segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Ceia do Natal - As mulheres das secas

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A aproximação do Natal e o sempre citado bacalhau levaram-me a ir “ao baú”, rever que fotos tinha relativas a esta dura profissão da secagem do dito, embora um pouco mais tardias às registadas por Maria Lamas.

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Uma das últimas secas tradicionais…a IAP. s/d
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Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos botes, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

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Tanques na seca do Brites. 1937…
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Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.

Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.

Os clichés a preto e branco, num tempo em que “clicar” não era vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes, de sabores e de “conhecimentos”.

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Carros, lambretas e bacalhau a perder de vista
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As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.

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Escolha e separação do peixe…1961
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Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

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E a tarefa prossegue… 1961
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Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a visita ao aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

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Ílhavo, 19 de Dezembro de 2022

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Ana Maria Lopes

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domingo, 4 de dezembro de 2022

A propósito da vinda da "bateira ílhava" para o MMI

 

Relembrando…

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Último ensaio, em 15 de Novembro de 2013
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Ílhavo e a sua região de que tanto se fala como centro difusor de cultura marítima terão deixado, por via directa ou indirecta marcas na cultura marítima do nosso litoral.

Habituámo-nos desde cedo, quando visitámos zonas marítimas, para pesquisa etno-linguística, desde estudante universitária, a ouvir tecer algumas considerações relativas a Ílhavo e aos habitantes locais, mal se apercebiam que era oriunda da citada região.

E começámo-nos a capacitar-nos de que onde existia uma bateira existiu um ílhavo ou há vestígios, pelo menos, da passagem de um ílhavo.

Cremos mesmo que por Ílhavo tem havido um interesse crescente pela grande faina dos ílhavos no litoral, não tendo tido a exposição temporária, «A Diáspora dos ílhavos», no MMI, de 8 de Agosto a 31 de Outubro de 2007 a aceitação desejada pela maioria dos interessados nesta grande questão da identidade local.

Virando costas à Laguna, por inóspita que estava, os ílhavos, com suas artes ainda algo rudimentares, fixaram-se junto ao mar. Aberta definitivamente a barra em 1808, vieram instalar-se no areal a que chamaram Costa Nova (arrais Luís Barreto, igualmente conhecido por Luís da Bernarda) com as companhas da xávega. Tão exímios se tornaram no manejo destas artes estes emigrantes da borda do mar, refere Senos da Fonseca, que o desejo de partir em busca de locais onde o peixe fosse mais abundante se tornou evidente (Senos da Fonseca, Ílhavo – Ensaio Monográfico – Séc. X ao Séc. XX, 2007, Papiro Editora. Porto, 2007, pp. 174 a 181).

A fundação da Cova e Gala por ílhavos tem-se apresentado um caso mais polémico, porque se tem baseado, de livro em livro, em afirmações não confirmadas por registos paroquiais estudados ultimamente pelo pesquisador Hermínio de Freitas Nunes.

A presença ou a passagem de ílhavos por Palheiros de Mira, também Raquel Soeiro de Brito a comprovou (Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Edição Fac-similada, Cemar. Praia de Mira, 2009, pp. 21 e 36), ao consultar Registos Paroquiais, concluindo que entre 1835 e 1870 as populações originárias de Ílhavo foram as que mais contribuíram para a formação do povoado.

Mas a sua característica de nómadas da beira-mar fez com que não parassem. Pela Nazaré também andaram, tendo contribuído para a sua formação. Na pequena monografia Nazaré e o seu concelho, Raúl de Carvalho, (Lisboa, 1966, p. 21), depois de algumas alusões aos pescadores de Ílhavo, referencia que estes, após terem abandonado as suas terras, em busca de melhor vida e mais fartura de peixe, constituíram os primitivos povoadores da Nazaré.

E Raúl Brandão, no capítulo dedicado à Nazaré de Os Pescadores (Edições Estúdios Cor, Lda. Lisboa, s.d., p. 160), afirma pela boca de Joaquim Lobo, que aquela gente viera de Ílhavo e recorda ainda que foram os cagaréus que povoaram os melhores e mais piscosos pontos da costa, vindo pelo litoral abaixo, aos dois e três barquinhos juntos, até ao Algarve.

Também tivemos conhecimento da influência que os referidos povos exerceram na Ericeira, visto que Joana Lopes Alves, ao ocupar-se da rede do linguado ou tresmalho, assegura ter sido trazida para a Ericeira pelos pescadores da Murtosa, que a usavam na sua terra (A linguagem dos pescadores da Ericeira. Junta Distrital de Lisboa. Lisboa, 1965, p. 57).

Mas não ficaram por aí. Também na Costa da Caparica, associando as pescas estivais de mar a fainas invernosas em rios e estuários, os ílhavos aí se instalam por volta de 1770, sendo referido por Helena e Paulo Nuno Lopes (A Safra. Livros Horizonte, Lda. 1995, p. 57), que no final do séc. XIX, trabalharam na Caparica, na pesca, mais de setecentas pessoas.

Igualmente Maria Alfreda Cruz ao ocupar-se do tresmalho, certifica que é conhecido, em Sesimbra, por «redes de ílhavos» designação que denuncia a sua proveniência (Pesca e Pescadores em Sesimbra. Centro de estudos Geográficos. Lisboa, 1966, p. 54).

Também por finais do século XIX, continuam a referir Helena e Paulo Nuno Lopes (ob. cit., p. 57) que os pescadores de Ílhavo chegam à costa alentejana, para aí trazendo as suas famílias, tendo vivido aí, em inícios do século XX, quarenta famílias.

Todos os anos chegam ao Tejo umas dezenas de barcos varinos – é o nome que dão a estas embarcações pequenas e rasteiras, com um mastro e proa levantada (…). Quando se levanta borrasca encalham o barco nas margens do rio e abrigam-se à proa, debaixo de um oleado encerado (não haverá aqui hábitos idênticos?), onde dormem, cozinham e consertam as redes.

Também emigram para o Tejo barcos «ílhavos», que são maiores e andam à pesca da sardinha entre o cabo da Roca e o Cabo Espichel. E há muitos pescadores da Vieira que vão para os campos de Vila Franca e Santarém pescar o sável. Os da Borda-d’água chamam-lhes «avieiros» – ascendentes que ficariam a viver nos seus barcos até ao último quartel do século XX.

Francisco Oneto Nunes (Vieira de Leiria – A História, o Trabalho, a Cultura. Edição da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria, 1993, p.174), baseando-se na informação recolhida nos registos paroquiais da freguesia de Vieira de Leiria refere que desde 1911 até 1933, os livros de registos de óbitos indicam o falecimento de 19 indivíduos já de idade avançada, cujos pais eram naturais de Ílhavo, Mira, Tocha, Quiaios, Figueira da Foz e Lavos. Oneto Nunes sublinha a existência, em 1790, de dois barcos de pesca, que habitualmente costumavam pescar nas costas de S. Jacinto, de fins de Junho até Fevereiro, e que seguiam depois para o Tejo.

Parece que a ida, se bem que temporária de "ílhavos" para o Tejo, começa a ser incontestável, porque registada por alguns documentos e estudiosos.

Também fomos recolhendo alguns testemunhos orais. Ao entrevistarmos, nos anos 80 do século passado, na Murtosa, Joaquim Maria Henriques (Raimundo), construtor famoso de embarcações lagunares, aí nascido em 1909, testemunhou-nos que «algumas vezes se deslocara com o pai a Peniche, Setúbal, Alcácer do Sal, Vila Franca de Xira, Carregado e Salvaterra de Magos para a construção de bateiras que os murtoseiros utilizavam, quando para esses locais iam fazer a safra do sável».

Também A. A. Baldaque da Silva, a quem é atribuída uma pesquisa extremamente criteriosa em 1886 (Estado Actual das Pescas em Portugal – A Pesca Marítima, Fluvial e Lacustre em Todo o Continente do Reino, referido ao ano de 1886. Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, pp. 197, 240, 241, 287 e 403), faz inúmeras referências ao carácter emigrante dos povos da região da Murtosa, Ílhavo e Aveiro. Ao ocupar-se da rede sardinheira, afirma que os pescadores ílhavos que emigraram para Setúbal, lá usaram uma sardinheira (rede de emalhar sardinha), de menores dimensões. Averiguou também em inquérito directo a que procedeu que trinta barcos ílhavos, tripulados por 450 homens, depois da pesca costeira à tarrafa, iam pelo rio acima para a pesca do sável. Eram também os pescadores ílhavos que emigravam para a enseada entre os cabos da Roca e Espichel e aí usavam, nuns barcos com o seu próprio nome, a rede de cerco volante, designada por tarrafa.

Sobre este barco ílhavo (também conhecido por bateira ílhava), refere-nos que era um barco de fundo chato, construído nas margens da ria de Aveiro, com um compartimento fechado à proa, para abrigo de parte da tripulação, com mastro a meio, aparelhando vela latina de pendão, navegando mais vulgarmente a remos, movidos por três a quatro homens. Empregam-se muito na pesca da sardinha, na enseada de Entre cabos da Roca e de Espichel, durante o inverno, usando a tal rede denominada tarrafa.

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Aprestos, por quem sabe…
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É, no entanto, o tresmalho (rede de emalhar formada por três redes sobrepostas) a rede mais difundida pelos ílhavos, que em grande número emigraram durante a época do sável para o Douro, Tejo e Sado, continua Baldaque da Silva.

Todas estas citações elencadas não pretendem ser mais do que um ponto de reflexão.

Ainda há bem pouco tempo, ao abordarmos o livro "Canoas do Tejo" de Luís Sande e Pedro Yglesias de Oliveira (Edição da Câmara Municipal de Cascais, 2009, p. 92), achámos curioso o parágrafo que passamos a transcrever – As bateiras são embarcações pequenas, com cerca de cinco a seis metros, com uma construção muito simples, que foram introduzidas no Tejo pelos avieiros, ou cagaréus como eram conhecidos, que eram comunidades que vieram da zona de Aveiro e se instalaram nas margens do Tejo. Viviam em pequenas casas palafíticas, construídas em cima de estacas e nas próprias bateiras. Ainda hoje existem avieiros a viverem nestas condições e a pescar em embarcações que não têm sequer motor auxiliar.

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E assim se foram expandindo os ílhavos…os ditos colonizadores da areia…– tínhamos por cá estas notas…outros terão outras… e documentos, para enriquecer o caudal da diáspora dos ílhavos.

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A. Esteves e Marco Silva içam a vela…
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Ílhavo, 04 de Dezembro de 2022

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Ana Maria Lopes

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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Traineira "Praia da Atalaia" naufragou na barra de Aveiro


Faz exactamente hoje, 24 de Novembro, 59 anos, que aconteceu esta tragédia.

A traineira “Praia da Atalaia” naufragou na barra de Aveiro, ao sair para a pesca, a 24 de Novembro de 1963. Teriam perecido, lamentavelmente, mais de 30 pescadores (segundo o jornal "Comércio do Porto" de 25 de Novembro de 1963).

Era uma traineira utilizada na pesca da sardinha com rede de cerco, pertencente à praça de Peniche, construída, em 1954, por Asdrúbal Simão do Carmo para Aníbal Correia e outro sócio.

Media, de comprimento, fora a fora (17.68, entre perpendiculares), 21. 05 metros, boca, 5.25 e pontal, 2.01 m.

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“Praia da Atalaia”
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Cerca das 16 horas, largou do seu ancoradouro, na lota, no Canal das Pirâmides, para demandar a barra, não obstante o sinal de mar bravo estar içado.

A “Praia da Atalaia” navegou até à cabeça do molhe norte, tendo-se o mestre apercebido que o mar estava muito agitado. Por insistência da companha, decidiu voltar ao porto, tendo dado ordens ao maquinista para reduzir a velocidade. Quando a embarcação estava atravessada à ondulação para inverter o rumo, uma vaga alterosa atinge-a com violência por estibordo, rebentando contra o costado.

Antes que a “Praia da Atalaia” conseguisse safar-se da posição, uma segunda vaga, ainda mais forte, rebenta-lhe em cima, voltando-a e partindo-a ao meio.

Entretanto, a traineira “Josefa Vilarinho”, que navegava ainda no canal da barra, transmitiu para o posto Rádio Telegráfico da Mútua de Pesca, desta cidade, o que havia acontecido. Imediatamente, e por intermédio do mesmo posto, foi chamada a intervenção das duas corporações de Bombeiros Voluntários de Aveiro, assim como a tripulação do barco salva-vidas “Jaime Afreixo” (1948-2002) dos Socorros a Náufragos. Este barco de socorro, embora tivesse sido lançado à água logo que recebeu aquela comunicação, não pode romper com a ondulação violenta do mar, regressando ao seu ancoradouro.

Outras embarcações idênticas mantiveram-se, ainda por largo tempo, com os seus projectores para as águas, na esperança de poderem recolher alguns sobreviventes que viessem arrastados pela corrente para dentro da barra. Alguns tripulantes daquelas embarcações conseguiram saltar para terra, para, tentarem socorrer alguns sobreviventes no areal da praia de S. Jacinto, para onde a “Praia da Atalaia” havia sido arrastada de quilha para o ar.

Até à hora em que o jornal noticia – 21,30 h –, o único sobrevivente era o pescador Pedro da Conceição Júnior, natural de Lagos, que, bom nadador e de forte compleição física, conseguiu manter-se à superfície, agarrado a uma bóia, tendo sido lançado para cima dos blocos do molhe. Na esperança de auxiliar alguns dos camaradas que pudessem dar à costa, por ali foi ficando, até que foi levado para a Base Aérea de S. Jacinto, onde recebeu os primeiros socorros.

A mesma fonte fornece a constituição da tripulação, pertencente à zona de Aveiro, Gafanhas e de Ílhavo, Manuel Domingos Magano.

Segundo a mesma fonte, Comércio do Porto, mas de 26.11.1963, sabe-se de acordo com informação oficial, que o número exacto de homens a bordo que pereceram no naufrágio é de vinte e nove porquanto um, Pedro da Conceição Guerreiro conseguiu salvar-se e oito não chegaram a embarcar.

A traineira afundada está quase totalmente desmantelada.

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Do jornal Comércio do Porto, 26.11.1963
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Há, portanto, algumas disparidades entre o número de náufragos, ao compararmos os dois jornais, de datas subsequentes.

Os barcos da frota de pesca, ancorados no porto de Aveiro, hastearam as suas bandeiras a meia adriça em sinal de luto, tendo, logo de madrugada, iniciado as pesquisas ao longo da costa do litoral aveirense para a possível recolha de corpos dos desventurados pescadores que, porventura, viessem a ser arrojados às praias.

De manhã, foi recolhido e levado para terra, na praia da Torreira, o cadáver do pescador João Simões Basílio, casado, de 64 anos, da Gafanha da Encarnação.

 A tragédia, originada, ao que parece, por um acto de menos prudência, causou a maior consternação na cidade e arredores.

O Sr. Capitão do porto, Agostinho Simões Lopes, esteve em S. Jacinto, a fim de se inteirar das condições em que se deu o trágico acontecimento.

Chegou a Aveiro o Sr. Guilherme de Sousa Otero Salgado, presidente do Grémio e Mútua dos Armadores da Pesca da Sardinha, que representará nos funerais das vítimas do naufrágio, o Contra-almirante Henrique Tenreiro e Comandante Sá Linhares.

O Sr. Capitão do porto de Aveiro representará, nos funerais, o Sr. Presidente da República, e, também, o Sr. Ministro da Marinha. Os funerais serão custeados inteiramente pelo cofre da Mútua dos Armadores da Pesca da Sardinha, não bastando isso, de forma alguma, para superar a falta que os saudosos pescadores, em plena actividade, fizeram às suas famílias, ao tentarem arrancar das águas, o seu sustento, com amor e carinho.

A nossa barra tem sido palco, lamentavelmente, ao longo dos anos, de muitos acidentes e naufrágios. Segundo testemunham os entendidos, não é uma barra fácil.

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Imagem – Gentil oferta do amigo Reinaldo Delgado

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Ílhavo, 24 de Novembro de 2022


Ana Maria Lopes

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domingo, 30 de outubro de 2022

Os "Garridos" de Salreu

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Por um acaso ou talvez não, demorámos quase trinta anos a saber algo mais sobre os Garridos de Salreu, construtores navais de machado e enxó, daquela localidade.

Eram eles Mestre José Luciano Rodrigues Garrido (1897-1962) e Mestre Manuel Maria R. Garrido, irmãos, que tinham tido um estaleiro de construção naval, em Salreu, até meados do século XX, seguramente.

Tinham existido os Garridos! Tivemos provas.

O afável Ti Arnaldo Pires, de Canelas, com eles tinha trabalhado na arte de construção de embarcações lagunares diversas, durante cerca de 30 anos – foi uma credível prova.

E, que melhor testemunho visual? O MMI mantém, em reservas, uma proa de moliceiro, encomendada em 1934, ainda em período anterior à própria fundação do museu (1937). Em legenda de estibordo, regista-se Mestre LUÇIANO GARRIDO Me Fes.

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Mestre LUÇIANO GARRIDO Me Fes.
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Tínhamos tido notícia há uns tempos que um dos filhos do Luciano Maria Garrido, o Manuel (Augusto Tavares Garrido), tinha regressado da Venezuela, para onde emigrara ainda jovem, por volta de 1956.

Em busca de alguns esclarecimentos perdidos no tempo das «mui sui generis» embarcações de Canelas e Salreu, lá encontrámos, perto dos vestígios do antigo estaleiro do pai e tio, uma casa boa, espaçosa, tipicamente de emigrante venezuelano, pela traça e materiais usados.

Manuel Garrido (n. em Janeiro de 1937) e esposa acolheram-nos simpaticamente, mas, como ele próprio dizia, nos seus oitentas, feitos, com algumas maleitas e achaques, já não era muito exacto nos dados que fornecia. Foi o possível….o que a memória foi  deixando peneirar.

Cedeu-nos uma fotografia do pai, do Mestre Luciano Garrido e outra de uma reconstrução levada a efeito em Agosto de 1990, numas férias na região.

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Mestre Luciano Garrido
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No largo da freguesia e perto da ribeira de Salreu, ajudava o Mestre Arnaldo a reparar a bateira do José Maria do Ilídio.

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No largo, perto do esteiro de Salreu
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Em ameno cavaqueio, tivemos a oportunidade de observar restos de ferramenta de construção, incluindo «um macaco» de elevar as embarcações, bem como um grande e prazenteiro bertedoiro de moliceiro, saído das mãos do nosso hospitaleiro salreense. Cobiçámo-lo e em negócio amigável, lá o trouxemos, para fins decorativos.

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Sobras de ferramenta…
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Ílhavo, 30 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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domingo, 23 de outubro de 2022

O "Primeiro Navegante"...

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Faz, amanhã, 76 anos que o “Primeiro Navegante” encalhou, à boca da Barra. Era tão novinha, que ninguém me levou lá para ver, mas esse naufrágio foi tão fotografado, foi-me tão relatado, mais tarde, de uma forma tão empolgante, que parece que a ele assisti.

O lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa Ribaus & Vilarinhos, Lda.

Lugre sólido e elegante, media 44,17 metros de comprimento, entre perpendiculares, 10,13 m. de boca e 5,13 de pontal; tinha uma tonelagem bruta de 482,77 toneladas e líquida, de 329,23, capacidade para 12 000 quintais de bacalhau e albergava uma tripulação de 56 homens e 53 dóris.

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O “Primeiro Navegante”
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Curiosamente, o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo, coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, “Dom Deniz”.

Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o “Primeiro Navegante” começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.

Se a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.

Depois de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de João Maria Vilarinho (1940 a 1942 e 1945), José Simões Ré (1943), José Maria Vilarinho (1944), chegou o regresso fatídico de 1946, de novo com José Maria Vilarinho, segundo informação das fichas do GANPB. Também zoou, na altura, que o irmão João poderá ter feito apenas a viagem de Leixões para cá.

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Prestes a encalhar…
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A 14 de Outubro de 1946, o “Primeiro Navegante” entrara em Leixões, para aliviar 3000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.

No dia 24 de Outubro, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o “Lousado”, o “Navegante II”, o “Ilhavense II”, o “Santa Mafalda”, o “Maria das Flores”, o “António Ribau” e o “Viriato”. Vinha o “Maria das Flores”, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao “Primeiro Navegante”, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão.

Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o “Primeiro Navegante”, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.

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Irremediável naufrágio
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Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.

Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível.

 

Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar conseguiu fazer.

Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade

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Vai-se destroçando… 1947
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Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.

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Ílhavo, 23 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Cliché... de Paulo Namorado

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Porque no dia 7 de Agosto, me foi impossível, andava, de dia em dia, para visitar a exposição “Cliché”, sobre Paulo Namorado, com curadoria do Dr. Hugo Calão, no Centro de Religiosidade Marítima. Calhou neste último sábado.

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Paulo de Brito Namorado (1874 – 1945), como pintor da Vista Alegre, terá tido aí o primeiro contacto do que seria o seu métier como fotógrafo-amador. Mais tarde, imigra para o Brasil, e, quando regressa, estabelece atelier de fotografia na actual Praça da República de Ílhavo.

Premiado em importantes concursos de fotografia nacional (1905 e 1906), algumas das suas fotografias foram reproduzidas em bilhetes-postais ilustrados em 1903, promovendo Ílhavo como destino de veraneio nas praias da Costa Nova e da Barra, as tradições piscatórias da ria e popularizando a sua reputação.

Esta exposição dá a   conhecer a colecção de 40 caixas com 890 negativos em vidro, provenientes do seu atelier, datados de 1927 a 1940 e reúne fotografias da sua autoria a partir de 1890.

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Negativo em vidro do barco do mar
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Postal da actual Praça da República, à época
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Depois de ter saboreado com pormenor os objectos (máquina fotográfica, negativos em vidro, fotografias, revistas, postais), expostos em vitrinas, e postados em colunatas e parede arredondada que dá acesso à escada, ficou guardado para o final, no espaço da loja, aquele que foi, para mim, o momento mais emocionante – tirar uma fotografia de época num “suposto” cenário de atelier de Paulo Namorado. Só tive pena de não estar trajada à época, como convinha.

Aconselho a visita.

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Foto em cenário

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Ílhavo, 21 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Que surpresa, ontem, no MMI...

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Ontem, foi uma surpresa na entrada do MMI, para os amigos que frequentam com alguma regularidade o Museu. E, sobretudo para o autor dos modelos.

O Amigo Marques da Silva depositara-os no museu, na semana passada, já que, por motivos diversos, não estavam inseridos na actual exposição que homenageia o autor. Estão, então, na vitrine da recepção, à entrada. A saber, o “moliceiro”, o primeiro modelo que o autor fez, já há alguns anos, que esteve na origem de uma brochura sobre a embarcação, entretanto esgotada, o “matola” ou “mirão”, moliceiro da zona sul da ria, a “mercantela”, a dita “barca da passagem Os Velhotes”, a “matola ou ladra”, que apanhava o moliço acumulado nas praias ou em locais mais recônditos e a “patacha” usada na Pateira de Fermentelos.

Todos de uma delicadeza, perfeição e beleza, na escala de 1/25.

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Barco moliceiro e o seu autor
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“Matola” ou “mirão”, do sul da ria
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Mercantela – Barca da passagem “Os Velhotes”
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“Matola ou ladra”, auxiliar do moliceiro, outrora
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“Patacha” da Pateira de Fermentelos

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Ílhavo, 20 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Modelos de Marques da Silva

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Desde 7 de Agosto até 31 de Dezembro, está patente no Museu Marítimo de Ílhavo, a exposição “Ciências Náuticas – Memórias e Modelos”, que pretende homenagear o Capitão António Marques da Silva, através da exibição dos seus trabalhos.

Desde 2008, o Amigo Marques da Silva, com a generosidade que lhe é conhecida, depositou no Museu, uma riquíssima colecção de modelos de embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, de modelos de lugres da pesca do bacalhau e de sete embarcações que navegaram nos Descobrimentos Portugueses, entre outros artefactos relacionados com a pesca à linha do bacalhau e alguns desenhos a lápis de lugres e do lugre-patacho “Gazela-Primeiro”. Ainda estão presentes as publicações com que nos foi brindando, entre 1998 e 2021.

Este post no “Marintimidades”, tem por objectivo chamar a atenção para a exposição, em que os modelos têm um lugar de honra.

Meia dúzia de fotografias de telemóvel, e com o defeito do reflexo das vitrines, pretende cativar os leitores, para os irem observar ao vivo, para apreciar toda a sua minúcia e beleza – as mais bonitas “maqettes” saídas das hábeis mãos de Marques da Silva.

Muito parabéns ao Autor e continuação da feitura de mais uns modelos, que põem à prova toda a sua sabedoria, paciência e habilidade manual.

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Lugre Creoula

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Lugre Argus
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Lugre-patacho Gazela Primeiro e lugre Hortense
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Bateira ílhava
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Barco do mar Sto. António
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Bateira de bicas e caçadeira de pesca Namy
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Ílhavo, 3 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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