segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Até à volta, Santa Maria Manuela!...




Por pura coincidência, uma sugestiva imagem do Santa Maria Manuela está ligada a um dos dias mais conseguidos e felizes da minha vida – a inauguração da Exposição Faina Maior, a pesca do bacalhau à linha, em 28 de Novembro de 1992, já que o cartaz e convite dessa exposição reproduziram o referido lugre, numa velha fotografia, em situação de pesca, encontrada nas instalações da Empresa de Pesca de Viana.
Tal exposição, após várias intervenções posteriores, ainda hoje é a grande fonte da maioria dos sucessos do nosso Museu. Ainda bem!



O Santa Maria Manuela no convite para a Faina Maior


Não é minha intenção, de modo algum, pormenorizar as transformações por que passou o histórico lugre, porque, para isso, todos podem acompanhar o seu blog promotor, mas apenas recordar algumas passagens a que estive mais directamente ligada.
Para tentar “salvar” mais um lugre das garras do esquecimento, constituiu-se e assinou-se no dia 20.12.1995, no MMI, a escritura da Fundação Santa Maria Manuela, constituída por 17 instituições públicas e privadas.
Porque os resultados não estavam a ser facilmente alcançados, apesar do empenhamento dos membros da Fundação, pelo menos durante o tempo que durou a viagem do NTM Creoula, ao Canadá (Agosto/Setembro 1998), no âmbito do projecto “De Novo na Terra Nova”, acostou-se, na Gafanha da Nazaré, o seu irmão gémeo, para tentar despertar consciências e conquistar patrocínios.

O Santa Maria Manuela, a entrar a barra de Leixões



A partir do momento, em que o projecto da recuperação do SMM foi agarrado com algum risco, mas muita alma e determinação, pela Empresa Pascoal & Filhos SA, ano de 2007, tenho seguido o seu andamento com interesse, já que muitos amigos nele estão envolvidos e é um propósito que merece ser acarinhado. Ler mais aqui.

Depois de uma visita ao navio, na Navalria, em grupo, a convite da empresa proprietária, no passado 13, em que não pude estar presente, por saída inadiável, tive conhecimento, pelas fontes de informação habituais, que a chuva e o vento, que se fizeram sentir, não deram para arrefecer os ânimos.

Hoje, o Santa Maria Manuela saiu a barra, pelas 16 horas e 15 minutos e fez-se ao mar, a reboque, para o estaleiro Factoria Naval de Marin, Galiza, onde será concluído. Cá o esperaremos, com entusiasmo, lá para Outubro de 2009, para a fase de acabamentos.
Será, de certeza, abençoado, pela chuva com que o S. Pedro o mimoseou.



A reboque, a caminho da saída…


Em 2010, estará pronto a iniciar uma nova e importante etapa na sua vida e terá um papel importante enquanto “promotor do turismo cultural de vocação marítima”. Os sectores de ciência, inovação e cultura enquadram-se, pois, nos objectivos do projecto.

Até breve, Santa Maria Manuela!...


Fotografia – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 29 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes


quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Contrastes na Ria....



Duas imagens de que gosto. São o oposto.

Poder-lhe-íamos chamar: Contrastes. Qual delas a mais bonita?

É dia…

É noite…



Evocam-nos vocábulos opostos. Jogos de palavras. Por detrás da antinomia, sempre presente o bucolismo da paisagem lagunar.

Na primeira imagem, o fim do peso da rotina de mais uma emposta, as velas atadas em fim de tarde, projectada no azul celestial, aqui e ali sujo por uns fiapos de algodão, a servirem de fundo à irmandade colectiva dos amanhadores da ria. É dia.

Na segunda, um prateado sobre o azul-cobalto da ria, originando sombras negras como lava, pintadas no silêncio do recolhimento de um olhar sempre amanhecido.
Jogos de luz que se entretêm a colar tatuagens sensuais sobre o corpo da laguna, em ensaios cenográficos de volúpia deslumbrante, que a emoção colhe por inteiro, sôfrega, ainda antes da compreensão os tactear à superfície das águas.
E ali em qualquer lado, em qualquer parte escondidas, as galhetas, em bandos, à procura de poiso para dormir, em lamento, piando em baixos e agoirentos dizeres, até que a luz agonize e sejam horas do sono. É noite.

A ria dorme para serenamente embalar o moliceiro no cochilo.



As duas imagens são da nossa ria, em situações opostas. A superfície lagunar tem destas coisas: noite/dia, claro/escuro, agitação/descanso, velas brancas, mastros negros. Apreciem-nas.

Contrastes também do dia e noite de hoje: o bulício, o rebuliço, o alvoroço diurnos vão dando lugar ao sossego, à paz e à calma nocturnas.


Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 24 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes



domingo, 21 de dezembro de 2008

O vapor inglês Corinthian




Não há dúvida que entre bloguistas com interesses afins, se vão criando alguns laços de amizade. É o que me tem acontecido com um amigo recente, a quem Francisco Marques acicatara “o bichinho” da pesquisa referente a lugres dedicados à pesca do bacalhau à linha.

Tendo lido minuciosamente e apreciado o meu relato do naufrágio do lugre Golphinho, em 1914, e relativo protesto, deu conta da intervenção, no salvamento da tripulação, do vapor inglês, Corinthian, pertença da Allan Line, cujo comandante, o Sr. Bamber, foi de uma dedicação extrema, tendo a Liga dos Oficiais, à época, enviado calorosos agradecimentos a este ilustre comandante inglês, bem como participado o facto ao Instituto de Socorros a Náufragos.

À laia de prenda no sapatinho, para eu enriquecer mais a biografia do meu Avô, que ando a vasculhar, enviou-me o referido bloguista a imagem do vapor Corinthian, que resolvi editar.

O Corinthian


Alertou-me igualmente para o pormenor de que o navio em 1914 devia ter a chaminé pintada com as cores da Allan Line (companhia mãe). Na foto, o navio tem a chaminé pintada com as cores de uma associada da Allan Line, a Beaver Line, facto insignificante, porquanto era hábito, na época, transferir os navios dum serviço para outro, sem perda do respectivo direito de propriedade.

O Corinthian esteve para a tripulação do Golphinho, tal como o Carpathia para os 705 sobreviventes do Titanic, em 14 de Abril de 1912, uma das maiores tragédias da história marítima.

Ficou assim enriquecido, em mais um pormenor, o conhecimento que vou obtendo da vida de mar do meu Avô Pisco. Obrigada, pois!

Fotografia gentilmente cedida por Reinaldo Delgado

Ílhavo, 21 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes


sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Desafio...1

Na cava da onda, o casco deste elegante lugre ficou praticamente encoberto. Aos visitantes peritos e mais observadores, lançamos um repto… De que navio se trata?



Fotografia – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 19 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Natal de 2008


É o primeiro Natal do Marintimidades. Inspirada nesta árvore navegante, resplandecente e colossal, desejo um óptimo ano de 2009 a todos os amigos, leitores e apreciadores deste Blog, apesar da vaga alterosa que nos abarca.



Ílhavo, 17 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes

domingo, 14 de dezembro de 2008

As mulheres das secas



Perante três fotografias, deslumbrantes, encontradas, ignotas, lá bem no fundo de gavetas da Empresa Testa & Cunhas, guardei-as, à espera de, porventura, mais documentação.


Vista aérea da seca – 1933
Cruz de Malta, Silvina e Hernâni





Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres das secas, verdadeiras heroínas, mas pelos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas.
As fotos a que me refiro, sem datação, seriam forçosamente da empresa, onde as encontrei, pois amigos, mais velhos, conseguiram-nas identificar. Reportar-se-iam aos anos 30.

Um dia, em Agosto, um post do blog Galafanha do Professor Fernando Martins atraiu-me, pelo assunto versado e pela força e beleza descritivas do texto.

Entrámos em contacto e o Amigo Professor acabou por me emprestar o livro de Maria Lamas, As mulheres do meu País, de que há pouco a editora Caminho lançou uma 2ª edição, donde o texto era extraído.
Na década de quarenta do século passado, Maria Lamas, que faleceu em 1983, com a provecta idade de 90 anos, andou pelas Gafanhas, mais concretamente pela Gafanha da Nazaré, olhando, conversando, retratando as suas mulheres, em diversas e intensas ocupações.

Mas, as das secas foram as que mais me atraíram.
Respigando o mesmo texto, utilizo-o, para complemento e esclarecimento de imagens tão fortes.

A seca do bacalhau na Gafanha emprega muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo secas onde o trabalho é permanente, porque abrange duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

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Mulheres junto a um antigo armazém – s/d



A escritora que andou pela nossa região recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. E salienta:

No vestuário revelam maior cuidado na limpeza do que as camponesas, que saltam da enxerga, estremunhadas, antes do luzir do dia, e lá vão, para a labuta sem fim…

Assim, acentua Maria Lamas a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)
O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)


Ao fundo, o “Laura”; em primeiro plano, bacalhau, carros e tanques de lavagem. Ler mais em Navios e Navegadores



As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.



Que grandes bichos! s/d


Um friso de mulheres exibe os seus trajes antigos e peculiares, de saia comprida, rodada, alçada pela faixa, longo avental, blusa tipo chambre, com cabelos apanhados que emolduram o rosto, orelhas enfeitadas, mas pés descalços.
Uma ou outra conseguia arranjar botas de borracha; a regra comum era o pé descalço e o que quase todas usavam eram canos, um tipo de meias sem pés, para protecção das pernas. Os pés, esses, eram sempre os mais castigados!


Mostram belos exemplares de peixes que só a linha permitia apanhar, espalmados, ainda com cabeça, que, praticamente, acompanham a altura delas.

Estão, certamente, a pensar que estes “bichos” seriam óptimos para a Ceia de Natal que se aproxima!

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Lisboa, 14 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Jorge Godinho - Coimbra




Logo pela manhã, ao abrir o Diário de Aveiro, enquanto tomava o pequeno-almoço, deparei com uma crónica de Naia Sardo: Jorge Godinho – Coimbra.

Imediatamente a li e gostei. Não contava. Fiquei sensililizada. E este é o mês, em que todos temos um bocadinho da “criança” que fomos. E muito mais, quando temos netos – crianças, para quem fazer passar estas sensibilidades.

Achei que Naia Sardo disse o essencial de cada uma das homenagens dedicadas a Jorge Godinho, o guitarrista, o Professor, o Amigo, o Homem – em Coimbra, terra onde nasceu e Aveiro, terra onde ensinou e despertou muitos jovens para a vida.


O afecto falou mais alto e resolvi editá-la no blog, que, por hoje, “repousa” das Marintimidades.

Em jeito de balanço, estes tributos excederam as minhas expectativas; já tiveram alguns dos efeitos por mim idealizados e continuarão – estou certa – a cumprir esses meus intentos.

É com emoção contida que converso com algumas pessoas que se me identificam, quase a custo, como tendo sido seus discípulos ou explicandos. Pelo que me confessam, foi um Professor e um Amigo que os marcou pela positiva, de uma humanidade e um espírito de camaradagem, que, eu própria, não tive tempo para conhecer profundamente.

E, coincidência das coincidências, o nosso neto mais velho, o Jorge, completa hoje dez anitos.

A crónica do Diário de Aveiro foi, para mim, uma espécie de presente de aniversário, de Natal, o que lhe queiramos chamar, que abri e li com desvelo e transmiti com ternura.

Obrigada mais uma vez a todos os amigos, que me ajudaram a cumprir este objectivo, pela colaboração prestada, ou apenas pela presença significativa.

O Grupo “Raízes de Coimbra”, em actuação

Placa comemorativa no ISCA – UA, à entrada da Sala de Professores



Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 12 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes


terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O Gazela Primeiro "americano"





Quando o Gazela entrou em 1969, pela última vez, em Lisboa, estava obsoleto para a missão a que estava afecto.
Foi desarmado, como era hábito, na Azinheira-Velha, mas, desta vez, não iria ser preparado para a próxima campanha, mas sim para uma não menos prestigiosa carreira museológica, ao ser adquirido pelo Museu Marítimo de Filadélfia, que, entretanto, procurava um veleiro histórico.

A Empresa armadora já vira desaparecer o bonito Hortense que, entretanto, fora oferecido em 1968 à Junta Central da Casa dos Pescadores, para nele ser instalado um Museu de Pesca. Não consentira, pois, que o Gazela viesse a ter idêntico destino.

Desenvolvidas as diligências regulamentares, recrutada uma tripulação americana voluntária de vinte e dois membros, onde tinha sido incluído o Sr. Manuel da Maia Rocha, antigo maquinista do navio, o Gazela, no dia 23 de Maio, domingo, saiu a Barra de Lisboa, com destino a Filadélfia, numa viagem que durou 44 dias.
Na doca, junto ao Museu de Filadélfia, o navio mantinha o mesmo aspecto, com todos os pormenores e requisitos que o caracterizavam quando operava na faina da pesca do bacalhau.

Em 1976, quando o navio foi incorporado numa regata oceânica, comemorativa do Bicentenário dos Estados Unidos, à saída do porto de Hamilton, foi abalroado por dois grandes veleiros de casco metálico que quase o esmagaram. Submetido a uma grande reparação, tudo foi reposto na sua forma original.

Posteriormente, devido a dificuldades financeiras, o museu achou inviável a sua manutenção, entregando-o à associação Ship Preservation Guild, que tudo tem feito para que nada lhe falte. Com uma tripulação voluntária, efectua, no Verão, pequenos cruzeiros e visitas a vários portos, figurando nas mais diversas festividades.

O Gazela a navegar…em toda a sua majestade



Em 1991/2, necessitou de uma nova reparação, tendo sido substituída parte da roda de proa e o beque.

Gazela, em Baltimore, nas docas de Fort Mc
Henry
1991



Revisão do costado do navio



Também foi substituído o mastro da mezena, bem como algum aparelho fixo. Deu entrada em doca seca, para revisão do fundo e do leme (2002/2004).

A sua manutenção continua a ser extremamente cuidadosa. Anualmente, é desmastreado em terra e o navio fica atracado, protegido por uma estrutura de plástico, que permite à tripulação voluntária continuar as reparações internas: substituição do convés, renovação do circuito eléctrico, encanamentos, tanques da aguada, etc.

O Gazela protegido pela estrutura de plástico



Periodicamente, é sujeito a todas as inspecções legais, para poder continuar a navegar, em segurança.


Após uma das reparações…


É regularmente calcorreado por portugueses e jovens, em visitas de estudo programadas por escolas. Há muito quem sonhe com uma viagem do Gazela, de visita a Portugal, seu país de origem.

Em 1995 visitou novamente o porto de St. John’s, na Terra Nova, 26 anos depois de aí ter estado durante a sua última campanha de pesca.

Uns anos mais tarde, veio-se-lhe juntar o Creoula, em missão idêntica.

Actualmente, vamos seguindo interessadamente os passos da reconstrução do Santa Maria Manuela, que esperamos ainda poder ver a navegar…levando bem longe o nome da Empresa proprietária e o de Portugal.

Agradeço ao amigo Marques da Silva todas as informações dispensadas, visto que mantém contactos regulares com a Associação que cuida do “seu” Gazela.
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Fotografias gentilmente cedidas pelo Capitão Marques da Silva

Ílhavo, 9 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes




sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O lugre-patacho Gazela Primeiro




O Gazela a todo o pano…1943


A memória do lugre Gazela sempre me fascinou. Não é por acaso.

Conheço já vários escritos sobre o Gazela Primeiro, mas este será mais um, que talvez acrescente algo.

O meu Avô Pisco fora o seu segundo capitão. Gostei de o saber, em 1978, quando me veio às mãos a brochura THE GAZELA PRIMEIRO, publicada nos Estados Unidos da América com a cooperação do Museu Marítimo de Filadélfia. Foi esta a página que me deu a conhecer tal facto:



Os capitães do Gazela Primeiro


O Gazela era um lugre-patacho de madeira, construído em 1883, em Cacilhas, por J. A. Sampaio, reconstruído em 1900 em Setúbal por José M. Mendes.

Propriedade da Parceria Geral de pescarias, sofreu em 1938, uma adaptação e um reforço à popa, com o fim de lhe ser instalado um motor-auxiliar; entre 1959 e 1960, suportou, de novo, uma reconstrução de casco e aparelho (arte redonda) nos estaleiros de Mestre Manuel Maria Mónica, na Gafanha da Nazaré. Efectuou a última viagem aos bancos da Terra Nova em 1969. Tendo sido adquirido pelo Museu Marítimo de Filadélfia em 1971, ainda navega sob pavilhão dos Estados Unidos, agora sob a tutela de um grupo de Amigos.

Chamavam-lhe Gazela Primeiro, Gazela, Gazelão, Gazelinha, numa linguagem terna e afectuosa de quem lá andou e dele tem saudades.

Na cidade de Ílhavo, desde sempre, os armadores de navios vieram encontrar os oficiais mais sabedores e dedicados às artes de navegar, a quem entregavam o comando das suas unidades na certeza de que estavam nas mãos de profissionais experientes e esforçados.


Capitães do lugre-patacho Gazela Primeiro:


1899 – Paulo Fernandes Bagão
1901 – Paulo Fernandes Bagão, até 1917 inclusive.
1918 – O navio não foi aos bancos.
1919 – Manuel Simões da Barbeira (Capitão Pisco)
1920 a 1923 – João Pereira Ramalheira
1924 – Aníbal da Graça Ramalheira
1925 e 1926 – João Pereira Ramalheira Júnior
1927 a 1929 – Aníbal da Graça Ramalheira
1930 e 1931 – Manuel Fernandes Pinto (Bóia)
1932 – Sílvio Ramalheira
1933 a 1936 – José Gonçalves Vilão
1937 a 1940 – Francisco da Silva Paião
1941 a 1943 – Augusto dos Santos Labrincha
1944 a 1948 – Armindo Simões Ré
1949 – João Simões Chuva (o Anjo)
1950 e 1951 – José Teiga Gonçalves Leite
1952 a 1957 – João Fernandes Matias
1958 a 1964 – António Marques da Silva (o navio em 1959 não foi aos bancos, por causa da reparação)
1965 a 1968 – José Luís Nunes de Oliveira (Codim)
1969 – Aníbal Carlos da Rocha Parracho

A naturalidade de Paulo Fernandes Bagão não a conseguimos apurar e António Marques da Silva, nascido em Lisboa, vai sendo cada sendo cada vez mais ilhavense, pelos afectos.



O Gazela em árvore seca - anos 50


O Gazela Primeiro parece que, na realidade, sempre fora tão de Ílhavo como da Parceria Geral de Pescarias. Os restantes catorze capitães são todos ilhavenses.

Há pouco, através da imprensa, soube que o Presidente Ribau Esteves, em visita ao navio, testemunhou que tencionava poder trazê-lo até cá, incorporado ou não, numa regata. Pois, oxalá consiga os seus intentos, já que nem todos os ilhavenses têm possibilidade de o ir visitar.

Há uns dias também me entristeceu saber pelo blog de António Fangueiro, CAXINAS…de “Lugar” a Freguesia, no post de 27 Novembro de 2008, que o ex-bacalhoeiro Argus, mítico
navio bacalhoeiro da frota portuguesa, imortalizado por Alan Villiers na viagem de pesca que fez nele em 1950 e sobre a qual escreveu A Campanha do Argus, se encontra, desde há vários meses, apresado num porto da ilha de Aruba, próximo da costa da Venezuela, à espera de uma decisão. Entretanto, vai-se degradando.
Ao que parece, ninguém tem interesse no navio, ex-Polynesia, devido ao seu avançado estado de degradação, proveniente de inúmeros anos sem manutenção.
Portanto, nunca é demais divulgar os lugres que estão bem preservados… como é o caso do Gazela Primeiro.

Expressiva serigrafia do Gazela Primeiro


(Cont.)

Fotografias – de Friedrich W. Baier, amavelmente cedidas pelo Capitão Marques da Silva e arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 5 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Lugre bacalhoeiro Guerra II




Para mim, os meses de Outubro e Novembro foram de uma guerra saudável, sadia e salutar. Algo cansativa, mas enriquecedora, em todos os aspectos.

Depois do Regresso do Litoral, por que não propor, a mim própria, uma paz e uma calma também salutares, enquanto preparo, com carinho, esta quadra natalícia para os meus netos?

Convém transmitir experiências e saberes, pode-se fazer tarde, mesmo que, por agora, não me prestem grande atenção. Mas curioso, o Manel, ao “apreciar” a contracapa do livro, comenta: Ó Avó, que giro, os barcos, dantes, eram puxados por touros! Risada… Seguiram-se as explicações apropriadas. Alguma coisa ficará.

É com a simbiose antitética entre Guerra e Paz que inicio o blog do mês de Dezembro. Apreciemos a candura e a suavidade, com que o lugre Guerra II desliza na calmaria pacífica, inspiradora, reflectora, espelhenta, das águas lagunares…

Segundo o Catálogo A Frota Bacalhoeira – Navios de pesca à linha, editado pelo MMI. em Maio de 1999, o lugre de madeira Guerra II foi construído em 1919 na Figueira da Foz por Sebastião Gonçalves Amaro para a Empresa Nunes, Guerra & Cª Lda., de Ílhavo. Participou nas campanhas de 1922 a 1930. Foi vendido à Parceria Geral de Pescarias Lda., Lisboa, para a campanha de 1933, passando a ter o nome de Corça.

Após a campanha de 1936, foi vendido à Companhia Transatlântica Lda., Porto, onde terá passado a ser o Granja, já com motor instalado. Participou nas campanhas de 1937 a 1939 e efectuou viagens de comércio, em 1940.
Naufragou em 1941, nos baixios a norte do Cabo de São Francisco, Terra Nova, quando se dirigia a portos da Terra Nova para carregar bacalhau seco.

Guerra II, Corça, Granja, que dança de nomes e de armadores…o que acontece, com frequência.

Sempre que procuro alguma imagem para ilustrar um artigo, detenho-me nesta. Que belo veleiro, espelhado em tão tranquila ria…Tem a elegância de manequim, em passerelle, ao exibir todo o seu velame. Hoje, foi o eleito para editar, pensando naqueles leitores que o desconheçam e que passem a gostar tanto dele como eu.


O Guerra II a reboque…s/d



Pressupõe-se que entra a reboque, auxiliado pelo pano, envergando, no gurupés, a giba alta, bujarrona, vela de estai e polaca.

No mastro do traquete, enverga o traquete latino e a estênsula de proa ou do traquete.

No mastro grande, enverga a vela grande e a estênsula de ré ou do grande.

No mastro da mezena, a mezena. É bem visível o amantilho da retranca, onde se notam os forros de sainete.

Tem cá um sainete, este lugre, no seu mostruário de velame!

Fotografia – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 1 de Dezembro de 2008

Ana Maria Lopes