domingo, 23 de dezembro de 2012

Ceia de Natal - as mulheres das secas

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Aproxima-se o Natal… a ceia… bacalhau cozido com todos como uma das nossas principais tradições gastronómicas natalícias.
 
É confrangedor que ele não possa, sobretudo este ano, mimosear as mesas de todos os portugueses.
 
E por associação a bacalhau, recordemos o trabalho árduo das mulheres, nas secas.
 
 
Uma das últimas secas tradicionais…a IAP

 
Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos dóris, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

 
 
Em primeiro plano, os carros de mão…

 
Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.
 
Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.
 
Os clichés a preto e branco, num tempo em que «clicar» não era vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes e de «conhecimentos».

 

Lambreta carregada…

 
As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.
 
A escritora Maria Lamas, que andou pela nossa região na década de quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)
 
O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.
 
 
 
Escolha e separação do peixe…
 
Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

 
E a tarefa prossegue…

 
Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a próxima abertura ao público do aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

 

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

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Ílhavo, 23 de Dezembro de 2012
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Ana Maria Lopes
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3 comentários:

Sara Bandarra disse...

Belas fotos. São uma reliquia.
Obrigada.

marmol disse...

Bons tempos, que recordo com saudade, aí pelos anos 60, passados na seca de Lavadores.
A encarregada dava pelo nome de Blandina e era natural de Fafe. Deixava-me andar com a bicicleta que ela usava para ir de casa para a seca e eu abusava da oferta e ia até à Costa Nova ou à Barra.
Quando chegava levava um raspanete e a promessa de não me emprestar mais a bicicleta.
Bom Ano de 2013, com os meus respeitosos cumprimentos.
Martins

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada, caro Amigo. Bom Ano de 2013 para si também, o melhor possível, sobretudo com SAÚDE e PAZ. Cumprimentos AML