domingo, 22 de dezembro de 2024

Conto de Natal - o milagre na companha

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Anteontem, fui à Costa Nova, buscar a minha prenda de Natal de Senos da Fonseca. Como se pressupõe, foi um Conto de Natal por ele escrito.

À noite, li-o e reli-o e pensei:

Conto curtinho, narrado com uma prosa expressiva e malandreca, muito ao jeito do autor.

Quem não conhecer o calão dos “ílhavos” , o seu linguajar e alguma terminologia marítima, não entende metade. Recontando-o:

Em dia de temporal, o meia-lua, na praia, não conseguia ir ao mar e, nem que se aventurasse a ir, a rede vinha esgalmida de peixe.

O mulherio, na praia, via os seus homes partir em busca de sustento, ou na apanha de batatas pelas Galafanhas, ou de pinhas e lenha, que vendiam pelas portas da vila e outros, pelo contrário, gastando os últimos patacos, a escorropichar uns copos, encostados ao balcão das tascas.

Na praia, o meia-lua e o mulherio, só. Assim, não governavam vida. Decidiram ir ao mar. Mulherio, havia. E arrais? Bateram á porta do “Ti Noé”, velhote de 80 anos, que convidaram para tal. Até o levavam ao colo, colo esse que era mais macio que as ondas do mar. O cheiro do mulherio sabia-lhe a guloseima e lá foi.

Entretanto, o autor lança mão de comparações e metáforas, a das cócegas ao remo (ui!), a do furacão do Toino em cima da mulher, esfomeado de ternuras, depois de uma viagem ao bacalhau e outras… , que o lápis azul não deixaria passar.

As cachopas, apressadas, lá saltaram para dentro do barco, quando a Micas, grávida, com um barrigão, prestes a romper as águas, endiabrada, também embarcou. Como que por milagre, o mar aquietara-se e até cheirava a peixe.

Ao som do puxa…puxa, dirigido ao remo, a Micas, prenha, ao ouvir esta ordem, dá um grito e o “Ti Noé” olha-lhe para os pés, onde vê uma poça de sangue, donde saíam os berros de uma criança. Saca do canivete, limpa-o à camiseta, e com ele corta a imbide, que o unia à mãe. Lava o menino nas águas do mar, que, por milagre, ficara morna. Senta-se no cagarete, com ele, embrulhado na camisa, logo baptizado, de Jesus “das Águas”.

Já tinham feito o cerco, faltava, apenas, levar a “mão da barca”, à praia.

Quando se aperceberam que a rede vinha pesada – uma sacada com peixe vivinho no estertor da morte – observaram o milagre do peixe! O “Ti Noé”, com o mesmo canivete   que usara, no parto, corta o porfio do saco da rede. Que fartura, que dádiva da natureza – outro milagre! As mulheres ergueram os braços ao céu, em sinal de agradecimento.

E o menino, o Jesus “das Águas”, esse, lourinho e de olhos azuis da cor do mar, como que nada tendo a ver com o milagre, sorri-se.

Assim, recriei o conto, resumindo-o, para um leitor vulgar.  Este passará nos traços da censura, decerto.

AML. 2024.

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