domingo, 18 de maio de 2014

Uma janela para o sal – XV

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A apajar...
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Chega a hora de achegar o que atirado foi durante os longos de dias de labor.
Eis que se completa o monte e, à pazada, se arrumam as últimas canastras de sal que foram arrimadas para o cimo.
É preciso apajar o monte com brio, que o comprador em breve chegará para transportar tão precioso carregamento – o sal da Ria de Aveiro.

 

Lá, muito perto do céu, quase tocando as nuvens, este «ser» do sal agacha-se. Em posição esforçada, arruma os cristais pelo cume, ajeitando, aprumando e rematando o último coruto com a pá do sal.
 

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Achega, bate e alisa o sal com a pá – toque ali, toque acolá – o homem da marinha apaja o seu monte com suor e saber.
Num misto de arte e de rudeza, vemos os montes crescer e ganhar forma às mãos do artista. E, sob um céu de pintor, ele vai criando a obra, inspirado pelo dever e pelo brio do seu «ser».
 
 
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P’ra lá, p’ra cá – afaga, aquilo que criou, apaja o seu monte, como quem bajula e corteja o seu amor... até o sal gosta de ser apaijado.


Por fim, lá em cima, o marnoto remata o topo e, como quem ergue a bandeira da vitória, dá um último batimento, orgulhoso.
De baixo vislumbram-se os adornos em relevo que pontilham toda a roda do monte – são estas formas de canastras, inscritas em relevo, que denunciam o artefacto de carreto de todo este ouro branco.
Entre todas as alfaias e artefactos da faina, só de pás... com elas se remove, se amanha, se abre, se baldeia, se espalha, se bate, se alisa e se apaja – mas é preciso ter arte para esculpir no sal!...
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Nota – Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
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11| 02 | 2014
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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