domingo, 9 de junho de 2013

Uma janela para o sal - I

-
Entre céu e água...

Entre ria, mar e sol, o sal vem para temperar e dar gosto a quem já, a gosto, aqui tem partilhado as suas intimidades.
-
Entre mar e intimidades, a salinidade dá-nos a medida dos sais e da saudade, do que outrora fora o salgado da laguna: entre o alagado e a botadela; entre a estação da safra e a da entressafra, em que o homem verde e tenro se torna maduro e duro; tisnado pelo sol, pisando o «ouro branco» que o alimenta.
-
Assim, vem o Marintimidades trazer «um olhar poético sobre o sal», mensal. Vem temperado de discurso, legendagem, imagem e sentimento. Retrata momentos que marcaram uma época, uma gente e uma paisagem. Foram mãos e pés que gretaram e braços que carregaram o tempero das mesas portuguesas.
 
 

Paisagem retalhada de janelas e postigos, entreabertos para o céu, esse céu que se reflecte nas vidraças já embaciadas pelo tempo e alagadas pela água salobra ou enlameada. Outros tempos…
-
A mão do Homem retalhou a temperada paisagem do salgado lagunar: do simétrico ao assimétrico, entre água, lama e vegetação, «desenhou» as marinhas com seus meios, cabeceiras, talhos, sobre-cabeceiras e algibés, sem régua nem esquadro.
Fê-lo apoiado na sabedoria de gerações e com alma de marnoto.
-
São muros, são muretes, são defensões para as marés, são traços desenhados por mãos calejadas, mas sábias. Tal como o arquitecto desenha em estirador, esse mestre e artista desenha em água, em areia e em lama.

 
 

O nosso olhar aproxima-se e penetra nas profundezas da água da laguna, baixas e transparentes.
 
 
 
Ao longe avista-se a serra. Aproximamo-nos da cidade – silhuetas recortadas de casario urbano, água e lamas, caminhos e muros serpenteiam, palheiros e árvores indiciam presença humana, retalhos geométricos pintalgados de «cones» brancos – é tudo o que a vista alcança!
________________
Nota - Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.

Imagens | Paulo Godinho | Anos 90
-
10 | 05 | 2013
-
Texto | Etelvina Almeida| Ana Maria Lopes
-

6 comentários:

João Reinaldo disse...

Na conta!!! Nem mais nem menos!
Tempero suficiente para um texto muito bem conseguido e com ilustrações maravilhosas.
Parabéns.

João Afonso disse...

As palavras são como o sal, adicionado qb, são sempre saudáveis.

pintor3d disse...

gostei bastante...
vou seguir entretanto e deixo um convite, visitem também:
http://gostosesaberes.blogspot.pt/p/fotografia.html

fazer um blogue é relativamente fácil, alimentá-lo é que é um pouco dificil, felicidades
Acácio Moreira

Laurus nobilis disse...

Eventualmente o desemprego e a crise as revitalizem... Mas vai ser impossível termos outra vez os anos 50, 60 e 70… Como já tivemos oportunidade de trocar impressões no MN há uns tempos, foi um crime o Estado deixar de lado os Planos de Fomento, neste caso o do Vouga. A ver vamos.

Paulo Miguel Godinho Marques disse...

Apesar das fotografias terem saído da minha objectiva, pareceu-me este texto enriquecê-las de uma forma que não previa. E isso levou-me a escrever este comentário para tentar enriquecê-lo mais ainda.

Bons velhos tempos, aqueles em que tive oportunidade de entrar num "avião" ultraleve e voar quase como uma gaivota sobre tais janelas entreabertas.

Lembro-me de ter pensado como uma dessas aves errantes, como nós, habitantes do mar e da terra, mas que só no mar encontram o seu sustento e deleite: Que belo é … olhar para onde a ria acaba e a terra começa!

Que lindas cortinas de algas e que janelas saborosas as ostentam, temperadas a gosto, que só o Criador contempla, como se da Sua casa de tratasse. Certamente estará furioso e arrependido de as ter confiado a tal descuidada geração, ávida de lucro a qualquer preço, que nem a própria casa consegue zelar.

Bem-haja, ao menos, quem nos mostra que há outro mundo para além do rebuliço desconcertante do dia-a-dia atarefado. Sorte têm aqueles que o descobrem e dele desfrutam, neste caso com todos os sentidos, incluindo o paladar!

etelvina almeida disse...

"UMA JANELA PARA O SAL"

Abrimos esta "janela" e olhámos através dela.
Revimos esse salgado lagunar que nos conta e relembra outros tempos - os de outrora...

Queira a Natureza providenciar o "tempo" para que o sal se produza e assim, mensalmente, traremos o nosso olhar a quem aprecia estes "temperos" visuais e escritos, com gosto...

Traremos o sal, o "nosso" sal lagunar.

Desfrutem!


Uma nota:

Quero expressar o meu sincero agradecimento à Drª Ana Maria Lopes pelo convite formulado, para este eloquente projecto - "uma janela para o sal" - e ao fotógrafo Paulo Godinho, pela confiança que depositaram em mim.

Sinto-me privilegiada por poder tecer e expressar algumas palavras e sentimentos espreitando por essa "janela" aberta para o "sal" de outrora.

Sinto-me honrada na companhia de tão conhecedora e apaixonada mulher, que fala e sente as/sobre as coisas ligadas ao mar e à ria, às embarcações e às artes, à museologia marítima e ao salgado lagunar.
Com ela aprendo, partilho, e saboreio esses tempos idos...

E é através dessas imagens, desses registos magistrais, fruto de um olhar atento, feitos nesse glorioso tempo, que "labutamos" pela marinha em época de preparação, de "botadela" e de safra...

E é com esse sal que adicionamos o tempero, q.b., conforme comenta João Afonso, às palavras e imagens que o retratam...

Bem hajam.

Etelvina Almeida