domingo, 26 de maio de 2013

Almoço-convívio do 7º Ano de 1959-60

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No último sábado de Maio, reunirmo-nos habitualmente, no Encontro do 7º ano de 1959-1960, do então Liceu Nacional de Aveiro.
Agrupámo-nos, pela primeira vez, no Hotel Imperial, em Aveiro, na Primavera de 1994, após praticamente uns trinta anos de afastamento e de desconhecimento das agruras e felicidades, sucessos e insucessos que a vida nos fora trazendo.
Nós que vivemos em franco convívio, durante sete anos, no «nosso liceu», ou apenas dois, 6º e 7º anos, após uma frequência de cinco no Externato de Ílhavo, ficámos amigos, sendo a sincera amizade, hoje e sempre, um bem a preservar.
Éramos um grupo de jovens saudáveis e sonhadores, que, refreados pela educação do tempo e pelos costumes de então, não deixámos de ser moços e moças, alegres e felizes.
 

Baile de Finalistas, no Teatro Aveirense
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Desde picnics a S. Jacinto, em barco mercantel, a idas no Vouguinha para convívios, em Eirol, até a luxuosos bailes no Salão Nobre do Teatro Aveirense, récitas no mesmo Teatro, excursões ao Algarve, houve de tudo um pouco, em sãs confraternizações.
 

Em Albufeira…em 1960

Essa familiaridade liceal, para alguns eleitos, era prolongada, pelo Verão quente, na Costa Nova, pela ria e pelo mar…

Na ria da Costa Nova, 1961

 
E cá estamos de novo, de novo, na borda de água, depois do almoço-convívio na Estalagem da Pateira de Fermentelos, em Maio de 2008.
Havíamos há pouco criado o Marintimidades, aproveitando a visita pela borda da pateira, local inspirador, agradável e evocador, para aí falar das suas embarcações e belezas.
Este ano de 2013, com mais cinco em cima, conta uma diuturnidade, tendo direito a evocação. Voltámos à beira d’água, a Pessegueiro do Vouga, sobre o próprio rio que lhe dá o nome… o Vouga, que tanto nos diz.
 

Ponte secular de Pessegueiro do Vouga

 
Com ponte belíssima e secular, também local idílico…e sossegado. Elegantíssima obra de engenharia arrojada, esta ponte, construída em pedra, inaugurada em 1913, nos seus 165 metros de comprimento e 28 de altura, desmultiplica-se na beleza dos 12 arcos, geometricamente pensados e repensados. E, já agora, como estaremos de embarcações? Coscuvilhemos…e, de mão dada, para não cair, fomos assapar numa patacha, o que sempre nos agrada ao olhar e à alma, ao sentir a água fresquinha e corrente do rio.


Recanto paradisíaco
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A ponte insere-se num recanto natural verdadeiramente paradisíaco de verdes matizantes das montanhas que desaguam languidamente nas águas do rio Vouga, donde sobressai pela sua imponência, majestosa e sóbria, transmitindo uma imagem ímpar de beleza natural e artística.
A Ponte do Poço de Santiago, para além das suas particularidades estruturais, tem também um importante significado histórico. Por ela passava o Vouguinha, carinhoso nome dado ao comboio a vapor que circulava na Linha do Vale do Vouga.
 
Foi um dia bem passado, nesta Primavera que tarda em assentar arraiais, a recordar récitas, bailes, excursões, histórias, a ver vídeos e fotografias e a «brincar» aos jovens, graças àquela pitadinha de criança que ainda existe em cada um de nós, não sem a voz sedutora de Manuel Freire, nosso colega, acompanhado à viola.
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Pelo meio da tarde, eis que demos conta que, em vários pontos da serra, o fogo serpenteava as encostas, activado pelo vento fresco e algum calor. É a peste repetitiva dos nossos Verões, que teima em nos privar da frescura das matas e florestas. Foi um corrupio de civis, carros dos bombeiros e helicópteros, em ajuda mútua.
 

O fumo plúmbeo, em nuvens ascendentes…

Claro, além de conviver com os colegas e amigos, recordar simpatias, paixonetas, derriços, «amores encobertos», nunca revelados…, outros mal resolvidos, não sem todos sentirmos o peso, os efeitos e a experiência de mais uns simpáticos cinquenta anos em cima. Meu Deus! Como o tempo passa, deixando marcas mais ou menos indeléveis!!! Foi o nosso 20º Encontro, após um interregno de cerca de trinta anos.
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Fotografias – Do Arquivo da autora do blogue
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Ílhavo, 26 de Maio de 2013
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Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Naufrágios de ontem e naufrágios de hoje...

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Ontem, na praia do Furadouro, ali tão perto, o mar vitimou dois pescadores que seguiam a bordo do barco do mar, JOVEM, de registo, A - 3244 - L, que naufragou, quando praticava a arte xávega.
 
Barco JOVEM, na praia
 
Hoje, através do Diário de Aveiro, lemos pormenorizadamente a notícia.
Não podia, não devia ser verdade!
Sustento de tantas famílias, cemitério de tantos vivos/mortos, MAR que é MAR, tem de ser respeitado!
A nossa homenagem à memória de Benjamim Carriola e de Jacinto Moreira.
 
Ílhavo, 23 de Maio de 2013
 
Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 22 de maio de 2013

O torpedeamento do lugre Gamo - 1918 - (Cont.)


E continua a relatar Costa Júnior:

(…)

Com a desilusão sofrida entrara o desânimo. Havia, entre os tripulantes, quem entendesse que não era necessário lutar mais, pois tudo lhes parecia inútil. Aqui e além avizinhavam-se prenúncios de revolta entre os náufragos, sem forças para suportar o peso enorme da sua tragédia. O capitão resolve então intervir e … mentir.
 É uma cobardia deixar de lutar pelo facto do iate não nos ter recolhido. Nós estamos apenas afastados 36 milhas da ilha do Faial, o vento é de feição, o mar plano, e se navegarmos como temos navegado até aqui, amanhã estaremos salvos…
A mentira – piedosa mentira essa – deu o melhor resultado. Os homens tomaram nova coragem, reanimaram-se, e perguntaram ao piloto se era certo estarem tão perto de terra, ao que o piloto (João Maria da Madalena) respondeu:
Pelo meu cálculo estamos a menos de 30 milhas do Faial.
A mentira surtira o efeito desejado, mas o pior seria no dia seguinte, pois em boa verdade a ilha do Faial estava afastada ainda, pelo menos 80 milhas. Que nova mentira seria possível inventar?


Ficha do Grémio do piloto
Entretanto, o tempo não pactuara com a mentira e tornara-se agreste e enevoado. Não se vendo o horizonte, os homens, desalentados, começaram a desconfiar do apelo do capitão, que, entretanto, fora interpelado.
(…)

Navegámos toda a noite, veio o dia e continuamos a navegar, e a ilha não aparece …
Ao que o capitão respondia, sem entrar em grandes pormenores:
Aparece sim … Rema sempre, ajuda a vela, que depressa chegaremos …
No dia 9, às 5 horas da manhã, clareou o horizonte repentinamente, e com grande alegria dos náufragos e maior espanto de muitos deles que já descriam da salvação, avistavam-se as ilhas Graciosa, Faial e Pico, tão claras que pareciam pintadas num quadro.
«Terra à vista! Terra à vista! Estamos salvos!» – gritavam todos a um tempo. No meio da maior alegria foi o barco do capitão acostado por todos os outros, indo os seus tripulantes um a um, debruçados na borda, abraçar o capitão, tendo havido quem dissesse:
Se nos tem dito a verdade não teríamos coragem para sofrer tanto e teríamos morrido todos …
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Mas, depois de ligeiros momentos de alegria, reviravolta nas emoções. Um calor intenso e as gargantas secas que nem fogo estaladiço! Eis que capturaram uma tartaruga, o que, por vezes, acontecia. Rapidamente degolada, largou o sangue para um sueste, aparado por um pescador. Tendo-o bebido de um trago, caiu inanimado. Só água salgada pela cabeça lhe revitalizou os sentidos.
(…)
O dia estava escaldante, o vento entrara em calmaria e ninguém tinha forças para remar. A terra estava ali, à vista de todos, mas entre aqueles 29 homens nem um só acreditava na salvação. Nenhum deles podia já, vencidos pela fome e pela sede, fazer o mais pequeno esforço …
Os dóris, a remos ou à vela, avançavam a passo de formiga, impulsionados por aquelas vontades de gigantes, e às 2 horas, após titânicos, o barco do capitão conseguiu dobrar a ponta dos Capelinhos, acompanhado por mais três. Nos restantes, os tripulantes completamente exaustos, não tinham forças para remar, certos que morriam à vista de terra sem a poder alcançar.
O capitão procurava inutilmente um lugar para desembarcar, difícil de encontrar no negrume da noite. Lá avistaram os náufragos o farol de um barco fundeado, e para ali se dirigiram todos. Era a canoa dum tripulante com o seu proprietário a bordo, e antes mesmo de lhe pedirem qualquer indicação ou auxílio, os pobres náufragos só puderam pronunciar uma palavra: Água! … Água!
(…)
Tendo-os o proprietário refrescado imediatamente, conduziu-os a casa, perto de um pequeno porto. A família do honrado pescador açoriano ajudou os náufragos do Gamo a sair, conduzindo-os a um poço, onde beberam até fartar.
(…)
Era uma hora da madrugada quando o capitão João Agualusa, amparado pelo caritativo pescador, foi até à da cidade da Horta onde vivia a autoridade marítima, participar-lhe o ocorrido e pedir-lhe auxílio para o salvamento dos barcos que se encontravam ao largo – sem que os seus tripulantes tivessem forças para se aproximar. Uma hora depois, saía da doca a lancha a motor Elite, em serviço na Capitania do Porto, fazendo rumo à ponta dos Capelinhos. Foi encontrado um dóri, que seguia rebocado por um barco de pesca que o socorrera, e mesmo sem acostar, o Patrão Mor atirou-lhes alguns pães e um garrafão de água; a viagem prosseguiu para rodear a ilha, e às cinco horas outro dóri foi encontrado, também já a reboque dum pesqueiro. Aprovisionado de água e pão, continuou a busca dos restantes náufragos que durou toda a madrugada e toda a manhã até às 13 horas, sem maior resultado, cruzando o mar em todas as direcções.
(…)
Em momento de tristeza, todos imaginavam os seus camaradas perdidos para sempre. Mas, entretanto ao passar a Elite junto ao porto de Castelo Branco, um homem gesticulava com desespero e ansiedade. Aproximaram-se e ouviram:
Os náufragos que faltam já estão todos em terra. O dóri do senhor piloto (João Maria da Madalena) arribou na costa norte, na praia do Almoxarife, e foi um automóvel buscá-los…


Piloto do Gamo

Satisfeitos com a notícia, os passageiros da lancha da capitania continuaram em direcção à doca, onde chegaram perto das 16 horas. No cais o bravo capitão João Fernandes Mano Agualusa era aguardado pelo governador civil, pelo director do Hospital da Horta, pelo director da Alfândega e outras autoridades e muito povo, cada um à porfia querendo saudar e homenagear o heróico comandante do Gamo que, comovido e envergonhado, não sabendo o que tinha feito para merecer aquele acolhimento carinhoso, chorava, as lágrimas caindo-lhe em grossas bagas pela cara abaixo. Quem, no momento de perigo defendera a vida de todos, e se portara como um valente; quem praticara feitos dignos dos velhos marinheiros portugueses que esmaltam de glória páginas antigas da história, chorava de comoção, envergonhado desse momento final de fraqueza. Disse depois: parecia-lhe que chorava de alegria por ver os seus homens salvos …
Passados dois dias foi encontrado o oitavo dóri pela lancha baleeira Amaral, que o trouxe a reboque para a doca do porto da Horta. Salvaram-se 34 dos 39 náufragos que tripulavam o bacalhoeiro Gamo, tendo aportado ao Faial em 8 pequenos dóris, de 13 pés de comprido por 5 de largo, navegando esses botes, quase sempre sem comer nem beber, 470 milhas à vela, a remo e a correr com as vagas.
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E assim Costa Júnior acabou o relato, que respiguei, provavelmente baseado, na narrativa escrita na primeira pessoa, por Capitão e Piloto do Gamo, a bordo do lugre Sílvia, aos quatro dias do mês de Julho de 1924.

Ficha do Grémio – Cedência do MMI e foto do piloto, do neto, João da Madalena Oliveira

Costa Nova, 22 de Maio de 2013

Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 15 de maio de 2013

O torpedeamento do lugre Gamo - 1918

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Como o mundo é pequeno e, às vezes, anda distraído.
Sempre fui conhecida e amiga da Senhora D. Maria Júlia Mano, viúva de Cândido Teles. Falava-me com frequência no feito heróico de seu Pai, contemporâneo de meu Avô, na pesca do bacalhau, mas, muito francamente, nunca liguei o nome à pessoa.
 
Capitão do Gamo


Agora, que pretendia que o Marintimidades também fixasse, para memória futura, o grande arrojo do capitão e tripulação do lugre Gamo, qual não é o meu espanto, quando ao procurar a ficha de inscrição no GANPB de João Fernandes Mano, de alcunha Agualusa, nascido em Ílhavo, em 1884, li que tivera como filhos, João de Oliveira Mano (já falecido) e Maria Júlia O. Mano, a tal minha amiga, contemporânea de minha Mãe, ambas com a vetusta idade de 87 anos.


Ficha do Grémio do capitão
 


E vamos ao Gamo. Há mais do que um relato. Assim sendo, resolvi respigar um deles, o que será menos conhecido, o do jornalista Costa Júnior, in Ao Serviço da Pátria – A Marinha Mercante Portuguesa na Iª Grande Guerra, edição da Editora Marítimo-Colonial, Lda. Lisboa, 1944.

Se a pesca do bacalhau já era, de si, tão dura, como todos sabemos, o ano de 1918 ainda conseguiu ser pior, pois, a ele acresceram os horrores e contrariedades da guerra submarina.


E relata Costa Júnior:
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(…) Todas as contrariedades passadas, os trabalhos sofridos, eram dados como bem empregados pelos 39 homens que constituíam a equipagem do lugre português Gamo, que naquele dia 22 do mês de Agosto de 1918, se preparava par iniciar a viagem de regresso ao Tejo. O navio encontrava-se estanque de quilha à borda, carregado com cerca de seis mil quintais de bacalhau salgado, fundeado entre os baixios Sunder e Nain Fathons.
 
A ordem do Capitão de suspender a âncora não foi conseguida nem à primeira, nem à segunda e a partida teve de ficar adiada para o dia seguinte. A viagem, tão mal iniciada, parecia agora fazer-se, sem contrariedades e com vento de feição. Eis quando: (…)
 
No dia 31 de Agosto, navegando o lugre na latitude 46º 02’ N e longitude 32º 32’ W, o vigia assinalou pela amura de bombordo, eram 16 horas, uma embarcação de velas içadas, mas sem jeito de ser navio de vela, pois as tinha sem regra e mal colocadas. O capitão João Fernandes Agualusa pegou no binóculo para melhor ver o estranho barco que se aproximava, e mal o fizera, viu a explosão de um tiro, no mesmo instante em que uma granada assobiando a sua música macabra, passava entre o mastro da mezena e o mastro grande, rente à borda do navio, indo o projéctil cair a cerca de 100 metros de distância.
 
A tripulação do Gamo não tinha dúvidas quanto ao tipo de visitante – um submarino alemão camuflado.
Imediatamente, o capitão, sem perder a serenidade, mas sem forças para lutar, rendeu-se à evidência, enquanto um oficial alemão o informou que apenas tinham dez minutos para abandonar o navio, que ia ser afundado, sem dó nem piedade.
(…)

Continuaram com a maior fleuma os marinheiros portugueses a preparar os pequenos dóris, com água e mantimentos, bússolas, remos, algodão de calafate, mastros, velas, baldes e tudo o mais que seria preciso e possível conseguir para quem, em barquinhos tão frágeis, teria de fazer uma viagem de algumas centenas de milhas.
Treze dóris (…) foram preparados e lançados à água, cada um deles tripulado com três homens, e sendo cheios 14 barris de 50 litros de água – dois dos quais ficaram no dóri do capitão. Era um espectáculo digno de ver-se, o submarino pairando nas calmas águas e atracados a ele os treze dóris. Depois do interrogatório costumado, o oficial alemão perguntou:

– Tu agora para onde vais, capitão?
E o capitão português, sem bravatas inúteis nem esperanças que seriam ridículas, respondeu o que em verdade pensava: - Vou para o fundo do mar, pois para onde irei eu nesta casca de noz?...
E os dóris largaram do submarino enquanto deste, a tiros de canhão, afundavam o Gamo. Ao longe, era avistado um penacho de fumo. O submersível apressou-se a mergulhar, e desapareceu.


 

Até 1 de Setembro, pela manhã, nada de extraordinário aconteceu, rumando as cascas de noz em direcção a sul, com mar chão.
Eis que rebentou uma forte trovoada, acompanhada de vagas alterosas, que impediu a navegação aos pequenos barcos.

(…)
Mas o que até aqui estivera mal, às 17 horas tornou-se muito pior. Um forte escarcéu de mar rebentou, levantando os dóris a pino, e voltando quatro deles; os restantes nove ficaram rasos de água, que só a custo, e com muito trabalho e sacrifício, pôde ser esgotada. Dois homens agarraram-se ao barco do capitão e foram salvos e outros igualmente por outras embarcações, salvando-se nove homens dos doze que tripulavam os quatro dóris que se perderam. Nesse instante, não mais do que um segundo, todos os barcos perderam a aguada e mantimentos, e três homens perderam a vida.
 
Tendo avistado a 2 de Setembro os faróis de um vapor, fizeram-lhe pedido de socorro, que não foi atendido. Um dóri, contrariando as ordens sábias do capitão, tentando correr sobre o vapor, acabou por se voltar, perdendo-se 2 dos 3 marinheiros que o tripulavam. E cinco vidas já estavam perdidas, em condições tão agrestes e impiedosas.
Mais uma vez, o capitão, corajosamente, aproveitou para fazer ver aos seus homens que nenhuma embarcação se afastasse.
 
Não havia que comer, e por única bebida para todos os homens, um barril com cerca de 40 litros de água, único que se não perdera no momento em que todos os outros tinham ido pela borda fora. Era preciso sair daquela situação – navegando. O tempo melhorara, embora pouco, e foi resolvido correr com a vaga, ao sabor da forte ondulação, e governando os dóris com dois remos servindo de leme, um de cada lado. Assim, entre a vida e a morte, correram os náufragos do Gamo setenta milhas para sul.
 
No dia seguinte, novo desastre veio atormentar mais, ainda, os tão atormentados náufragos. A vaga era menor, os barcos corriam com as gibas içadas, mas cerca das 23 horas uma onda mais alterosa fez entrar um dóri dentro de outro, afundando-o. A muito custo, os seus tripulantes foram salvos pelas (…) restantes embarcações.
Nos dias 4 e 5 conseguiram os bravos tripulantes do Gamo navegar à vela. No último dia acabara-se a água, e a comida era coisa que não provavam, havia já muitos dias. Nos dóris reinava a fome e a sede.
(…)
Entretanto, mais um iate canadiano passara, mas não prestou assistência.
Reunir todas as forças, para tentarem alcançar terra, só aí poderia estar a salvação.
 
(Cont).
 
Ficha do grémio - Cedência do MMI e foto do capitão, da filha, Maria Júlia O. Mano
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Ílhavo,15 de Maio de 2013
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Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Histórico do lugre-patacho Gamo - 1

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A César o que é de César e a Gamo o que é de Gamo. Para quem tem dúvidas acerca dos Gamo, passo a explicar.
 
Para conseguir elementos relativos à construção do lugre-patacho Gamo, recorri, com a cooperação do Amigo Reinaldo Delgado, à página do registo de navios do American Bureau of Shipping, de 1875, conseguindo a seguinte informação:
 
O lugre-patacho Gamo foi construído em Inglaterra, no estaleiro de Ed. Tayport, tendo sido dado por concluído durante o mês de Março de 1874. Foi inicialmente baptizado com o nome “Reindeer”, propriedade de W. Thomson, que teve o navio matriculado na praça de Dundee. Estava arqueado em 283 toneladas, tinha 38,95 metros de comprimento, 7,68 metros de boca e 4,08 metros de pontal.
 
Colocado à venda em 1885, foi comprado pela firma Bensaúde & Cª., por 3.150 000 (três milhões, cento e cinquenta mil réis) e registado nos Açores, ficando sob o comando do capitão açoriano (?) Sr. João Ribeiro.
 
Em 1891, com a transferência da empresa Bensaúde & Cª. para Lisboa, o navio passou desde então a navegar registado em Lisboa, mas, à época, sob propriedade da recém-formada Parceria Geral de Pescarias.

No registo de 1899 o navio já se apresentava armado em lugre, arqueando 315,09 toneladas brutas e 894,222 metros cúbicos de capacidade de carga. Todavia, a informação parece incorrecta, com base na foto, abaixo, da Ilustração Portuguesa, de 1907, onde o navio foi retratado com aparelho de lugre-patacho. No entanto, é possível que o navio tenha, de facto, sido armado em lugre, muito provavelmente durante o período entre 1911 e 1913.
 
 
O Gamo – Ilustração portuguesa de 1907



Uma informação complementar relativa a 1902, permite constatar estar a navegar equipado de 42 tripulantes, com 32 canoas, passando alguns anos depois a dispor de uma equipagem à volta dos 35 tripulantes, com o mesmo número de canoas. A partir da lista de navios de 1909, já é possível verificar que o navio mantém as 315,09 toneladas de registo bruto, sabendo-se igualmente ter 300,01 toneladas de registo líquido, valores esses confirmados pela lista de 1914. Nesta lista, o Gamo apresenta 38,90 metros de comprimento, 7,10 metros de boca e 4,04 metros de pontal.


Para terminar, por hoje, o navio naufragou após ataque que lhe foi movido pelo submarino alemão U-155, sob o comando do capitão Ferdinand Studt, em 31 de Agosto de 1918, que enviou para o lugre alguns disparos de fogo intimidativo. Na altura foram-lhe colocadas cargas explosivas junto ao casco, que abrindo rombos lhe provocaram o afundamento. O Gamo encontrava-se numa posição próxima das 370 milhas da ilha das Flores, a navegar desde a Terra Nova com destino a Lisboa.
 

Ilustração portuguesa de 1907

Em próxima postagem, relatarei, pela pena de outrem, o naufrágio do Gamo mas, sobretudo, a grande heroicidade demonstrada pelo capitão, o ilhavense, Sr. João Fernandes Mano (Agualusa) e seus homens, dos quais também identifiquei o piloto, Sr. João Maria da Madalena.



Imagens – Ilustração portuguesa de 1907

Ílhavo, 9 de Maio de 2013

Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 1 de maio de 2013

A «estória» da Joana Labrega

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Dos Postais da CASA do BICO que Senos da Fonseca tem escrevinhado, no blogue Terra da Lâmpada, desde Fevereiro, não há dúvida que, para mim, o último, que relata um parto improvisado a bordo de uma bateira labrega, seduziu-me mais profundamente. Todos eles têm o seu atractivo, porque relatam histórias ficcionadas entre figuras características da Costa Nova, que, por sua vez, lhe são hipoteticamente relatadas pela Zefa e pela Bernarda, em encontros de passeios matinais.
Elogio no autor, a capacidade criativa, a preocupação do registo dos nossos regionalismos, em contexto, bem como o entusiasmo com que nos brinda com os seus relatos.
No entanto, a «estória» do parto da Joana Labrega fascinou-me demais …Porquê?
Por ter a ria como cenário, a bordo de uma bateira labrega, de vela bastarda, com toldo espalmado (pata de rã)?
Por registar os tais regionalismos (vertedouro, escalamões, saltadouro, castelo da proa, traste, orça, etc.), sobretudo, de cariz marítimo?
Por nos contar um parto improvisado, o desabrochar de uma vida, com toda a sua emoção?
Eu, que assisti a partos e, principalmente, fui mãe, sem os artifícios que envolvem os partos actuais, pensei, depois de ter acabado de ler a história:
 – há quarenta e tal anos, quase que  preferia ter parido a bordo de  uma labrega  que  numa «cama de bilros», de pau-santo.

 

E fiquei ferrada naquele pensamento!!!!!!!!!! que navegou comigo até de manhã. Que beleza!
Costa Nova, 1 de Maio de 2013
AML
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