terça-feira, 30 de maio de 2023

Então, este ano, não houve, galeota?

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Já finda o Maio e não ouvi nenhum pregão de galeota! Este ano não deve ter havido…

Nem vi, nem ouvi, nem comi, nem cheirei.

Ou está proibida a apanha…

Galeooooota!

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Pregão único, mas bem timbrado, repetido e prolongado!

Fez-me falta, sobretudo, o pregão. Faz-me bem à alma e ao paladar – dizia um apreciador.

Marcava uma época – a época da galeota.

Costumava durar, cerca de um mês a mês e meio (de Março a Abril), a venda da galeota, pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. No início da safra, era sempre cara como fogo; pudera! há um ano que não se lhe chincvaa!!!! Mas à medida que se banalizava (por se ir transformando no lingueirão), o preço descia, permitindo que bolsas menos folgadas já lhe acedessem.

 

Sempre mais apoquentada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar.

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Arte a secar nos antigos trapiches, à borda da ria
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Hoje, já não tinha forças nem pachorra para andar de botas de água, pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.

Já abordei esta apanha da galeota no Marintimidades, por algumas vezes, mas não é que, ontem, numas arrumações do “baú de memórias”, encontrei mais umas tantas imagens que cliquei em 11 de Março de 1986 de um lanço de galeota? Que maravilha! Já com trinta e sete aninhos…registadas por mim, “à coca” de todos os pormenores. Conheço a “arte” de cor e salteado. Toca de ordenar as imagens e de preparar a conversa para captar os leitores/amantes do peixinho milagroso.

Trata-se um aparelho envolvente, tipo chincha, especialmente adaptado para a apanha da galeota, uma espécie de recém-nascido lingueirão.

Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco, um pano tipo mosquiteiro, muito franzido e folgado, que substitui o saco da chincha. O comprimento da rede é de cerca de 40 metros, tendo o pano mosquiteiro cerca de 2. A arte é feita com rede de traineira, usada.

Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), era o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.

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Fica um camarada em terra…

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Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.

A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semicírculo.

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Já completo o percurso em semicírculo
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Aproada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano.

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Camaradas alam a rede

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Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, fechando a boca do saco.

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Pescadores vão fechando o saco de pano branco

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A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.

Finalmente escolhem-na dos moliços e de outas mínimas ervagens, para a passarem para um balde ou para o quete da bateira.

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Escolha da galeota
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A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).

Apanhado o petisco sazonal, era preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:

Galeooooota! É tempo dela!...cantava o pregão.

 

E compradoras assomavam às portas!

Mas pareceu-me que o pregão estridente e bem-sonante foi interrompido por exigências marítimas que transtornaram os pescadores.

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Fotografias – clichés da autora do blogue, nos anos 80

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Ílhavo, 30 de Maio de 2023

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Ana Maria Lopes

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quarta-feira, 24 de maio de 2023

A Ria de Aveiro está de luto...

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A Ria de Aveiro está de luto…

Ontem, a ria de Aveiro ficou mais pobre, com o desaparecimento de José Maria de Oliveira Rendeiro. Carinhosamente tratado por Ti Zé Revesso, aos 83 anos (2.1.1940 – 23.5.2023), deixou, para sempre, as águas da ria para subir para a nuvem, de onde sempre avistará o seu moliceiro “A. Rendeiro”.

Murtoseiro de gema, aí nasceu. Desde rapaz, dedicava-se à apanha do moliço, à lavoura e também à pesca. A ria era o ar que respirava e, sem ela não podia viver.

Largou a lavoura e a apanha do moliço em 1975, ano em que foi para o Canadá em busca de uma vida melhor.

Depois de voltar à terra natal, retomou a actividade de arrais e tornou-se um dos resistentes que ajudou a salvar a embarcação tradicional da laguna, quando correu o risco de extinção, tão escassos eram os exemplares a navegar.

Homem bom, afável, dado, simpático, sempre trazia o seu barco, impecável, bem pintado, num brilho.

Participante assíduo em todas as regatas, fazia passeios em ria aberta e contava histórias relativas à sua vida e à sua ria.

Também cativou os fotógrafos, amantes da ria, que o retrataram com assiduidade. Para memória futura, aqui deixo uma pequena mostra de imagens de fotógrafos amigos, que o imortalizaram.-

Etelvina Almeida

 Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

António Cravo

Paulo Marques

Camilo Rego

Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

Etelvina Almeida

Rui Cruz

Entrevista TV. EA.

Rui Cruz

 

Jorge Bacelar

Mariano Zé

 
Um até qualquer dia. Etelvina Almeida
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Ílhavo, 24 de Maio de 2023

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Ana Maria Lopes


 

domingo, 21 de maio de 2023

MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo

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MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo

 

A bordo…
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Ontem, 20 de Maio, integrada no programa do Dia dos Museus, abriu a exposição MAR OCEANO: legado de Mário Ruivo, no MMI. Entre outros, há um agradecimento sentido que quero deixar a Mário Ruivo. Foi a escrita do prefácio ao livro “Faina Maior – A pesca do bacalhau nos Mares da Terra Nova”, editado pela Quetzal Editores, em Junho de 1996, que transcrevo:

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Quando hoje se fala de pesca, raramente se faz referência aos aspectos humanos desta actividade. Mais do que faina no mar, a atenção concentra-se nos conflitos que lhe estão associados, aos quais de tempos a tempos alude a comunicação social. A pesca aparece, assim, despersonalizada.

Os pescadores só ocasionalmente surgem nos écrans de televisão ou nas páginas dos jornais, no momento de grandes tragédias, com fundo de temporal e vaga alta. Mostram-nos mulheres a chorar na praia e entidades oficiais fazendo um discurso de circunstância. Recorda-se, então, que se trata de uma profissão de risco, que é preciso modernizar o sector e garantir a segurança das tripulações. Relembra-se a tradição marítima de Portugal. Os mais cultos citam Raul Brandão.

Daí o interesse deste livro, bem documentado, que nos oferece uma breve história e um panorama vivo e humanizado da pesca do bacalhau enriquecido por recordações e memórias de quem por lá andou. As fotografias, a preto e branco – ainda com alma – ajudam a recriar o “mito” e a “dureza” da faina maior. Vida tão dura e em condições tão ingratas que os mancebos que se matriculavam naquela pesca escapavam ao serviço militar.

Um mito até há poucas décadas profundamente enraizado no imaginário colectivo, cotejando o das navegações e que contribuiu para alimentar a ideia, já um tanto esbatida, que somos possuídos pelo “delírio das coisas marítimas” e um povo profundamente marcado pelas relações com o mar.

A leitura destas páginas faz-me voltar quarenta anos atrás, à época em que me ocupei do estudo das pescarias portuguesas no Noroeste do Atlântico, partilhando, todos os anos, meses a fio, a vida a bordo dos lugres, navios-motores e num ou outro arrastão, nos bancos da Terra Nova, nas costas do Labrador e na Gronelândia, até para além do círculo polar árctico.

Do fundo da memória, chegam-me recordações dos capitães que me acolheram nos seus navios, dos pescadores que pacientemente e com curiosidade me ajudaram nos meus trabalhos, das relações e amizades estabelecidas. Estou a ver o Capitão Sílvio Ramalheira, na cabine de navegação do «Capitão João Vilarinho», escutando com condescendente simpatia as minhas divagações sobre os otólitos e a idade dos bacalhaus e comentando com pragmatismo o que pensava da investigação pesqueira! Pergunto-me o que será feito do João Palão – considerado o melhor profissional da pesca à linha – que, nas horas vagas, fazia ofício de barbeiro e me cortava o cabelo, no convés, sentado num caixote, antes de embarcar em St. John’s. Recordo a azáfama dos dias de grande pesca, a angústia partilhada quando havia nevoeiro e estavam ainda homens no mar, com o “fog-horn” a roncar, como contam os autores. Relembro os termos preciosos que faziam parte do quotidiano a bordo, para mim tão misteriosos e poéticos, com os quais me ia lentamente familiarizando: “alantas”, “gatos”,”locas”. E até o “alfabuche” – uma medida de sal – que durante muito tempo pensei ser de origem árabe (por começar por “al”) e que não era mais do que “half bush”aportuguesado.

Vejo-me num dia agreste e cinzento, no cemitério de Godthaab, onde tínhamos ido enterrar um pescador, ao lado da figura severa do Comandante Tavares de Almeida, que me iniciou nestas lides a bordo do «Gil Eannes». Para onde vai o «Gil Eannes?», titulava, há dias, o jornal “Público”. “O Gil Eannes, que serviu de navio-hospital da frota da Terra Nova, fez 41 anos no passado dia 19 que foi lançado ao mar. Nos dias de glória, o seu hospital, por exemplo, dava assistência a 70 navios e a cerca de 7 000 pessoas. Atracado, há anos, na Rocha de Conde de Óbidos em Lisboa”. Onde, com nostalgia, o vi, há meses, quando passeava na doca. O prestimoso navio branco de assistência à frota, agora amarrado ao cais, gasto pelo tempo e coberto de ferrugem.

Nesta obra, a pesca do bacalhau é-nos apresentada quando ocupava ainda uma posição dominante nas actividades marítimas nacionais. A sobrevivência da nossa frota de pesca à linha face à concorrência de outros países que praticavam a pesca do bacalhau, utilizando sobretudo e cada vez mais os arrastões, resultou em grande parte da necessidade de ganhar a vida dos pescadores e do regime corporativo e de proteccionismo económico que dominava o sector.

Começava, então, a ser evidente, para quem analisasse criticamente a situação, que a pesca longínqua portuguesa perdia pouco a pouco posição face à concorrência das frotas modernas, bem equipadas, com adequado científico, técnico e diplomático, inseridas em economias dinâmicas e sociedades abertas.

 

Quando regressei a Portugal, depois do 25 de Abril, este processo tinha entrado já numa fase avançada que se acelerou com o novo direito do mar e a criação de zonas económicas exclusivas sob jurisdição de Estados costeiros – designadamente em águas tradicionalmente frequentadas pelos pescadores portugueses – onde agora apenas podíamos invocar direitos históricos para defender o acesso e negociar quotas. Em 1979, numa nota publicada no balanço do ano do “Expresso” considerei, face à incoerência da política de pescas nacional, que a decadência da nossa pesca longínqua era irreversível. As recentes notícias sobre a “guerra da palmeta” representam, simbolicamente, o fim de um ciclo.

 

O livro de Ana Maria Lopes e Francisco Marques, para além do seu valor documental constitui uma excelente fonte de referências para quem, no futuro, pretenda aprofundar o tema na diversidade dos seus aspectos técnicos, etnográficos e culturais do que foi uma importante actividade portuguesa. Ao valorizar culturalmente a “grande faina” e ao recriar uma ligação sentimental à actividade marítima, está também a contribuir para estimular a reflexão sobre o almejado “regresso de Portugal ao Mar”, à luz de novas perspectivas. Um tal objectivo nacional requer uma crescente informação e sensibilização da opinião pública, sobretudo quando se reconhece, hoje, à escala mundial, que os Oceanos constituem a última fronteira do planeta e um espaço vital para o futuro da Humanidade. Esta é, de resto, uma das motivações subjacentes à realização, em Lisboa, da Expo 98 e à designação pelas Nações Unidas, por iniciativa de Portugal, de 1998 como Ano Internacional dos Oceanos.

 

Ílhavo, 21 de Maio de 2023

 

Ana Maria Lopes

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sábado, 1 de abril de 2023

A salga, na exposição Faina Maior de 1992

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A salga é a última operação que o bacalhau sofre, a bordo, indispensável à sua conservação e que é efectuada no porão.

Este é o espaço do navio destinado à carga, limitado pela antepara da proa contígua ao paiol de mantimentos e ao rancho, e pela antepara da ré, que, nos antigos veleiros, era contígua aos aposentos dos oficiais (câmara ou salão). Neste porão, aparecem prumos de madeira no sentido longitudinal e transversal, que sustentam a estrutura do convés (os pés de carneiro) e ainda os vimes, que, no sentido transversal, ajudam à travação da ossada do navio. É entre estes prumos, que, por colocação de madeira, se fazem as divisórias do porão – as panas. Estas ainda são subdivididas em três partes chamadas hinos, dois à amurada (de bombordo e estibordo) e o hino do meio.

Na impossibilidade de expor um porão inteiro, limitámo-nos a apresentar meia secção de um porão de um antigo veleiro, desde a sobrequilha até meia altura.

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Secção de porão de antigo veleiro
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Quando o navio se dirigia para os pesqueiros, o porão ia carregado de sal, só com uma das divisórias, a pana de proa vazia; esta levava, por vezes, barricas de farinha, amarras, apetrechos de pesca, remos, madeiras dos dóris, varas de eucalipto, isto é, material que, em viagem, era distribuído para estrafego e aliviava a pana.

Iniciado o processo da salga, o peixe era passado do escorredouro do convés para o porão, através de uma mangueira de lona, caindo na dala, onde era garfado pelo passador de peixe para um dos hinos vazios, pronto a recebê-lo. Aí, dois salgadores, vestidos de roupa oleada e botas de borracha, com os joelhos protegidos da humidade por joelheiras, ajoelhavam-se sobre um encerado, ligeiramente virados um para o outro, com o alfabuche entre os joelhos.

O passador de sal (sempre sobre um hino com sal), gritava:” Sal! Sal! Sal!” e o salgador instintivamente puxava o balde de sal e despejava-o no alfabuche.

O garfeiro ou passador de peixe, junto à dala, gritava: “Peixe! Peixe! Peixe!” e ia atirando o bacalhau para o meio dos dois salgadores. Estes gritos de aviso facilitavam a mecanização do serviço e faziam com que os salgadores quase instintivamente pegassem no balde do sal, sem olharem para ele e se acautelassem no sentido de não apanharem com algum peixe sobre as mãos, o que iria redundar por possível ferimento, em prejuízo do seu próprio trabalho. Os salgadores, consoante a posição em que se encontravam, agarravam no peixe com a mão direita ou esquerda e estendiam-no com os cachaços para as anteparas de vante ou de ré do hino e começavam a salgar o peixe á mão (só mais tarde as luvas de lã de cinco dedos, protegidas por luvas de borracha foram introduzidas), com mãozadas de sal, do cachaço para o rabo. Seguidamente, a meio da canja (primeira corrida da salga de peixe com cerca de meio metro de altura por meio metro de largura), punham o peixe quer de cachaço quer de rabo para a amurada, ficando todos os espaços; o peixe, ligeiramente mais alto a meio, fazia com que a salmoura escorresse para os extremos da canja. Acabada esta primeira canja, os salgadores limpavam o sal caído no encerado e recuavam para fazer a mesma operação. Geralmente, faziam três canjas por hino do meio (estamos a exemplificar com meio hino) e para efectuar a terceira canja, passavam por cima do peixe salgado, viravam-se na posição contrária à que estavam, tapavam o último terço do hino e elevavam-se como se efectuassem, de novo, a primeira canja. Este hino ia subindo, subindo, subindo, até cerca de dois metros de distância do tecto do porão. Safavam-se os hinos da amurada, indo

o sal destes hinos para as panas contíguas (serviço feito com o auxílio de pás) e passavam a salgar os hinos da amurada…. E assim se ia repetindo sucessivamente a operação.

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Imagem de Alan Villiers. 1950
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O peixe ia abatendo bastante devido à dissolução do sal, por força do balanço e sobrecarga de sal que levava em cima. Daí que, em anos de carregamento, houvesse duas operações finais: o abarrote e o empanque. O abarrote consistia em salgar o peixe até ao cimo da pana desde que houvesse possibilidade do salgador trabalhar, muitas vezes já com a cabeça encostada ao tecto do porão: o empanque consistia em encher uma pana já abatida com peixe curado com bastantes dias de salga), de uma pana contígua.

Os salgadores eram pescadores com mais vocação para a salga e que se iam mantendo de uns anos para os outros. Formação especial ou técnica, não tinham; iam aprendendo com a prática e essa escola ia-se aperfeiçoando durante a descarga, a que os pescadores assistiam, e ao verem a qualidade da salga, contrariavam a tendência de mais ou menos sal, no ano seguinte.

Por mais arriscado que fosse o trabalho da pesca, por mais custoso e árduo que fosse o dos escaladores, o pior ainda era o dos salgadores. Em algumas povoações de pescadores, mulheres havia que diziam aos filhos pequenos, quando faziam maldades: “Se não tens juízo, mando-te embarcar de salgador num navio de bacalhau”. A posição incómoda, a frouxa claridade vinda da escotilha, umas pobres velas, os efeitos da humidade, as consequentes feridas nas mãos, a responsabilidade do trabalho controlado sistematicamente pelo capitão, faziam do cargo uma tarefa extremamente penosa.

De recordar os utensílios: mangueira, dala (que não se vêem na imagem), vertedouro, garfo de meio cabo, touco de vassoura, balde, pá, galão, joelheiras, encerado, alfabuche, tabuinhas e cachimbos, suportes de velas de estearina, com que se fazia a iluminação do porão.

Ílhavo, 01 de Abril de 2023.

Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 24 de março de 2023

Abre, hoje, a Feira de Março...

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Para mim, a Feira de Março, apesar da vetustez dos seus quase 600 anos, já foi, já era.

Para aí, há sessenta anos, quando vinha de férias da Universidade de Coimbra, que agradável era ir até à Feira de Março! Era mesmo obrigatório experimentar as sensações dos divertimentos mais ousados, para a época – comboio-fantasma, cadeirinhas voadoras, poço da morte –, ir ao Circo, flanar, pavonear as toilettes já primaveris, almejar encontros agradáveis, flirtar, renovar as bijouterias, etc., etc.….

O ambiente favorecia a diversão!

Mas porquê no “Marintimidades”, estas intimidades? Apesar dos meus verdes anos, os barcos moliceiros já não me eram indiferentes. E daí ficou a chapa que bati em 25 de Março de 1961. Não há dúvida que já atraíam as minhas atenções. Eis a prova

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Inauguração da Feira de Março – 1961
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A ria, inspiradora e calma, espelhava a paisagem!

Estava um bonito dia primaveril! O Rossio é, era, (será?...) sempre o Rossio! Parece que não. Muito está em mudança. Alimentava-se da água que bebia! ….

Além do mais, era hábito os barcos moliceiros estarem presentes, por iniciativa dos arrais, movidos pela tradição, em razoável número, no Canal Central, para exibirem as suas elegantes formas e garridismo cromático. Com eles vinham, também, alguns mercantéis, mais pesadões, mas sempre pujantes senhores da Ria.

Esta imagem deixa-me alguma saudade. Apesar de continuar a apreciar a beleza do Canal Central, algo mudou e, se calhar, não foi para melhor. Opiniões!...

 

Da antiga ponte Aveiro/Barra
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De passagem pela antiga ponte de Aveiro/Barra, naquela manhã resplandecente e de águas cristalinas, cliquei uma bela imagem do n/m “Ilhavense” e já em pleno Cais dos Bacalhoeiros, outra, do lugre-motor “Coimbra”.

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Lugre-motor “Coimbra”
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Que bela, soalheira e calma manhã de 25 de Março, há 62 anos!...

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Ílhavo, 24 de Março de 2023

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 20 de março de 2023

Naufrágio da "chalupa D. Maria", na Barra de Aveiro

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Naufragou na barra de Aveiro a chalupa D. Maria, da praça do Porto, para onde se dirigia com carga de sal, de conta do negociante de Ílhavo Sr. José Teiga.

O D. Maria foi ainda até ao espalhado para sair, mas como o mar embravecesse, voltou para dentro. Antes, porém, de chegar ao ancoradouro, um desarranjo no leme fez desgovernar o navio, que foi cair num baixo de areia do lado Norte, abrindo logo água e começando de imediato a inutilizar a carga, que se perdeu por completo. Sem esperanças de salvar o casco, a tripulação começou removendo o massame, velas, correntes, etc., que se acham em terra. O navio conserva-se ainda inteiro, porque está ao abrigo do embate das ondas, pelo que se pensa poder recuperá-lo. O D. Maria foi propriedade do conhecido e falecido armador de Ílhavo Sr. Manuel Machado e viajava então com o nome de "Machado 1º".

Perto do sítio onde agora naufragou, o navio sofreu há três anos igual sinistro, conseguindo-se, todavia, pô-lo a flutuar, passando depois à propriedade do Sr. José Teiga. Este Sr. só dispunha agora de uma terça parte, sendo as restantes duas terças partes da firma do Porto José Dias Pimenta & Cª. Nem o navio nem a carga estavam seguros. O D. Maria que se achava tombado foi ontem à tarde posto direito, à força de espias, lançadas pelo lado da costa de São Jacinto. Parece que se pode considerar salvo, embora seja grande o volume de água que se encontra no porão.

 

[Notícia publicada no jornal "Progresso de Aveiro" de 21 de Março de 1908]

 

Ílhavo, 20 de Março de 2023

 

Ana Maria Lopes

domingo, 5 de março de 2023

"Molinete" do "Faina Maior", em 2009

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Na senda do programa “O Meu Museu”, que iniciei, a convite do director do MMI, Nuno Miguel Costa, muitos episódios me assolaram a memória e este foi um deles – a história do molinete.

“Certo dia, quando o nosso saudoso amigo Capitão Francisco Marques terminava a construção do Faina Maior” e com grande satisfação me foi mostrar o seu trabalho, perguntei-lhe se não pensava instalar-lhe um molinete. Ele olhou para mim e, com amargura, disse-me que não se sentia com forças para isso. Não mais se tocou no assunto.

Mais tarde, já em Lisboa, conversei com o amigo Dr. Manuel Leitão, que, com a sua sempre pronta solicitude, logo me apresentou um conjunto de desenhos detalhados dos molinetes que se usavam nos palhabotes de Gloucester. Era completamente igual ao que eu conhecia do “Gazela”, só que de dimensões apropriadas a um navio como o Faina Maior”.

Guardei estes planos, mas não falei no assunto a ninguém, por não ter oportunidade.

Construi, então, uma maquette à escala e apresentei ao Sr. Director do Museu e ao Sr. Presidente da Associação dos Amigos do Museu a ideia da sua possível construção.

A minha proposta foi aceite em reunião da AMI e o Dr. Aníbal Paião, de imediato, deu ordem para a iniciação dos trabalhos, pondo à disposição as oficinas, os armazéns e o apoio logístico necessário para se dar início à obra.

Contactei o mestre José Vareta, a quem mostrei os desenhos e a maquette, para saber se estava disposto a dar seguimento a esta tarefa.

Observou tudo com atenção, e aceitou o trabalho, com a condição de ter apoio do serralheiro para acompanhar e executar os trabalhos em metal, para os transportes e suporte financeiro para a aquisição das madeiras necessárias.

O trabalho começou e logo se mostrou a todos os que o acompanharam, de uma atracção invulgar.

Foi bom voltar a ver riscar, serrar, unir e dar forma àquelas grandes peças de madeira que, dia a dia, iam mostrando as colunas, o tambor e as bonecas que começavam a dar vida à “velha” peça feita agora de novo.

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Na Pascoal…
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Depois, voltámos a ver trabalhar a enxó de ribeira, guardada há tantos anos, mas que o mestre ainda manobrava com mestria.

Começava o acerto das ferragens que, depois de devidamente aplicadas, davam movimento ao nosso molinete.

Trabalhava, rodava e até “cantava” como os seus “irmãos” a bordo dos navios.

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No MMI…
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Chegava o dia de partir para o seu lugar e lá seguiu desmontado na camioneta que o levou até ao Museu de Ílhavo, onde o mestre Zé Vareta, que já tinha construído o “Faina Maior” ia agora terminar o seu trabalho colocando no castelo de proa o molinete para virar a amarra».

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No MMI…
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28.4.2009 – António Marques da Silva

 

Fui acompanhando o trabalhado, sempre com curiosidade e entusiasmo, e fotografando as suas diversas fases.

Mais uma vez, estamos muito gratos ao Amigo Marques da Silva, pela boa vontade, espírito de pesquisa, saber e paciência.

Obrigada, Capitão Marques da Silva!

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Ílhavo, 5 de Março de 2023

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Ana Maria Lopes

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