Um bota-abaixo na Gafanha é sempre um acontecimento festivo: no estaleiro e em todos os caminhos em redor via-se muita gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo. Ansiedade! Emoção! Expectativa! E na ria, toda a frota bacalhoeira, embandeirada em arco pela “camaradagem” de mais um barco que a ia enriquecer!
O São Jorge era um navio-motor que deslocava mil toneladas com capacidade para catorze mil quintais de pesca. As suas características principais eram: comprimento, 54,15 metros; boca, 10,48 m. e pontal, 5,62 metros. Embarcava uma tripulação de 80 homens, entre os quais 62 pescadores. Dispunha de um motor principal de 600 H.P. e motores auxiliares, guinchos, sonda eléctrica, radar e câmara frigorífica para isco e conservação de alimentos, com capacidade de 60 toneladas. Foi seu primeiro capitão o Sr. João dos Santos Labrincha.
São Jorge é um nome que anda ligado à História de Portugal, desde que Portugal nasceu. Era o grito de guerra – “S. Jorge e Portugal!” – que levava vitoriosamente os nossos exércitos até à derrota dos inimigos. Quis a empresa dar-lhe esse nome como um símbolo e eu, como madrinha, ofereci-lhe uma bonita imagem do Santo a cavalo, de espada em riste, a lutar com o dragão, o mar, que sempre viajou durante anos, a bordo, na Câmara dos oficiais, até 1973, ano em que a empresa o vendeu. A imagem, depois de ter sido cedida ao MMI. para a exposição Faina Maior até 1999, actualmente, voltou à procedência, ao fazer parte dos meus bibelots de estimação, para que olho com enlevo.
Em tribuna construída à proa da nova unidade, tomaram lugar muitos convidados e personalidades, dentre os quais os Senhores Arcebispo-Bispo de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal, Sr. Comandante Tenreiro, Governador Civil do Distrito, Dr. Francisco do Vale Guimarães, Almirante Alves Leite, Director Geral de Marinha; Engenheiro Higino de Queirós, presidente da C. R.C.B.; presidentes das Câmaras Municipais de Aveiro e Ílhavo; Comandante António Caires da Silva Braga, capitão do Porto de Aveiro; presidente e vogais do G.A.N.P.B., os comandantes militares de Aveiro, representantes oficiais da base aérea de S. Jacinto e muitos armadores e capitães da frota bacalhoeira.
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Tribuna dos convidados, pela proa do navio
Em momento solene, sua Ex.ª Reverendíssima benzeu a nova embarcação, augurando-lhe “um bom futuro, atendendo ao espírito verdadeiramente cristão de quantos nela trabalharão em árdua e perigosa tarefa, confiados unicamente na fé em Deus”.
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Bênção do navio
Antes, porém, do lançamento, fizeram-se os discursos da praxe, falando primeiro pela empresa armadora o Sr. António Cunha, seguido pelo Sr. Comandante Tenreiro, que afirmou:
– “Se meditarmos um pouco na obra feita, na renovação da frota, encontraremos motivos de regozijo por tudo quanto se fez no nosso país. (…) Foi em 1938 que o lugre Novos Mares foi lançado à água seguindo o caminho iniciado com a construção do Brites, nos estaleiros do Mestre Mónica, na Gafanha da Nazaré. Sem que mesmo se tivesse a plena consciência disso, havia de constituir a vanguarda da nossa frota da pesca do bacalhau, a mesma que hoje se afirma como a primeira do mundo”.
Após o discurso do Sr. Governador Civil e do Mestre Manuel Maria Mónica, finaliza o Sr. Ministro da Marinha:
– (…) “O São Jorge vai descer na carreira. A este, outros navios se seguirão. É a tradição que se mantém. O Governo do Estado Novo jamais deixa perder o que signifique valor nacional”.
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Oradores e convidados na tribuna
Realçou-se que o lançamento à água de um navio para a pesca do bacalhau representava um acréscimo de riqueza e de trabalho, exprimindo a continuidade de uma política que desde há 30 anos vinha operando, em paz, uma transformação profunda na vida da Nação.
Lá no meu canto (dada a minha pequenez) nem era notada a minha presença; eu pouco ou nada percebia daqueles “chavões” que mais tarde foram sendo desmistificados à luz das épocas que lhes sucederam, susceptíveis de várias interpretações e considerações.
(Cont.)
Ílhavo, 30 de Abril de 2008
Ana Maria Lopes