sábado, 21 de março de 2015

Então, como estamos de galeota?

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Já o Março passou a vintena e ainda não ouvi nenhum pregão de galeota! Este ano tem tardado…
Comi noutro dia, mas comprada, lá em baixo, perto da peixaria. Haverá pouca? Ou haverá problemas com a certificação da «arte», como já me zuniu?
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Galeooooota!
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Pregão único, mas bem timbrado, prolongado e amiúde!
Faz-me falta, sobretudo, o pregão. Faz-me bem à alma e ao paladar – dizia um apreciador.
Marca esta época – a época da galeota.
É tempo dela! Amanhã, vou «investigar» à Costa Nova, mas, atenção, não sou «fiscal» e não vou vigiar nada. Só tentar recolher informações.
Parece que os grandes apreciadores estão ògadinhos por ela – lê-se pelo facebook, perante a imagem de um prato bem apresentado e cativante à vista e ao paladar.
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Costumava durar, cerca de um mês a mês e meio (de Março a Abril), a venda da galeota pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. No início da safra, é sempre cara como fogo; pudera! há um ano que não se lhe chinca!!!! Mas à medida que se banaliza (por se ir transformando no lingueirão), o preço desce, permitindo que bolsas menos folgadas já lhe acedam.
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Sempre mais apoquentada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastantes sui generis, nos trapiches, a secar.

Arte a secar nos antigos trapiches, à borda da ria

Hoje já não teria forças para andar de botas de água, pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.
Já abordei esta apanha da galeota no Marintimidades, por umas duas vezes, mas não é que, ontem, numas arrumações do «baú de memórias», encontrei mais umas tantas imagens que cliquei em 11 de Março de 1986 de um lanço de galeota? Que maravilha! Já com trinta aninhos…registadas por mim, «à coca» de todos os pormenores. Conheço a «arte» de cor e salteado. Toca de ordenar as imagens e de preparar a conversa para captar os leitores/amantes do peixinho milagroso.
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Trata-se um aparelho envolvente, tipo chincha, especialmente adaptado para a apanha da galeota, uma espécie de recém-nascido lingueirão.
Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco, um pano tipo mosquiteiro, muito franzido e folgado, que substitui o saco da chincha. O comprimento da rede é de cerca de 40.00 metros, tendo o pano mosquiteiro cerca de 2 de comprimento. A arte é feita com rede usada, de traineira.
Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), é o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.

Fica um camarada em terra…

Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.
A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semicírculo.

Já completo o percurso em semicírculo

Aproada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano.

Camaradas alam a rede

Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, fechando a boca do saco.

Pescadores vão fechando o saco de pano branco

A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.
Finalmente escolhem-na dos moliços e de outas mínimas ervagens, para a passarem para um balde ou para o quete da bateira.

Escolha da galeota

A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).
Apanhado o petisco sazonal, é preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:
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Galeooooota! É tempo dela!...cantava o pregão.
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E compradoras assomavam às portas!
Mas pareceu-me que o pregão estridente e bem-sonante foi interrompido por exigências marítimas que transtornam os pescadores. Continuemos de atalaia!...
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Fotografias – clichés da autora do blogue, nos anos 80
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Ílhavo, 21 de Março de 2015
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Ana Maria Lopes
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2 comentários:

Anónimo disse...

Saborosa recordação...Sem ser especialista,recordo as "vendedeiras"na nossa Rua,a "medirem"a galeota na mão,semi-fechada em forma de copo...E o acompanhamento,frugal como o peixinho,de "farinha de pau" E muito sumo de limão,que o havia com fartura no quintal (parece que tinha sido de um ervanário,as pessoas iam lá pedir folhas para chás e abluções...)E o"trapiche"nome de que nunca me lembro quando os vejo na "borda de água"...E "ressoeiro"que me lembra "as Ressoeiras"
Tenho aqui ao lado o (um dos ?...)manuscrito(s) do "Para Inglês Ver"cheio de apontamentos cenográficos,e,quando o (re)encontrei,não resisti a reproduzir no meu blogue uma "fala" do "Polícia":"Desinvestiram por aqui desincòcados"
Também gosto de escrever "desajude-me",como as peixeiras que encontrávamos,vindas da "barca da passagem",a pé,com as pesadas canastras à cabeça,para descansarem um bocadinho em"trapiches"(com licença da palavra...)colocados à beira da estrada para esse fim!...
Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada pelo seu curioso testemunho. Cumprimentos.