O
litoral e eu temos uma história de vida…
Desde
moçoila que o palmilhar as praias piscatórias marítimas, se revelou, para mim,
uma delícia. O mar, na sua imensidão, em tons de azul e espuma branca, enrolava-se
e espraiava-se na areia cálida e macia, num vaivém constante e sempre surpreendente.
Os
cenários eram deslumbrantes a qualquer hora. Desde o alvorecer ao anoitecer, homens
e mulheres em alarido, guiavam bois, ajudavam barcos a varar, remendavam redes, corriam com cabos às costas, enquanto, à
margem, se faziam lanços no areal cálido e amplo.
Dirão…ou
pensarão: convenceu-se que conhece alguma coisa de marítimo e que apanhou essa
paixão pelas embarcações tradicionais assim sem mais nem menos. Não foi moda,
não. Nem delírio. Também não. Foi gosto, dedicação, observação e estudo.
Finalista
de Filologia Românica na UC, defendia a tese O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos,
quando a vida me desafiou para mudar e, de solteira, passar a casada, tomando outro
rumo familiar.
Sucedeu
que a dita «lua-de-mel» foi feita litoral abaixo, entre Cascais, Sesimbra e
baía da Baleeira, passeando mesmo até ao sotavento
algarvio.
Palmilhávamos
as praias, calcorreávamos areais, sentávamo-nos em rochas. Eu, alcandorada, em embarcações,
adorava assistir directamente na beira-mar às lotas de peixe prateado e saltitante.
O movimento, o alarido, o colorido, o vaivém de barcos e artes entontecia-me apaixonadamente.
Pelos
anos 60, continuava o estertor das embarcações tradicionais e da navegação à
vela, a que fui assistindo com alguma mágoa. Mas todo aquele movimento, essa
balbúrdia, esse bulício, momentos de extrema beleza, ficaram no meu gosto pelo
«marítimo».
Em Sesimbra. A
lota do peixe-espada, na praia. 1965
Ao final da tarde,
o peixe prateado estrebuchava na areia, no estertor da morte. Vários lanços
decorriam em simultâneo, enquanto aiolas
se aquietavam em terra e chatas, grosseiras
e pesadonas regressavam ao mar prateado…
Anotei, apontei, fotografei,
escrevinhei, voltei várias vezes a vários pontos litorâneos, sempre numa
perspectiva etno-linguística, até que em 1971,
a tese ficou pronta.
Estas imagens dos anos
60 falam mais do que «mil palavras».
P.
de Varzim. Barquinhos com muregonas
Embarcações diversas na praia da
Nazaré
Barco do mar na Caparica
Sines. Lota na praia
Albufeira. Vai um bote à água
Lancha da sacada. Albufeira
Monumental calão. Quarteira
O gosto não esmoreceu. Pelo
contrário
Pelos anos 80, visitei
todos os locais já então percorridos, para fazer uma avaliação entre o que a
história tinha feito desaparecer e o que ainda perdurava. Esta comparação gorou
as minhas expectativas, quanto ao que ainda havia de tradição.
No primeiro decénio do
século XXI, eis-me de novo ao terreno, de norte a sul do país. E o resultado
foi o livro REGRESSO
AO LITORAL, dado ao prelo pela Comissão Cultural
de Marinha, em 2008, que muito me orgulhou.
O tempo foi passando,
as embarcações tradicionais e as minhas forças atingiram o seu crepúsculo.
Poderia ter sido um pouco antes, mas considero que ainda o fiz a tempo de me
ter deixado a alma cheia.
Neste dia dito da mulher,
que não aprecio, poderei dar a mim própria a prenda de escrever de mim e para
mim, recordando o «tal passado à beira-mar».
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Ílhavo, 8 de Março de
2015
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Ana
Maria Lopes
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5 comentários:
Gostei!
Excelente ...Tenho os dois livros mais antigos que referiu...Igualmente (e EM DUPLICADO,não me apercebi de que era REEDIÇÃO...) o que escreveu com o Cap."Xico" Correia Marques,irmão da minha Professora da 4ªclasse,D.Maria Correia Marques...
Cumprimentos,"kyaskyas"
Caro amigo, obrigada. Parece que sempre vale a pena escrever. Ainda ontem, vi a D. Maria Marques, já velhinha...Cumprimentos.
Uma história de vida apaixonada e sábia. Imagens muitíssimo interessantes.
Teresa Soares
Cara Teresa:
Obrigada pelo seu amável comentário.
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