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terça-feira, 5 de novembro de 2024

O Bote Catraio de Passagem da Bacia do Tejo


Continuei o meu caminho e, ao entrar no magnífico porto de Lisboa, dei por mim a pensar que estava na altura de construir um barquinho que só tinha visto numa vitrine da Sala da Pesca do Museu de Marinha, como representação dos pequenos transportadores de passageiros, que ligavam esta cidade à outra banda, como então se dizia.

Procurei no Pavilhão das Galeotas do Museu de Marinha e lá encontrei o que tinha pensado. Era o bote catraio de passagem, que, embora numa dimensão um pouco diminuta, logo me pareceu ser este o modelo que ficava a aguardar oportunidade e disposição para dar início a um novo trabalho, que ia enriquecer a minha colecção.

Era um belíssimo trabalho da coleção Seixas, que como todos é de uma perfeição e rigor inexcedíveis.

Não foi preciso mais nada para me dar a coragem que me andava a fazer falta. Preparei um plano de formas na escala de 1/25, como me é habitual, para que este modelo possa vir a fazer parte da minha já vasta colecção. É um airoso barquinho de formas perfeitas. Como trabalha com velas de espicha vai enriquecê-lo duplamente, pois será o primeiro desta arte.

Agora nada mais era preciso para começar a preparar o estaleiro e procurar nas minhas reservas os pedaços de madeira de limoeiro que me iam permitir fazer a quilha e as rodas da proa e da popa.

Prontas estas peças, chegam os pormenores e o trabalho vai com mais vagar. As escarvas de ligação devem ser perfeitas, para o conjunto ficar resistente, desempenado e certo no comprimento que o modelo tem. De seguida, é o alefriz que vai levar algum tempo para ficar bem graminhado, principalmente no redondo da roda de proa.

Agora, durante a montagem no estaleiro, tudo tem de ser feito com atenção. A quilha deve ficar bem segura, com a roda e o cadaste alinhados e fixados na vertical, para que o barquinho se construa perfeito.

Chegou então a altura de tratar das cavernas e as primeiras são as duas da casa mestra. Como são iguais, são marcadas e serradas ao mesmo tempo e depois de prontas assentes na quilha nos respetivos lugares, marcados previamente, de acordo com a informação retirada do plano de construção.

Com a colocação de mais algumas cavernas para vante e para ré das mestras, o meu bote começa a mostrar as suas formas elegantes e bem proporcionadas.

Aos olhos de quem o observa, as linhas do seu casco parecem ter sido retiradas de algum gabinete de arquitectura naval, traçadas por mestre muito sabedor.

Estou convencido, se hoje esse gabinete tivesse que idealizar uma embarcação de vela e remo, para executar o trabalho de transportar pessoas de um para outro lado da bacia do Tejo, ou passageiros e tripulantes de navios ancorados neste porto, serviço que a esta estava destinado, nada alterava ou modificava nesta pequena embarcação.

O desenho que me orientou é de Francisco Dias datado de 1929, o que me leva a pensar que teriam sido os barqueiros que navegavam nestes catraios, os chamados catraeiros, que reunidos em grupo, formaram a conhecida Companhia dos Catraeiros. Recordo que, era aos Catraeiros que eu fazia a requisição das lanchas e reboques, quando eram necessários para as manobras do meu navio em porto.

Mas voltando ao meu modelo; quando o casco ficou pronto e afagado a preceito, chegou a altura de começar a preparar o leme, as bancadas e os paneiros. Ainda faltava o mastro do grande, o da catita, o gurupés, o botaló e as varas das espichas, para poder tirar a dimensão e a forma dos painéis da vela grande, da catita e da de estai, que me permitiriam riscar no pano as respectivas velas.

Como este bote usava a arte de espicha (velas em que o punho da pena é esticado por uma vara em diagonal), este plano vélico era também uma novidade para mim e foi necessário aprender. Depois de cortadas, bainhadas, entralhadas e envergadas nos respetivos mastros, foi com muito gosto que verifiquei que o meu trabalho tinha resultado.

Faltava ainda fazer dois pares de remos, uma fateixa, um balde e um vertedouro para o meu bote catraio de passagem ficar aparelhado.

Resolvi deixar este modelo sem pintura. Dei isolante por fora e por dentro e revesti tudo com recuperador incolor para ficar à cor da madeira. Como sempre, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais, choupo no costado, tola nas cintas bancadas e remos. Ramos de ameixieira nos mastros e varas. Nas ferragens e âncora, usei cobre. Nas velas e cordame algodão.

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Por estibordo
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De cima…
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Plano de construção
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Plano vélico
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Este modelo do bote catraio de passagem da Bacia do Tejo construído na escala 1/25, representa uma embarcação com as seguintes dimensões:

. Comprimento fora a fora……6,62 m

. Boca………………………...…2,35 m

. Pontal……………………..…..0,89 m

 

Gafanha da Nazaré, 3 de Setembro de 2023

António Marques da Silva

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Gamela ou masseira de Vila Praia de Âncora

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Hoje, o “Marintimidades” está por conta do Sr. Capitão Maques da Silva, com todo o gosto.

Prosseguindo a minha pesquisa acerca das embarcações dos rios e das praias do norte, desci um pouco para o sul de Caminha e parei em Vila Praia de Âncora.

Os autores do trabalho que me ajudaram na construção do carocho de Caminha, desenvolveram igualmente os seus estudos na direcção de uma embarcação utilizada pelos pescadores de Âncora, que nesta praia toma o nome de gamela ou masseira.

Assim, continuando a seguir atentamente a, «Adaptação sob desenhos” de José Gonçalves e “Apontamentos e memórias” de João Baptista», obtive mais uma vez, as informações que desejava, para construir um modelo desta invulgar embarcação de pesca.

Dizem-nos os autores deste estudo que na Galiza se utilizava também uma masseira muito parecida com esta, mas é a de Âncora que vou tentar reproduzir tão fiel quanto me for possível.

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De proa
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Grato a estes dois estudiosos e seguindo as suas preciosas memórias, comecei por preparar como de costume, um plano de construção de modelo, simplificado, para reproduzir uma masseira com cerca de quatro metros e oitenta, na escala de 1/25, que é a que mais costumo utilizar.

Principiando este trabalho, logo fui verificando que sendo tão próximas estas localidades, o método de construção utilizado no carocho e nesta masseira, são totalmente diferentes.

Na verdade, tanto na forma, como no aspecto, estas duas embarcações também em nada se podem comparar.

O método de começar a construir pelo casco primeiro, “shell-first” utilizado na construção do carocho é aqui completamente esquecido. Voltamos a ter primeiro a preparação do painel do fundo, onde se vão aplicar as quatro cavernas, seguidas dos respectivos braços.

Como na masseira não há roda de proa nem cadaste, estas peças são substituídas por painéis trapezoidais, que depois de colocados nos seus lugares, a vante e a ré do fundo vão receber as tábuas dos costados.

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De popa
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Ficamos assim com uma embarcação de formas específicas, diferentes de todas as que tenho vindo a reproduzir nos modelos que tenho construído.

É na verdade, na sua forma, muito semelhante à vasilha de madeira “em forma de tronco de pirâmide rectangular, invertida, em que se dá de comer a porcos e outros animais”, que, antigamente, também servia para “banhos e lavagens”.

Enquanto embarcação, a gamela, é suficientemente reforçada no interior e com dimensões para poder ser utilizada na pesca e vir à praia em mar aberto.

Por esta razão, tem pregadas no fundo a todo o comprimento, a meio e aos lados, umas largas réguas para protecção ao apraiar.

Interiormente tem três bancadas, sendo a de vante com uma enora para o mastro. Tem paneiros a vante e a ré e duas anteparas transversais, sendo uma na primeira caverna de ré e outra na última de vante.

As chumaceiras para escalamões são três por bordo, podendo assim usar dois ou quatro remos para sua deslocação com falta de vento.

No painel de ré tem ferragens para aplicação de um leme de cana, cuja porta desce abaixo do fundo da embarcação.

Usa vela de pendão de amurar a vante, do tipo poveiro. Como palamenta tem quatro remos, um vertedouro e uma âncora de pedra, dita poita.

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 Pormenor interior com palamenta

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Na construção deste modelo, como de costume, utilizei madeira de limoeiro no cavername e de choupo no tabuado. Nas ferragens arame de cobre e na vela pano de algodão. Como medidas temos:

 

Comprimento………….4.80 metros

Boca………………………..2.20 m

Pontal…………………….. 0.60 m                               

Escala ……………………. 1/25

 

10 / 09 / 2015

António Marques da Silva


Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O "carocho de Caminha"

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“Carocho” de Caminha –

Embarcação do rio Minho

 

Completada a minha colecção de embarcações da Ria de Aveiro e do meu bote de meia quilha como representante das da bacia do Tejo, por que não procurar construir algumas que nos recordem os rios do norte de Portugal?

Esta pergunta que fiz a mim mesmo levou-me a pesquisar algumas informações sobre este assunto.

Principiando pelo Rio Minho, não foi difícil encontrar as respostas de que necessitava.

O carocho português foi título que logo me prendeu a atenção e que trouxe consigo as informações desejadas: adaptação sob desenhos de José Gonçalves e apontamentos de memórias de João Paulo Baptista.

Muito grato a estes dois estudiosos, deitei mãos à obra.

Baseado nos desenhos que são apresentados, comecei a preparar um plano de construção do modelo na escala de 1/25, como é meu costume, para fazer um carocho de Caminha, que, na realidade, tivesse aproximadamente seis metros de comprimento.

Agora só me restava seguir as informações que o autor dos referidos «Apontamentos e Memórias» tão detalhadamente apresenta acerca desta embarcação. Sugere ainda o autor a existência no Rio Minho de um carocho galego muito semelhante ao nosso, mas é o de Caminha que eu vou procurar reproduzir.

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Visão geral
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Tratando-se de uma construção que segue o método conhecido por (shell-first), isto é costado primeiro, tudo é um pouco diferente das minhas anteriores bateiras e barcos da Ria de Aveiro. Para estas como sempre referi, o cavername é assente no fundo, para depois receber os costados.

Aqui, como o autor explica, depois de pronta a quilha, ser-lhe-ão aplicadas com escarva as rodas de proa e de popa, seguidas das duas primeiras tábuas, que pregam directamente para estas peças. Só então se assentam as sete primeiras cavernas do meio.

Assim tentei proceder, mas logo me surgiu uma dúvida. Como pregaria estas primeiras tábuas na quilha, se não tivesse umas sólidas abas laterais para as receber?

Entendi que à quilha vertical deveria sobrepor-se uma tábua/quilha, que iria topar nas extremidades dos pés das rodas, onde previamente se teriam afundado os alefriz, para receber as tábuas dos costados.

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De proa
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Assim fiz, por ter concluído que em minha opinião, seria a forma prática para fazer este trabalho.

Aplicadas então as duas tábuas do fundo, preparei as sete cavernas que coloquei no seu lugar, seguindo a indicação de que a estas se juntariam as restantes quatro, sendo três para vante e uma para ré.

Daqui se conclui que a caverna mestra, a mais larga das primeiras sete, fica nitidamente para ré da meia-nau. Esta é a razão que vai permitir ao carocho mostrar a sua proa adelgaçada, muito elegante e levantada, depois de pregadas todas as tábuas da borda.

Voltando à construção, e tendo já colocada a segunda tábua de cada lado, fiz os braços para juntar às cavernas, para que cada uma ficasse com a largura que lhe era devida.

Só depois assentei as tábuas da borda e as restantes cavernas de vante e de ré. Com a aplicação do verdugo, do alcatrate e do talabardão, já era possível fixar as quatro chumaceiras com os escalamões para os remos, ficando a borda completa e o carocho com ar de acabado.

Mas ainda lhe faltava a bancada do meio, o assento da popa, os paneiros inclinados das casas de vante e de ré, os remos, o mastro e a verga, o vertedouro e a fateixa, sem esquecer a vela e o leme, para que possa navegar quando tiver vento de feição.

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Pormenor dos aprestos

Como é meu costume, apliquei na construção madeira de limoeiro para a quilha, rodas de proa, de popa e cavername. Para o tabuado utilizei choupo, para os remos tola e para o mastro e verga ramos de ameixieira.

A vela e os cabos são de algodão, a fateixa e as ferragens do leme, de arame de cobre.

Os costados, por fora, pintei-os de preto para imitar o breu e por dentro dei bondex para imitar o breu louro aplicado para conservação da madeira.

A embarcação real representada tinha de:

 

Comprimento ……6,45 m

Boca……………...1,60 m

Pontal…………… 0,45 m

 

Caxias, 12/07/2015

António Marques da Silva

 


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Que surpresa, ontem, no MMI...

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Ontem, foi uma surpresa na entrada do MMI, para os amigos que frequentam com alguma regularidade o Museu. E, sobretudo para o autor dos modelos.

O Amigo Marques da Silva depositara-os no museu, na semana passada, já que, por motivos diversos, não estavam inseridos na actual exposição que homenageia o autor. Estão, então, na vitrine da recepção, à entrada. A saber, o “moliceiro”, o primeiro modelo que o autor fez, já há alguns anos, que esteve na origem de uma brochura sobre a embarcação, entretanto esgotada, o “matola” ou “mirão”, moliceiro da zona sul da ria, a “mercantela”, a dita “barca da passagem Os Velhotes”, a “matola ou ladra”, que apanhava o moliço acumulado nas praias ou em locais mais recônditos e a “patacha” usada na Pateira de Fermentelos.

Todos de uma delicadeza, perfeição e beleza, na escala de 1/25.

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Barco moliceiro e o seu autor
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“Matola” ou “mirão”, do sul da ria
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Mercantela – Barca da passagem “Os Velhotes”
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“Matola ou ladra”, auxiliar do moliceiro, outrora
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“Patacha” da Pateira de Fermentelos

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Ílhavo, 20 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Modelos de Marques da Silva

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Desde 7 de Agosto até 31 de Dezembro, está patente no Museu Marítimo de Ílhavo, a exposição “Ciências Náuticas – Memórias e Modelos”, que pretende homenagear o Capitão António Marques da Silva, através da exibição dos seus trabalhos.

Desde 2008, o Amigo Marques da Silva, com a generosidade que lhe é conhecida, depositou no Museu, uma riquíssima colecção de modelos de embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, de modelos de lugres da pesca do bacalhau e de sete embarcações que navegaram nos Descobrimentos Portugueses, entre outros artefactos relacionados com a pesca à linha do bacalhau e alguns desenhos a lápis de lugres e do lugre-patacho “Gazela-Primeiro”. Ainda estão presentes as publicações com que nos foi brindando, entre 1998 e 2021.

Este post no “Marintimidades”, tem por objectivo chamar a atenção para a exposição, em que os modelos têm um lugar de honra.

Meia dúzia de fotografias de telemóvel, e com o defeito do reflexo das vitrines, pretende cativar os leitores, para os irem observar ao vivo, para apreciar toda a sua minúcia e beleza – as mais bonitas “maqettes” saídas das hábeis mãos de Marques da Silva.

Muito parabéns ao Autor e continuação da feitura de mais uns modelos, que põem à prova toda a sua sabedoria, paciência e habilidade manual.

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Lugre Creoula

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Lugre Argus
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Lugre-patacho Gazela Primeiro e lugre Hortense
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Bateira ílhava
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Barco do mar Sto. António
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Bateira de bicas e caçadeira de pesca Namy
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Ílhavo, 3 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 6 de abril de 2015

De passagem pela Gafanha...

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Em vésperas de Páscoa, visitei o amigo Marques da Silva, em sua casa de férias, na Gafanha da Nazaré, para ver o estado de adiantamento da obra que iniciara pelo Natal – um modelo de um bote de meia quilha do Tejo.
Construído por plano geral do Museu de Marinha da autoria de J. Barros, de 1941, à escala de 1:25, obedecia a todos os pormenores.
De registo B1520TL, de nome NOVA ELIZA, pintado nas caras brancas de bombordo e estibordo, usava, normalmente, a reboque, uma chata de serviço.
Aproveitei a ocasião de estar ainda em madeira, para fixar para a posteridade, antes da pintura, a sua beleza construtiva.
Além da vela, uma perfeição e uma riqueza de pormenor, MS vai preparando o aparelho para levantar a carangueja e poder determinar o respectivo painel. Uma obra de arte que as imagens, melhor que as palavras, evidenciam. Uma beleza!
Em estaleiro, sobre os planos de construção
Vista de convés de vante
Pormenor interior de
Pormenor de leme de cana
Espero com confiança que, depois da pintura, lá para o Verão, possa fazer outra sessão fotográfica «de estúdio».
Esta espécie de embarcação, já inexistente, foi das mais belas e rápidas que navegaram no Tejo, destinada ao transporte de carga e até de passageiros, dada a sua leveza.
Fotos – Da autora do blogue
Ílhavo, 2 de Abril de 2015
Ana Maria Lopes

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Exposição na Fragata D.Fernando II e Glória

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A Fragata D. Fernando II e Glória, localizada na doca seca nº 2 de Cacilhas, Almada, vai ser mimoseada pela exposição de modelos à escala de embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, saídas primorosamente das hábeis mãos do Comandante Marques da Silva. Organizada pela Comissão Cultural de Marinha terá a sua inauguração, no dia 21 deste mês, pelas 16 e 30 horas.
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São diversos, os modelos. Entre outros poderão apreciar o moliceiro, o matola, o mercantel, a bateira berbigoeira, a bateira mercantela, a caçadeira de pesca, a caçadeira de recreio, a bateira erveira de Canelas, a bateira da lagoa de Mira, a chinchorra, a bateira de mar, a labrega e a patacha.
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Não poderia faltar o barco de mar de 4 remos, réplica do Sto. António, último exemplar existente em exibição no Pavilhão das Galeotas do Museu de Marinha.

Modelo do barco do mar Stº. António

A bateira ílhava não poderá estar presente, segundo creio, por se encontrar em exibição permanente no Museu Marítimo de Ílhavo.
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Ílhavo, 9 de Fevereiro de 2015
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Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Modelo de caravela redonda de Marques da Silva

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Pelo 1º de Novembro, em que Marques da Silva se deslocou à Gafanha da Nazaré, trouxe-me esta surpresa para abrilhantar o Marintimidades – modelo da caravela redonda e texto alusivo. Ei-los:
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Quando terminei o meu modelo da caravela latina de três mastros, logo me surgiu a vontade de construir também uma réplica da caravela redonda, que era sem dúvida um complemento para o estudo que eu vinha desenvolvendo acerca deste tipo de navios, dos quais tanto se fala.

Assim, comecei por procurar os desenhos que havia no Museu de Marinha e fazer uma atenta observação do belíssimo modelo que lá se encontra.
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A pesquisa na Internet pouco adiantou ao que já sabíamos.
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Agora só faltava deitar mãos à obra.
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A caravela redonda ou de armada foi uma embarcação que começou a ser conhecida em Portugal, fazendo parte dos navios da época dos Descobrimentos, após o regresso de Bartolomeu Dias da sua notável viagem em que conseguira dobrar a ponta Sul do continente africano.

O simpático atelier de Marques da Silva

Sabe-se que em Castela, já era normal aparecerem caravelas com um mastro de pano redondo, arvorado a vante, mas essa alteração não foi muito utilizada pelos navegadores portugueses. Possivelmente, a nortada que é persistente na nossa costa Oeste, não aconselhava muito essa aplicação, que só teria vantagem nas viagens para Sul.
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Depois de ter sido conhecido e estudado o regime geral de ventos de todo o Oceano Atlântico, ter-se-á verificado, que para as viagens que então começávamos a efectuar, seria útil que as nossas caravelas, tivessem melhores condições, para navegar com ventos mais largos.
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Assim se justifica o aparecimento deste novo navio, que logo se apresentou com vantagem para ser utilizado nas armadas de defesa das costas, não só no continente, mas também nas ilhas atlânticas e nos mares do Oriente, onde começava a nossa ocupação.
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Da sua observação se verifica que não se trata de uma simples alteração do plano vélico. É um navio construído de novo para aproveitar o que tinha de bom a velha caravela acrescentando-lhe o que se entendeu vantajoso para fazer melhores viagens e em outros mares. Melhor aproveitamento do vento, mais espaço para colocação de armamento e mais casa para resguardo de maior número de tripulantes. 

Pormenor da popa e massame

Encontra-se referência à caravela de armada nos séculos XV, XVI e XVII, caindo depois em desuso.
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Construí o meu modelo desta caravela, seguindo, como disse, o plano do Museu de Marinha e observando os pormenores do modelo lá exposto.

Aspecto geral do modelo

Utilizei madeira, fio de cobre, pano e linha de algodão. Na pintura apliquei cuprinol, bondex e tinta preta.

O velame, obra da «artesã» habitual

Tal como na caravela latina, utilizei a escala de 1/75.
Este navio teria assim na realidade, como dimensões aproximadas:
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Comprimento ………………………... ± 30,00 metros
Boca ……………………………………..± 9,00 metros
Pontal …………………………………. ± 4,50 metros

Lisboa, 28 de Setembro de 2014
António Marques da Silva
 
Ílhavo, 14 de Novembro de 2014
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AML
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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O MMI prepara-se para albergar a «nossa ílhava»

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A ílhava, «para mim», só tem uma história mais ou menos consistente, há cerca de 30 anos. Bateira identitária dos ílhavos, foi a mais polivalente das embarcações da região lagunar – na ria, usada, para a apanha do moliço e para carreto; no mar, desde a rede do chinchorro, na quebra da vaga à arte da tarrafa, em águas do Tejo, na baia de Cascais. É enigmática e senti necessidade de sistematizar o que fui aprendendo sobre ela. Não descobri nada. Atenção! Li, observei, pensei e vou tentar pormenorizar coincidências. O processo da ílhava tem tido vários intervenientes, que se foram sucedendo no tempo.
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Sabia desde os meus vinte e tal anos que tinha havido uma bateira ílhava, mas como não havia deixado rasto que me despertasse a curiosidade, esse conhecimento permaneceu em letargia.
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A consulta frequente, pelos anos 60, do brilhante livro de Baldaque da Silva, Estado Actual das Pescas em Portugal, de 1891, não me despertou muito a curiosidade. Os elementos que, na altura, o autor forneceu, não me chamaram ao assunto. Baldaque fez algumas referências a esta embarcação e às tarrafas usadas pelos pescadores ílhavos na enseada de Entre Cabos da Roca e Espichel, em barcos denominados ílhavos. Inclusivamente com uma gravura (p. 403) e com uma descrição não muito vigorosa, relata que são barcos de fundo chato, de proa e popa terminadas em bico recurvado, mastro e leme de xarolo, construídos nas margens da ria de Aveiro, também usados na apanha da vegetação que ali denominam moliço.
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Barco ílhavo, em Baldaque da Silva (gravura)
 
Embarcação, muito possivelmente, já usada pelos ílhavos nos séculos XVIII e XIX para a pesca da sardinha com a arte da tarrafa, em faina no Tejo – conclui-se.
Embora a mesma fotografia (aqui já fotografia), tivesse sido usada por Rocha Madahil in Alguns Aspectos do Traje Popular na Beira Litoral e pelo padre João V. Rezende na sua Monografia da Gafanha (1944), os autores não dão nenhum realce à embarcação, mas sim aos trajes dos pescadores que a usaram, sobretudo ao gabão, barrete, calça, camisa axadrezada e faixa.
 

E, à época, mais ninguém despertara para a ílhava, que eu tivesse tido conhecimento.
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Eis senão quando D. Manuel de Castello Branco, in Embarcações e Artes de Pesca, livro publicado pela Lisnave, em 1981, fala destas embarcações oriundas do litoral de Aveiro, em que os ílhavos se deslocavam durante o Outono e parte do Inverno, temporariamente, para as águas de Cascais, atraídos por melhores condições de trabalho, preços, mercados e mar mais calmo.
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Castello Branco faz uma descrição muito minuciosa da ílhava: as características principais, a construção, as dimensões e tonelagem, a cor, o leme, o velame, os aprestos e acessórios, meios de propulsão (remos e vela), tripulação, actividade, artes de pesca (tarrafa) e porto de armamento. Era sem dúvida a «nossa ílhava» (imagem seguinte).



Luiz de Magalhães, in Barcos da Ria de Aveiro, 1905-1908, fez-lhe uma referência muito fugaz, que, de certa maneira, me confundiu. O próprio Museu de Ílhavo, criado oficialmente em 1937, não tinha no seu conjunto de miniaturas à escala, feitas habilmente por Porfírio Maia Romão em 1934, uma verdadeira ílhava.
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Há pormenores curiosos que me vão engrossando o interesse pela bateira ílhava.
Como nunca deixei de fazer recortes de jornais, de assuntos marítimos relativos ao mar e à ria, ao organizá-los, há cerca de três anos, veio-me à mão um, do Diário de Aveiro de 6 de Junho de 1999, em que a SIMRIA e o Clube de Vela da Costa Nova tinham assinado um protocolo em que uma das suas intenções era trazer de volta a ria antiga. Outro objectivo seria apoiar o projecto de recuperação da ílhava, embarcação que andou na ria de Aveiro, que deu origem a todas as outras, referiu Senos da Fonseca, acrescentando que «o próprio moliceiro é fruto de uma evolução natural da ílhava».
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DA de 6 de Junho de 1999

Achei que essa predilecção pela ílhava já era uma vocação mais antiga de Senos da Fonseca, tanto mais que um tempito antes (meados dos anos 90) tinha aparecido no Museu, para trocar umas impressões com a directora de então, sobre a bateira ílhava, munido de uns projectos da embarcação, em computador. Eu não sabia muito mais e confesso que os computadores, nessa altura, me intimidavam um pouco.
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Revelou-me mais tarde que devido a maleitas de que as informáticas às vezes padecem, perdera, com pena, os referidos projectos. Talvez a razão por que ainda hoje não tivéssemos tido uma bateira ílhava em tamanho real.
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Entretanto, tive conhecimento que na Colecção Seixas do Museu de Marinha existia uma miniatura à escala 1/25, em exibição, de um barco ílhavo.
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Também me apercebi de que o precioso Catálogo Seixas (publicado em 1988, pelo MM), abundante em fartas e seguras informações, nos apresenta, uma fotografia de um barco ilho, assim o apelida, a navegar na ria de Aveiro.
 
Barco ilho navega na ria de Aveiro… (Foto cedida pelo Museu de Marinha. Colecção Seixas)

 
E mais umas tantas preciosas imagens da bateira ílhava, na pesca da tarrafa, na baía de Cascais e imediações.
Entre os Amigos do Museu havia uma vontade não divulgada, mas intrínseca, de que o Museu viesse a ter uma bateira ílhava, mas tal desejo também nunca se cumpriu. Era capaz de ser um bocadinho arriscado, em vários domínios, assumir a sua construção.
E o tempo foi passando…
Com a mudança de século e já em Junho de 2007, SF., após uma pesquisa aturada e entusiasta, lançou o Ílhavo – Ensaio Monográfico do Século X ao Século XX, em que informa, a propósito da ílhava que, com base nas informações de Castello Branco, encomendara a Manuel Rufo, de Pardilhó, um modelo à escala de 1/27.
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Conclui (pp. 225 e 226) que havendo referências deste barco ter sido utilizado na apanha de moliço, não será estulto admitir ter sido a ílhava a precursora do barco moliceiro, tantas similitudes são patentes na forma e no conceito das duas embarcações…
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Nesse mesmo ano de 2007, o MMI exibira a exposição A Diáspora dos Ílhavos, no seu 70º Aniversário, de 8 de Agosto a 31 de Outubro, em que um modelo da bateira ílhava executado pelo hábil Marques da Silva fora vedeta. O plano, à escala 1/25, do Museu de Marinha, pertence ao desenhador e modelista, Luís António Marques, investigador da equipa H. M. Seixas, entre 1926 e 1948.

Modelo de barco ílhavo, em exibição, no MM

 
E com a força do Verão de 2011, o livro Embarcações que Tiveram Berço na Laguna, de Senos da Fonseca foi dado à estampa pela Papiro Editora. O autor revelou mais pormenores sobre a embarcação e teceu as suas considerações, algo discutíveis, mas admissíveis, pela sua viabilidade.
Já agora, seria realizável, hoje em dia, com os associados da AMI, em causa, e os meios de que dispomos (ou não dispomos) levar a efeito a recriação de uma ílhava em tamanho real? – pergunta-se. A nossa embarcação identitária? E para abicar onde? Não numa rotunda…exposta às intempéries. Na água, não duraria muito tempo – é sabido. O nosso museu, concordemos, à parte algumas limitações, temos consciência, seria mesmo o local de eleição.
Fica o desafio….
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Ílhavo, 20 de Outubro de 2011
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PS. Este blogue está em banho-maria desde o inverno de 2010. Parece-me o momento oportuno de ele vir a lume.

Como nas novelas…dois anos mais tarde…

A ílhava é um desejo concretizado. Chegou, no passado dia 30, ao Museu Marítimo de Ílhavo, graças ao saber e empenhamento de uma comissão da AMI, com a participação entusiasta e sabedora do construtor António Esteves, de Pardilhó, de Marco Silva (que se encarregou da vela) com cobertura fotográfica completa de Etelvina Almeida. No Verão passado, já com a ílhava em construção, Paulo Horta Carinha, reconhecendo o meu interesse pelo assunto, teve a gentileza de me oferecer um postal antigo de Aveiro, de que é grande coleccionador. Mostra nada mais nada menos que uma ílhava, já de menor dimensão, junto às Pirâmides, numa fase de vida já mais tardia, eventualmente pelo segundo ou terceiro decénio do século XX.
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A ílhava vai ser apresentada aos ílhavos, a 11 de Janeiro 2014, como nossa embarcação identitária, que levou muitos conterrâneos de antanho, por essa borda fora, que se transformaram em colónias mais ou menos fechadas de pescadores oriundos da zona, dando até origem a várias localidades litorâneas. Rogamos aos ilhavenses que estejam presentes.

Ria de Aveiro, junto às Pirâmides
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Imagens – Do arquivo pessoal da autora do blogue (livros, postais e jornal)
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Ílhavo, 3 de Janeiro de 2014
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Ana Maria Lopes
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