domingo, 23 de março de 2014

Memórias - homens e navios...ilhavenses

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Juntar, numa só recolha, alguns dados de homens ilhavenses e dos navios que comandaram – é a intenção. Não posso ser exaustiva, mas tento relacionar factos.
Dois dos nossos já partiram, de vez, para mares ignotos e bastante mais distantes. Um, com quem convivi de perto, deixou-nos há pouco, neste mês de Março. Aquele a quem eu chamava de primo Salta, porque o era, de facto, partiu já em 1978. O Capitão Vitorino Ramalheira tirou-me, ontem, algumas dúvidas e identificou-me imagens, conseguidas há pouco.
Haverá sempre mais uma pecinha a juntar ao «puzzle» da Faina Maior.
Comecemos…pois, a entrelaçar a vida de homens e navios.

O Capitão Salta (ao centro), a bordo do Argus; à esquerda, César Maurício (chefe de máquinas do navio) e Manuel da Maia Rocha (Laracha); à direita, o Capitão Adolfo Paião e Capitão João Matias. 
1950


Por ordem cronológica, Manuel dos Santos Labrincha, de alcunha Salta, nasceu em Ílhavo, a 5 de Dezembro de 1901, tendo-nos deixado com 76 anos. Iniciou vida no mar, como muitos do seu tempo, com 15 anos, tendo feito viagens de comércio para Cabo Verde, em navios que levavam sal e traziam gado. Propriamente no bacalhau, começou em 1925, tendo sido piloto, no Esperança 2º, e noutros, da praça do Porto. Em 1936 e 37, foi Capitão do Senhora da Saúde, navio adquirido em 1935 pela Empresa Tavares, Mascarenhas, Neves & Vaz, com sede em Aveiro e Porto, que terá naufragado em 1952, na Groenlândia.
 

 Senhora da Saúde, à entrada no Douro. S. data.
Ansiado regresso


De 1938 até 1947, foi capitão do Brites (1936-1966), da Empresa Brites e Vaz & Irmãos, da Gafanha da Nazaré.
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Entre 1948 e 52, comandou o Aviz, navio de 4 mastros, construído por Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1939, para a Companhia de Pesca Transatlântica de Pesca, com sede no Porto.
 

O Aviz, em construção. Gafanha, 1939.
 

Aviz. Porto, cheias no Douro de 1962
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Foi entre 1948 e 52 que se cruzou no Aviz com António Morais Pascoal (1923-2014), como seu imediato.

 

Em North Sydney, a bordo. Capitão Pascoal, ao centro; à direita, Capitão Salta e, à esquerda, Capitão Júlio Machado Redondo.S data.
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O Salta a partir de 1953 até ao final de sua vida activa (1959), exerceu o cargo de capitão no Condestável, lugre de 4 mastros construído por Arménio Bolais Mónica, em 1948, na Gafanha da Nazaré, igualmente para a Companhia de Pesca Transatlântica, do Porto.

 
Condestável, em dia de bota-abaixo. 1948

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Eram habituais estas mudanças com a construção de navios novos e, em 1953, assim como o Capitão Salta passa para o Condestável, o Capitão Pascoal assume o lugar de capitão no Aviz, até 1959. Dança de cadeiras, a bordo… Em 1960, enquanto o primo Salta abandona o mar, com uma vida de ausências, o amigo Pascoal passa a comandar o Condestável, que perde, por incêndio a bordo, sem quaisquer perdas de vidas.


Condestável, em ano de transformação, 1957
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O Condestável, de imponente lugre-motor que era, foi transformado, em 1957, em navio-motor com dois mastros.
Na inauguração da transformação, os presentes – o 1º motorista do navio, o Capitão Salta, o gerente da Companhia de Pesca e o Capitão Vitorino Ramalheira – testemunham o acto.


No tombadilho dos botes, em Massarelos. Porto, 1957
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O nosso bom amigo Vitorino Ramalheira, de 1954 a 1959, como imediato do Condestável teve a oportunidade de se cruzar com o capitão Salta.
De 1960 a 1965, passou, então a comandar o lugre Aviz, em que teve a dita de fazer a primeira campanha de capitão e a desdita de naufragar, por incêndio, tendo considerado esse episódio como o caso mais triste da sua longa vida no mar.
Imortalizou-o nas suas lides da pesca à linha do bacalhau, a sua permanência, durante 3 anos, no Santa Maria Manuela, tendo sido o actor/galã do documentário The White Ship, realizado, em 1966, por Hector Lemieux, uma das «jóias da coroa» dos documentários sobre a pesca à linha do bacalhau.
Também passou, no ano de 1951 pelo navio-hospital Gil Eannes, de assistência à frota bacalhoeira, de que seu Pai, João Pereira Ramalheira, era o comandante.
E assim se iam cruzando as vidas dos nossos homens do mar, entre terra e mar, lugres e navios-motores, entre benquerenças e inimizades, entre segredos e concorrências, saudades e sacrifícios.
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Imagens – Arquivo da autora do blogue
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Ílhavo, 23.3. 2014
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Ana Maria Lopes
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4 comentários:

João Reinaldo disse...

Só uma tarde ventosa e monótona de primavera, a adivinhar a aproximação da "Feira de Março", daria inspiração para a elaboração de tão significativo e aprofundado documento, lindamente ilustrado com alguns dos mais belos navios de que há memória.
Parabéns.

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

O prazer da leitura exercido da melhor forma. Obrigado por partilhar todas estas informações e imagens de forma tão bela. Muito obrigado mesmo.

LMC

Ricardo Matias disse...

Gostei de ler. Estou sempre a aprender.
Agradecia um esclarecimento, o Manuel dos Santos Labrincha, que aparece referenciado como capitão do Santa Izabel, nas campanhas de 1929, 1930, 1931, 1934 e 1935. (provávelmente também em 1932 e 1933) e do Ilhavense em 1928 é a mesma pessoa.
Já agora, nos registos da CRCB, o capitão do Brites em 1945 é José Candido Vaz, provávelmente o imediato a fazer de capitão, para o capitão ter os seus registos em dia?

Ana Maria Lopes disse...

Ao Sr. Ricardo Matias, o meu agradecimento.

Claro, como deve saber não se chega a estes conhecimentos, assim, de repente. E neste caso, disse mesmo que, ao focar 3 capitães que foram mudando de navios, não podia ser exaustiva.
No entanto, respondo-lhe que o Manuel dos Santos Labrincha, que também comandou o «Ilhavense 2º, em 1928, o «Silvina», em 1929 e o «Santa Izabel», muito possivelmente, a partir de 30 até 35, inclusive, é a mesma pessoa e de alcunha Capitão Salta. A ficha do Grémio, pela data da sua formação, apenas cita os cargos, a partir de 1936, no «Senhora da Saúde». No entanto, uma busca aturada no jornal «O Ilhavense» permitiu-me chegar aos outros dados. Em 1926 e, certamente, 1927, também foi piloto no Esperança 2º, da praça do Porto.