domingo, 24 de fevereiro de 2013

Robaleira da Torreira - NOSSA. SRA. DA. CONCEIÇÃO


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Quanto mais sorumbática me sinto, menos atarefada, mais saudosa dos «meus» estou, mais depressa «levanto o ferro» e percorro algumas «capelinhas», que não são as mais habituais – os meios piscatórios. Mas, a zineira de hoje era impossível, à beira-mar, para a fotografia. As embarcações, no mar ou na ria, em tamanho real ou em miniatura, enlevam-me e distraem-me. Também me transportam do presente ao passado e levam-me a remexer «os baús», com entusiasmo e satisfação, à chegada.
 
À vista do mar…

Embora achemos que o empreendedorismo deva ser a palavra de ordem para os mais novos, a saudade anda, francamente, a atacar «os mais usados», em alguns aspectos. É notório…
 
Por dúvidas e pormenores que pouco interessam, temos andado mais pelas bandas da Torreira. Em tempos de S. Paio, e a propósito das miniaturas de embarcações que costumam ser endeusadas na procissão em honra do santinho milagreiro, o amigo Cravo falou-nos de um artesão «filho da terra», habilidoso.
Por «artes e por malhas», procurámo-lo noutro dia (há sempre um Portugal desconhecido à nossa espera), na rua dos Navegantes, que desemboca junto à praia. Longe de ser um modelista exímio, não deixa de ter o seu interesse. E caso curioso, entre embarcações lagunares conhecidas, também se tem dedicado a alguns modelos estuarinos do Tejo – fragata, varino e canoa da picada, que nunca tínhamos visto miniaturizada, com excepção do notável modelo, presente na colecção Seixas do MM.

A tal PONTE entre a ria de Aveiro e o rio Tejo…

Entre livros, desenhos e cavaqueiras…cada um vendeu o seu peixe. Numa ida posterior, enquanto aguardávamos o artesão, entrámos numa tasca, perto do mar, o «João da Calada», que tinha na montra uma apelativa robaleira, do mar da Torreira, cujo dono não vendia por dinheiro nenhum, executada, há uns anos, pelo tal Sr. Henrique de Oliveira Afonso.
 
No areal, penteado pelo vento

Mirei-a, remirei-a, retive-lhe as formas, cores, o nome e, com uma ansiedade confiante, cheguei ao meu «arquivo fotográfico» e, ali estava ela, esparramada entre rolos, no areal, em pleno início dos anos oitenta, entre pessoal, redes, caixas de peixe, junta de bois e outros aprestos.
As mesmas formas, as mesmas cores, o mesmo nome – NOSSA. SRA. DA. CONCEIÇÃOnão havia dúvidas. Coincidências…Para minha satisfação.
Aquela miniatura, feita já há uns anos, uma relíquia para o dono da tasca, não era mais nem menos do que a robaleira plasmada na praia que, nos anos 80, nos prendera o olhar e que o meu filho Miguel retivera na sua objectiva.

 
Anos 80, ao vivo, na praia da Torreira

E no livro Regresso ao Litoral (publicado em 2008 pela Edições Culturais da Marinha), aí está ela, sobre a qual refiro a descrição de José de Castro:

A bateira do mar, nos anos quarenta, era um modelo de linhas sóbrias, visivelmente inspiradas no barco do mar, tanto mais agradáveis quanto a proporção as limitava. De proa elevada, fundo chato e ausência de leme, tinha 9 metros de comprimento médio, 2,18 m de boca e 0,64 m de pontal. Tinha 16 cavernas e todas as restantes características essenciais à utilização da rede da mugiganga. A tripulação constava de seis homens, três a cada remo. Porque era bastante mais leve do que o barco do mar, a sua manobra era mais fácil e menos arriscada (…) Sob o ponto de vista decorativo, não era tão exuberante, podendo ser de uma só cor, ou listada em cores vivas. À proa, um emblema simples de carácter religioso e o número do registo. No painel da ré, um apontamento iconográfico simples e no arco da proa o nome de baptismo e as inscrições do construtor.

O que vi de mais semelhante à descrição de José de Castro, foi nos anos 80 na Torreira, uma bateira do mar, dita robaleira, listada em tons de azul e branco, não motorizada, dedicada à pesca do robalo e outras espécies, com pequena rede de arrastar (robaleira), bastante próximo de terra. Dá ideia que a última tábua do costado foi emendada já posteriormente, de modo, possivelmente a altear-lhe o pontal, como reforço e segurança. Belo exemplar!

E grande coincidência, essa! É sempre produtivo o Regresso ao Litoral.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora do blogue
Ílhavo, 24 de Fevereiro de 2013
Ana Maria Lopes
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3 comentários:

Anónimo disse...

gostei.

tenho a miniatura em casa.

bjs

Ana Maria Lopes disse...

O ciclo do «Marintimidades» - o Cravo falou-me no artesão, o artesão falou-me em si e eu encontrei a «robaleira» na tasca do João da Calada e o Cravo tem uma miniatura igual, em casa. Até se delicia a vê-la.
Gosto.
Bjos.

Anónimo disse...

No comentário que fiz ao seu anterior "post"sobre o que me parece - que sei eu dessa "empresa...-uma "ílhava",eu lembrei as "chinchadas"e não me ocorreu melhor termo do que "barco de ir à boca da barra"...Parece-me equivalente à "robaleira" de que fala hoje...Apenas quero acrescentar que,quando a maré,e a "boca da barra"eram azadas,o espectáculo de as ver,salvo erro,com um remador sentado junto à proa,e dois,um sentado,de costas,e o outro em pé,de frente,reforçando a remada,aproveitando a vazante,numa velocidade e coordenação espantosas(aproveitadas pelos "Galitos" para os "shell de 8...)só era superado pelos moliceiros,bolina carrada,"voando" pelo "canal do Desertas"a caminho da Barra!...
Cumprimentos,"kyaskyas"...