domingo, 24 de abril de 2016

Homens do Mar - Francisco Ramos - 7


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Em casa de Zé da Pardala. 1993

E cá vem, hoje, a lume Francisco Ramos (Balau). Bom homem, atencioso, educado, sabedor e prestável. Dele fiquei com gratas recordações.
Nascido em Ílhavo (1915-2002), Chico Ramos, como era conhecido, foi grande marinheiro.
Conhecida da família, já que a minha mãe era madrinha da sua filha, Maria Rosalina, eu frequentava a casa, ali num beco próximo, em Espinheiro, com assiduidade.
Imagino que tenha ido cedo para o mar como acontecia com todos, à época. A partir dos registos, foi ajudante de motorista de 1936 a 1939 no lugre Navegador, construído em Fão, por José Linhares, em 1924, com o nome de Esperança. Na campanha de 1929 passou a propriedade da firma Parceria Marítima Douro que o rebaptizara de Navegador.
Em 1940, foi pescador maduro/especial no Santa Quitéria, tendo naufragado em 1941, com água aberta, nos grandes bancos da Terra Nova.

O Santa Quitéria, em naufrágio, em 1941

Sabendo que Francisco Ramos tinha feito oito viagens no Milena entre 1942 e 1950, como contramestre, lembrei-me de folhear o magnífico livro que é Milena - 1948 | Memórias de uma campanha da autoria de Armindo da Silva Bagão, de onde rebusquei alguns diálogos/descrições em que Francisco Ramos era protagonista. A saber…
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Aliás todo o trabalho de marinharia tinha de ser feito com toda a perfeição, até porque o contramestre, o ilhavense Sr. Francisco Ramos, era muito competente em marinharia e exigia perfeição ao pessoal com ele trabalhava. Ílhavo foi um alfobre de grandes contramestres e marinheiros, apreciados até mesmo em navios estrangeiros, p.15. (…)
Em virtude de o piloto nunca ter embarcado e não ter o curso de pilotagem o capitão Tude chama o contramestre, o Francisco Ramos (Balau), homem com grande experiência nos assuntos de mar e diz-lhe:
 - «Ó Francisco, até chegarmos aos bancos da Terra Nova, tu é que vais tomar conta do quarto do piloto e vais-lhe ensinando o que deve fazer e os cuidados que se devem ter com os panos todos em cima e quando se devem mandar arriar as estênsulas (…) respondendo-lhe o contramestre:
- Fique descansado, Sr. Capitão, que tudo vai correr bem», p. 31. (…)
Com o Milena entre vagas alterosas, o capitão volta-se, agora, para o contramestre e pergunta-lhe:
- «E tu, Francisco, qual é a tua opinião, neste momento?».
Responde-lhe o contramestre:
- «Ó Sr. Capitão. A minha opinião é a mesma do Sr. Imediato. Da maneira como está o mar, o Milena não se vai escorar por muito mais tempo de capa ao temporal que está aí».
- «Pronto», diz o Capitão, «Francisco, vais aos ranchos chamar a companha toda para cima, prontos para o pior, porque vamos desfazer a capa», p. 53. (…)
«As vergas depois de bem travadas do balanço foram arriadas pelo pessoal que estava no convés, sem perigo. Foram estes grandes marinheiros Francisco Ramos, Carlos Agualuza e Luís Caramonete», p. 55.
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A bordo do Milena, entre 1946 e 47

Entre 1951 e 1955 (inclusive), Chico Ramos foi pescador especial no lugre-motor Brites, tendo terminado a sua carreira de mar, como contramestre e pescador especial, no navio-motor Celeste Maria, entre 1956 e 1960, construído em 1954, no estaleiro de Manuel Maria Bolais Mónica para a Parceria Marítima Esperança, Lda.

Dóris do Brites

Em mais do que merecida estadia em terra, após a vida de mar, foi de grande simpatia e utilidade para o «nosso Museu», a partir dos anos 90.
Prestou informações preciosas para a execução das folhas de sala da exposição Faina Maior e, sempre que chamado, vinha acudir, a trabalhos específicos de marinharia, na montagem da grande exposição (Novembro de 1992).
A vista, entretanto, começou a atraiçoá-lo, mas nunca deixou de colaborar com maior ou menor dificuldade.
Mesmo no NTM Creoula, quando havia serviços de intercâmbio cultural entre o navio e o Museu, ele, se era solicitado, respondia logo à chamada.

No Creoula, em 1993

No majestoso Creoula, a 19 de Setembro de 1993, ao aparelhar um bote, aplicava o quete da ré, entre outra palamenta.
A minha gratidão e reconhecimento ao Amigo Chico Ramos, grande homem do mar.
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família de Francisco Ramos
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Ílhavo, 21 de Abril de 2016
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Ana Maria Lopes
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domingo, 10 de abril de 2016

Homens do Mar - José Fernandes Pereira (Lau) - 6

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Foto de estúdio

Hoje, é a vez do Capitão José Fernandes Pereira Júnior, conhecido pelo Capitão Zé Lau, de temperamento muito sui generis, de quem era conhecida, amiga e aparentada, a quem associo sempre o bonito e velhinho lugre Ana Maria, da praça do Porto, a partir de 1939.
Curioso!... As rectas finais de vida do Ana Maria e do Capitão Zé Lau cruzaram-se e confundiram-se.
O capitão Zé Lau, nascido em Ílhavo (1879-1971) foi para o mar aos catorze anos, como era normal, à época, tendo-o deixado, com a provecta idade de 79 anos, em 1958.
Quem, já amadurecido, não se lembra da sua figura – baixote, velhinho, de cabelos muito alvos, rapioqueiro e sempre bem aperaltado –, mas de feitio difícil, com quem era preciso saber lidar. No meu casamento, em 1965, para que fora convidado, com uma vetusta idade, fartou-se de dançar…Gravei-o na memória…
Entre os postos de moço, piloto, imediato a capitão, lá foi sulcando os mares, no meio de muitas peripécias e alguns naufrágios, em tempos bastante difíceis, passando pelos lugres Lusitânia 3º (futuro Terra Nova) na campanha de 1939, Maria Preciosa (em 1937), Paços de Brandão (em 1938 e 39), Alcíon (1940), Silvina em 1941 (piloto), Delães (torpedeado e afundado por submarino desconhecido, em 1942), Oliveirense (1943 e 44) imediato, Labrador, em 1946, Paços de Brandão, em 1947 e Infante de Sagres III, em 1948. De 1952 até 1958, ocupou o cargo de imediato no Ana Maria, ano em que o velho lugre do Porto naufragou, com água aberta, a 7 de Setembro.

Lugre Delães, em alto-mar, cerca de 1940
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O Capitão, Sr. Joaquim Agonia da Silva, de Vila do Conde, e o nosso imediato, entre os seus quarenta tripulantes, foram salvos pela escuna costeira norte-americana «Spencer», que os entregou posteriormente a um navio espanhol. O velhinho Zé Lau, pelos seus 79 anos e pernas enfraquecidas, já teve de ser auxiliado, nestas andanças e mudanças de embarcação para embarcação. Abandonou, então, a vida do mar.
Tive conhecimento que a tripulação fora transportada para Portugal pelo arrastão João Corte Real, como demonstra a imagem, comandado por José Ângelo Ramalheira.

Tripulação do Ana Maria, a salvo
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Em terra, ainda duraria até aos 91 anos (até 1971), a saborear o aconchego do lar e seus familiares, com invejável memória e vivacidade inusitada.
O seu temperamento prejudicou-o, por vezes, na vida profissional, mas era amigo do seu amigo e por ele os colegas tinham grande estima.
Na última viagem que efectuou, numa entrevista que deu a um repórter do Primeiro de Janeiro, em 14 de Abril de 58, contou as suas histórias de mar, revelando: – o veleiro mais antigo da frota portuguesa é o Ana Maria e eu o tripulante mais antigo.
E assim o Ana Maria e Capitão Zé Lau ficaram na memória dos ilhavenses.
Antes do fecho da edição do Marintimidades, chegou-me uma foto de época, que não quero desaproveitar.



Três oficiais da mesma época
 
Capitão Zé Lau, entre dois irmãos Madalena. À esquerda, Mário Francisco Madalena (1903-1986) e, à direita, João Maria da Madalena (1899-1964).
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
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Ílhavo, 4 de Março de 2016
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Ana Maria Lopes
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