos flutuantes do desafortunado paquete. A tripulação do navio recolheu alguns destes destroços, entre os quais estava uma arca com talheres, todos marcados com o símbolo da White Star Line, proprietária do Titanic. Quando regressou a Portugal, apresentou o lote ao armador do navio, tendo ficado apenas com uma pequena parte que retirou para ele e distribuiu pelos familiares e amigos mais íntimos.
Daí a explicação para o facto de algumas famílias de Ílhavo possuírem alguns, poucos, talheres do Titanic. Pergunto eu: será que isto é verdade e os talheres seriam reconhecidos como tal? Até hoje, ainda não tenho uma certeza absoluta.

Em 1997, o magistral filme dirigido por James Cameron e estrelado por Leonardo Dicaprio e Kate Winslet, com o mesmo nome, mais uma vez endeusa o tema. Torna-se na maior bilheteira do cinema americano e mundial e açambarca 11 dos 14 Óscares.

The New York Times



No Verão passado, o Capitão João São Marcos presta um depoimento, nas Memórias de um Pescador, que escreveu:

No lugre Leopoldina (?), em fins de Maio de 1912, o ti João Grilo, capitão de navios uma vida inteira, em fins de Maio de 1912, ao chegar à Terra Nova, encontrou aboiado e apanhou um armário de sala de jantar do paquete Titanic, com talheres da “White Star Line” que, ao chegar à Figueira da Foz, em Outubro, concluída a campanha de pesca, entregou ao seu armador, Lusitânia de Pesca.
Destes talheres, guardo como relíquia de valor incalculável e da herança deixada do capitão Grilo, um talher.

Por duas vezes, aparece evocado o nome do Capitão João Grilo (Frade), como sendo o autor dos achados, enquanto capitão do lugre Leopoldina.
Amigos também versados no assunto alertaram-me de que teria sido, de facto, o Capitão João Grilo, mas a bordo do lugre Trombetas, um primeiro que existiu, já registado em 1903 na Figueira da Foz, antes do construído em Fão em 1922.

Esta informação também está confirmada na grelha existente na página 99 do livro de Manuel Luís Pata, A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau, Vol. I, que regista a chegada do lugre Trombetas a 27.10.1912, tendo como capitão João Francisco Grilo, com base na informação que lhe chegou através de A Voz da Justiça, da Figueira da Foz, daquele mesmo ano. De qualquer das maneiras, é uma achega, que não queria deixar de registar.

1º Lugre Trombetas – 1913


Fala-se, nos meios mais próximos, que será lembrado o centenário do acidente, em Abril de 2012, com uma exposição jamais vista, não sei onde. Faltam pouco mais de três anos. Talvez eu, ou alguém por mim, consiga averiguar, de vez, se se trata realmente de colheres do Titanic, ou se a imaginação popular e o diz que diz acrescentaram o resto à história. Quem conta um conto, acrescenta um ponto… Mas que a explanação tem fundamento, tem.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 8 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Na senda das exposições do Titanic



Em 1985, uma equipa de oceanógrafos franceses e americanos descobriu o Titanic naufragado, dividido em duas partes; em 1986, iniciaram-se os trabalhos de mergulho na extensão dos escombros numa área equivalente ao centro de Londres. Mais três expedições foram levadas a cabo até 1994, tendo sido recuperados 3600 objectos, para o que foi utilizado o submergível Nautili, símbolo de alta tecnologia.

No final de 1994, em grandes parangonas, o National Maritime Museum – Greenwich – London anuncia THE WRECK OF THE TITANIC – Exhibition.

Sorvi a informação. Mesmo com tempo limitado, porque não soube logo, não podia faltar e aí fui até Londres. Que emoção!

Não perdi o meu tempo. A exposição estava organizada em nove secções, com cerca de 150 objectos. Alguns destes sectores eram recordados através de documentação da época.

Para além da extraordinária maqueta que representava o Titanic dividido em dois, as secções que mais me cativaram foram os objectos e as técnicas da sua preservação. O reconhecimento da baixela em prata atraía-me: estão mesmo a imaginar o motivo.


Peças da baixela de prata do Titanic


O que pude ainda observar?


Coletes de náufragos, lustres de um dos luxuosos salões, restos das cadeiras dos deques, porcelanas, cristais, peças da baixela em prata, instrumentos náuticos e objectos pessoais de passageiros desde pincéis de barba, agendas, pentes, palitos, botões de fardas e jóias (relógios, voltas de ouro com pingentes, alfinetes de gravata, etc.).


Vestígios de dois luxuosos lustres do Titanic


O rescaldo encontrado muito dizia da soberba qualidade do navio, da nobreza dos materiais nele utilizados e do nível social dos passageiros que fizeram a sua primeira e última viagem.
Incrível, um exemplar do jornal Southern Echo, do dia 9 de Abril de 1912, ainda legível!
A limpeza e manutenção de tão delicados objectos são uma verdadeira lição na arte da preservação, levada a cabo, entre outros, pelos laboratórios da Electricidade de França.
Sempre alerta de outras possíveis exposições, em 2004, tive conhecimento da que se realizou no Porto, no grande espaço do mercado Ferreira Borges. Não pude faltar, eu e o meu neto mais velho.


Bastante pomposa, esta exibição, recriava imensos cenários, mas, para mim, não transmitia um espírito tão sério, científico e investigador, quanto a de Londres. De modo algum.


(Cont.)


Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 5 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Colheres do Titanic...as minhas "memórias"

Quando pretendo explorar um assunto e ele se vai esclarecendo, se lhe vão juntando pequenos dados, tudo caminha no mesmo sentido – é como que uma tragédia grega que atinge o seu clímax.
O processo, neste caso, não é bem o mesmo, porque desde que me lembro, comecei a ouvir falar do Titanic, em casa dos meus avós maternos, a propósito, de umas simples, mas fortes e sóbrias colheres de sopa, de prata, com uma estrela relevada, na extremidade do cabo, logotipo da White Star Line. Estas colheres faziam parte de um dos faqueiros do luxuoso Titanic. Como, porquê e a que propósito?

Colheres de prata do Titanic?...


Aqueles dados foram-se avolumando na minha cabeça, até porque o meu Pai, de vocação nada marítima, manifestava um certo endeusamento pelo Titanic, o maior vapor da época, o mais luxuoso, o”inafundável”, como diziam, que chegou a desafiar os desígnios de Deus, acabando por naufragar num acidente fatídico, ao colidir, na sua viagem inaugural, com um gigantesco iceberg, na noite de 14 de Abril de 1912, sem que a orquestra nunca tivesse parado de tocar, para não aumentar o pânico entre os passageiros.


Em 1958, a história do Titanic encheu os ecrãs do cinema com o film”A Night to Remember”, com Kenneth More, no principal papel. A preto e branco, transmitia-nos todo o drama por que aquela gente passara, a maioria, sem retorno. Ainda muito jovem, vi-o no Teatro Aveirense, mas aí, então, não pensava muito nas colheres com as quais convivia.


Ainda adolescente, era-me contado que aquelas colheres tinham sido encontradas nos restos de um riquíssimo aparador, só com uma gaveta, com a inscrição TITANIC. Não nos esqueçamos, pois, de confrontar datas e percursos. De Abril a Setembro era a altura do ano em que os lugres bacalhoeiros faziam, parcialmente, uma rota idêntica à do Titanic, que, ao sair, na sua viagem inaugural, de 1912, em 10 de Abril, de Southampton para Nova Iorque, via Cherbourg e Queenstown, naufragara em 14 de Abril, às 11.40 p. m.

Postal naïf do naufrágio


Tal “cómoda” teria sido “pescada”, de bordo de algum lugre bacalhoeiro, por pessoa amiga ou aparentada do meu Avô, que havia distribuído parte do faqueiro por algumas, poucas, famílias ilhavenses.


Era o que a tradição oral ia revelando e lá que tinha alguma lógica, tinha. E, se para experimentar a sensação, um belo dia, puséssemos uma mesa requintada com as presumíveis colheres, para saborearmos a sopa, Avó e netos, imaginando-nos passageiros, de 1ª classe, do tal mítico Titanic, no mundo do faz-de-conta?


Os anos foram passando, sem nada de especial referente ao assunto, a não ser algumas notícias relativas a sobreviventes ainda “vivas” do naufrágio.
E o trazer agora à cena o assunto do Titanic, se bem que estivesse “em agenda”, ocorreu, porque li, há uns meses (18.10.2008), a notícia de que Millvina Dean, de 96 anos, a última “sobrevivente” do Titanic, ainda viva, anunciou que ia leiloar todos os objectos que tinha, da época, para poder pagar o lar de terceira idade onde habita.
Dean tinha apenas dois meses quando seguiu a bordo do famoso navio, ao colo da mãe, tendo revelado que não tinha memória do sucedido e assim teria preferido ficar, do que ter visto o blockbuster de 1997 "Titanic”. Millvina é actualmente a única sobrevivente do Titanic, depois da morte da sua compatriota, Barbara Joyce Dainton, há dois anos (2007).


(Cont.)


Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 1 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes