domingo, 11 de março de 2018

Homens do Mar - João Simões Ré - 43

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Cap. João Simões Ré. Julho de 1942

João Simões Ré, nasceu em Ílhavo a 8 de Julho de 1903, na Rua do Urjal sendo o filho primogénito do «velho» capitão Alexandre Simões Ré (1880-1967) e de Maria Nunes Vidal, entre uma descendência de oito irmãos – seis rapazes (José, Armindo, Manuel, Armando, Alexandre e, ele próprio, João) e duas raparigas, Célia e Maria. Dos seis varões, quatro foram oficiais da Marinha Mercante e o mais novo, Alexandre Simões (Ré), já referido, nascido em 1920, motorista no arrastão João Corte Real.
Era portador da cédula marítima nº 14441, passada na Capitania do Porto de Aveiro, em 2 de Dezembro de 1916.
Do casamento (24 de Janeiro de 1942) já um pouco tardio com Alcina Benvinda Ruivo Cachim, nasceram dois filhos, a Alcina Maria Cachim Simões Ré, que fez parte do meu grupo alargado de amigas na Costa Nova e o João António Cachim Simões Ré, também ele, oficial da Marinha Mercante O efeito das gerações marítimas ainda se ia sentindo, por Ílhavo…
Rés, Paiões, Ramalheiras, Cajeiras e muitas mais famílias de gente do mar ilhavense fazem-me sempre muita confusão no parentesco, mas nada como, pé ante pé, ir esclarecendo, junto de familiares e amigos. Os sobrenomes de irmãos, a maior parte das vezes, eram diferentes e as alcunhas e sobrenomes confundiam-se com frequência.
Teria sido da geração de ilhavenses que provaram a água do mar muito cedo, até porque os genes familiares lhes corriam nas veias.
Por informação da ficha do Grémio, deixou de exercer a profissão desde 1925 a 1934, por motivo de ausência. Pensei logo na hipótese de ter partido, nessa época de crise, como outros oficiais ilhavenses do mesmo período, e assim me foi confirmada pelos filhos, a sua presença na marinha de comércio brasileira. Da família dos Rés, forçosamente, teria ido cedo, muito cedo para o mar. Mas, a esse respeito, nada me foi confirmado. Deduzo… por semelhança com outras famílias.
Passando a pente fino, nos jornais Beira-Mar e O Ilhavense, desde os primórdios, as notícias referentes à saída para os Bancos da Terra Nova (há alguns hiatos), apercebi-me de que na safra de 1922 (e possivelmente, também em 23), teria sido piloto do lugre Patriota II, da praça do Porto, sob o comando do pai, Alexandre Simões Ré. A partir do momento em que as fontes do Grémio fornecem material seguro, surge como piloto do lugre-motor Santa Quitéria (nas viagens de 1936, 37 e 38), com o capitão João Nunes de Oliveira Sousa, também, de Ílhavo.
Este lugre-motor, ex-navio dinamarquês Vénus, construído em 1919, iniciou a pesca do bacalhau na campanha de 1935, propriedade da Empresa de Pesca Lavadores, Lda., com instalações de secagem, na Barra. Por curiosidade e com base no jornal O Ilhavense de 10 de Junho de 1941, tendo chegado à Terra Nova em 15 de Maio, abriu água, afundando-se. A tripulação de 50 homens foi salva e recolhida pelos lugres, que, por aquelas paragens se encontravam. Era seu capitão o já referido João Nunes de Oliveira Sousa e piloto, o nosso patrício Adolfo Francisco da Maia.

O Santa Quitéria, naufragado, já incendiado. 1941

João Ré começou por conhecer as agruras da pesca à linha, passando mais tarde, efectivamente a capitão-pescador de arrastões.
À laia de estágio, fez a primeira viagem na campanha de 1940, no arrastão Santa Joana, como piloto, sendo capitão Francisco dos Santos Calão e imediato, Manuel Gonçalves Viana. Este navio, como já referido, foi o primeiro arrastão lateral português mandado construir para a EPA, na Dinamarca, em 1935, adaptado às exigências dos mares gélidos do bacalhau.

A modernidade do arrasto lateral, à época

Voltou à pesca à linha, de saco de lona num novo convés, como piloto do navio-motor Santa Maria Madalena, de aço, construído para a Empresa de Pesca de Viana nos Estaleiros da CUF, em 1939. Nas campanhas de 1941 e 42, foi seu capitão Joaquim Fernandes Agualusa e imediato, Manuel Pereira da Bela, de alcunha Violante, também nosso conterrâneo.
Entre mar e terra e terra e mar, e empresa armadora, o tempo passado carinhosamente no seio da família ia sendo muito pouco e, normalmente, os filhos sabiam muito pouco da vida dos pais. As mães eram as matriarcas para tudo e para todos.
Para cumprir a dura missão da pesca à linha, faltava-lhe passar por dois navios:
 - Um, na safra de 1943, inaugurando-o, foi o navio-motor, de madeira, Bissaya Barreto, tendo João Ré passado a imediato, sob o comando de Elias Andrade Bilhau, natural da Figueira da Foz. Este navio, como já referido, foi construído para a Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda., por Benjamim Mónica, na Figueira da Foz, em 1943, tendo sido o primeiro navio-motor de pesca à linha construído de madeira.
 - Outro, na campanha de 1944, foi o famoso e elegante lugre-motor, de aço, de quatro mastros, o Creoula, ainda hoje navio de treino de mar para jovens e menos jovens, dependendo dos programas. Com Francisco da Silva Paião, o conhecido capitão Almeida, na chefia, e António dos Santos Labrincha, como piloto, João Ré, como imediato, deixou definitivamente na sua esteira a pesca à linha e passou decididamente para os arrastões de pesca lateral.
Entre os anos de 1945 e 1949 (inclusive), o arrastão João Álvares Fagundes foi a sua morada aquática, estreando-o, perfazendo nele, ao todo, sete viagens, com curtas estadias em terra, as duas primeiras de imediato e as restantes, sempre de capitão. Enquanto imediato, teve os ílhavos João Nunes de Oliveira Sousa como capitão e Júlio Pereira da Bela, o Salsa, como piloto.
Enquanto capitão, navegou com o conterrâneo António Augusto Marques (Marcela), como imediato (1948 e 49).
O arrastão clássico João Álvares Fagundes foi construído na Companhia União Fabril (CUF), em Lisboa, em 1945, para a Sociedade de Armadores de Bacalhau (SNAB), de Lisboa.
O arrastão clássico João Álvares Fagundes

Nos anos de 1950 e 1951, de «enxoval» ao ombro, saltou para o comando do arrastão do mesmo tipo Álvaro Martins Homem, tendo nele cumprido três viagens. Não era vida fácil – além dos perigos inerentes à profissão – suportar a ausência tão prolongada da família.
Este arrastão de aço também foi construído, em 1941, para Sociedade de Armadores de Bacalhau (SNAB), no estaleiro da Companhia União Fabril (CUF), em Lisboa.

A bordo, na asa da ponte, fumador inveterado

Chegou o momento de fazer uma viagem, a inaugural, no arrastão João Martins, a de 1952, com a oficialidade toda de Ílhavo, Asdrúbal José Sacramento Teiga, como imediato e José Nunes de Oliveira, como piloto.
Este arrastão foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, em 1952, para a SNAB., tendo sido registado em Lisboa, em 18 de Julho de 1952.
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O arrastão João Martins
 
Segundo informação de Ricardo Lisboa da Graça Matias, na p. 142 da sua dissertação de mestrado, Os Arrastões do Bacalhau (1909-1993), apesar de ter sido o último arrastão do grupo inicial a ser construído, não foi, seguramente, o melhor deles, o João Martins.
E desta vez, mudou o saco do «enxoval», para finalizar a sua brilhante carreira de mar, de vez, para o convés do arrastão Fernandes Lavrador, por onze anos, desde 1953 a 1963, em que arrostou com o mar, as vagas, a lonjura, os growlers, os icebergs, os furacões, os cardumes, o azar, a sorte, a coragem e o destino. Ao todo, neste arrastão, sensivelmente, fez dezassete viagens.
O Fernandes Lavrador foi construído no Estaleiro T. Van Duijvendijk’s  Scheepswerf em Lekkerkerk, na Holanda, em 1947, tendo sido registado em Lisboa, em 25 de Agosto de 1948, também para a SNAB., sociedade a que o capitão foi fiel desde 1945.

O arrastão Fernandes Lavrador

Com o andar dos anos, as informações seguras sobre a oficialidade, sobretudo nos anos de duas viagens foi rareando, mas concluímos que foi seu imediato, o ílhavo, José Ângelo Ramalheira (1953), piloto, Mário Augusto da Silva Madalena (63) e praticante de piloto, António José Ferreira Simões Ré, seu sobrinho, em 1954.

Na asa da ponte, João Ré navegando em campos de gelo

E com a última viagem de 1963, deixou o oceano, com perto de cinquenta anos de mar salgado.
Não teve muito tempo para se refazer em terra da lonjura marítima, junto da família, entre a sua casa da Rua Arcebispo Bilhano, nº63 e a casa da Costa Nova, sobranceira à ria, sobre o Café Atlântida.
Trabalhador, leal, bom, simpático, afável, se bem que também soubesse ralhar, quando oportuno – era assim o capitão João Ré.
Deixou-nos, vítima de problemas respiratórios, em 30 de Março de 1970, com 67 anos.
Falar de Ílhavo, é falar do mar – do seu sussurro, da sua canção cujo eco se repercute pelos séculos além. Ílhavo e o mar andam tão unidos como o perfume às rosas e a inquietação à alma humana – já poetava João Marques Ramalheira.
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Fotos – Gentilmente cedidas pela Família e arquivo pessoal
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Ílhavo, 5 de Fevereiro de 2018
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Ana Maria Lopes
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