domingo, 25 de outubro de 2015

Entrevistando o Capitão do «Ilhavense I» 1

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As causas do sinistro – Uma tripulação inteira em riscos de perder a vida – O cemitério dos navios – Horas de tortura e de fome – Uma saudade e um sonho – Coragem, marinheiros!
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Ao respigar Ilhavenses antigos, por outro assunto, passou-me pelas mãos no de 25/8/1929, esta entrevista que me interessou, ao Capitão do «Ilhavense I».
 
Lugre «Ilhavense I» (foto cedida por Reinaldo Delgado).

Catando-a, (…) Homem experimentado nas lides do mar, o nosso amigo Sr. João André Alão era o capitão, há já alguns anos, do lugre «Ilhavense I», naufragado no dia 15 de Julho passado nos Bancos da Terra Nova.
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Chegado a Ílhavo na terça-feira pretérita, era nosso dever ouvi-lo sobre o sinistro que causou a perda do barco do seu comando que em 11 de maio havia deixado o porto de Lisboa, impelido pela leve brisa que no tope dos seus mastros cantava a canção dolente que aprendera ao roçar no dorso das vagas – brisa cantante e benéfica a cujo sopro adormecem os nautas portugueses, os nautas da nossa terra, cheiinhos de sonhos e de saudades, sonhos que são uma vida, saudades que são consolo para as suas almas de lutadores nevróticos.
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À sua casinha da rua Direita nos dirigimos, pois, na manhã escaldante de 5ª feira.
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E, em frente do arrojado marinheiro, de rosto tisnado e magrizela, ali nos dispusemos à entrevista, rápida, instantânea:
– Em que dia haviam chegado ao Banco?
– No dia 12 de Junho.
– Tinham, portanto…
– Já tínhamos perto de 500 quintais a bordo.
– E porque levantaram ferro?
– Porque o peixe falhou.
– Em que posição estavam?
– A 46 º 11, 6 de latitude N e 57 º 3’ de latitude W.
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– E navegaram…
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– Com rumo SE 4 E com destino aos bancos de «Virgin Rocks».
– Aquela posição…
– Era em Saint Pierre, donde levantámos às seis horas.
– O tempo…
– Vento regular de W.S.W., mar de pequena vaga, atmosfera e horizonte empoalhado.
– A que atribui o sinistro?
– A névoa cerrada que apareceu cerca das dezanove horas e a um desvio de agulha, duas coisas frequentíssimas naquelas paragens.
– Houve falta de precauções?
– Não senhor; flutuávamos de acordo com as exigências de flutuação em tais casos.
– Queira contar-nos o que foi esse momento tremendo?
– Devia ser uma hora da madrugada quando fomos surpreendidos pelos gritos das vigias, anunciando terra na proa. Sentindo o perigo iminente, imediatamente mandei arribar. O barco rodou, mas a popa bateu no rochedo. Mandei largar ferro. O navio estava encalhado de popa à proa, rebentando grandes mares no convés.
– Havia possibilidades de salvar o navio?
– Não. Só havia a possibilidade de salvar a tripulação, que ali estava toda em riscos de perder a vida. Por isso, mandei proceder ao imediato desembarque.
– Que se fez…?
– Com grandes sacrifícios e enormes dificuldades. Foram arriados doze dóris, em que se recolheram todos os tripulantes, tendo eu deixado o navio somente depois de verificar que mais ninguém estava a bordo.
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(Cont.)
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Costa Nova, 19 de Setembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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