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Anteontem,
fui à Costa Nova, buscar a minha prenda de Natal de Senos da Fonseca. Como se pressupõe,
foi um Conto de Natal por ele escrito.
À
noite, li-o e reli-o e pensei:
Conto curtinho, narrado
com uma prosa expressiva e malandreca, muito ao jeito do autor.
Quem não conhecer o calão
dos “ílhavos” , o seu linguajar e alguma terminologia marítima, não entende metade. Recontando-o:
Em dia de temporal, o meia-lua,
na praia, não conseguia ir ao mar e, nem que se aventurasse a ir, a rede vinha
esgalmida de peixe.
O
mulherio, na praia, via os seus homes partir em busca de sustento, ou na
apanha de batatas pelas Galafanhas, ou de pinhas e lenha, que vendiam pelas
portas da vila e outros, pelo contrário, gastando os últimos patacos, a
escorropichar uns copos, encostados ao balcão das tascas.
Na
praia, o meia-lua e o mulherio, só. Assim, não governavam vida. Decidiram
ir ao mar. Mulherio, havia. E arrais? Bateram á porta do “Ti Noé”, velhote de
80 anos, que convidaram para tal. Até o levavam ao colo, colo esse que era mais
macio que as ondas do mar. O cheiro do mulherio sabia-lhe a guloseima e lá foi.
Entretanto,
o autor lança mão de comparações e metáforas, a das cócegas ao remo (ui!), a do
furacão do Toino em cima da mulher, esfomeado de ternuras, depois de uma viagem
ao bacalhau e outras… , que o lápis azul não deixaria passar.
As
cachopas, apressadas, lá saltaram para dentro do barco, quando a Micas,
grávida, com um barrigão, prestes a romper as águas, endiabrada, também
embarcou. Como que por milagre, o mar aquietara-se e até cheirava a peixe.
Ao
som do puxa…puxa, dirigido ao remo, a Micas, prenha, ao ouvir esta
ordem, dá um grito e o “Ti Noé” olha-lhe para os pés, onde vê uma poça de
sangue, donde saíam os berros de uma criança. Saca do canivete, limpa-o à
camiseta, e com ele corta a imbide, que o unia à mãe. Lava o menino nas
águas do mar, que, por milagre, ficara morna. Senta-se no cagarete, com
ele, embrulhado na camisa, logo baptizado, de Jesus “das Águas”.
Já
tinham feito o cerco, faltava, apenas, levar a “mão da barca”, à praia.
Quando
se aperceberam que a rede vinha pesada – uma sacada com peixe vivinho no
estertor da morte – observaram o milagre do peixe! O “Ti Noé”, com o mesmo
canivete que usara, no parto, corta o
porfio do saco da rede. Que fartura, que dádiva da natureza – outro milagre! As
mulheres ergueram os braços ao céu, em sinal de agradecimento.
E
o menino, o Jesus “das Águas”, esse, lourinho e de olhos azuis da cor do mar,
como que nada tendo a ver com o milagre, sorri-se.
Assim,
recriei o conto, resumindo-o, para um leitor vulgar. Este passará nos traços da censura, decerto.
AML.
2024.
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