sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Apontamentos... sobre o painel do Gil Eannes, de Domingos Rebelo - 2

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Mas, acontece que em 1955, aquando do bota-abaixo do navio-hospital, foi editada em Lisboa uma brochura alusiva ao acto, que se tornou numa raridade bibliográfica.
Reproduz o óleo, com aparência praticamente igual, mas com algumas diferenças de pormenor:

Reprodução da obra, na citada brochura

Atentem, de novo, nas casinhas do bairro piscatório.
Notam alguma dissemelhança? Exercício de concentração… As casinhas, situadas em pleno terreiro, não têm a beleza nem a frescura dos jardins floridos.

Onde quererei chegar? Tem sido um percurso comparativo, minucioso e demorado…

Mas, entretanto, outra luta começara a ser travada pelo Presidente dos Amigos do Museu, que, em 1995, descobrira um segundo quadro de maiores dimensões (1,55x3,55 m.), praticamente igual, no Ministério do Mar, em Pedrouços, sendo Secretário de Estado das Pescas Marcelo de Vasconcelos.

Em 2002, redescobriu-o no Salão Nobre do Ministério da Agricultura e Pescas, no Terreiro do Paço, sendo então Ministro, o Engenheiro Sevinate Pinto.
A luta continuou. A burocracia era muita.

Aquando da tomada de posse do Ministro Costa Neves em Julho de 2004 e descentralização de certos serviços estatais, o referido quadro foi deslocado para a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Rural, na Golegã, donde veio para o Museu de Ílhavo.

Em 23 de Janeiro de 2005 foi feita a entrega solene, a título de depósito, do quadro maior, denominado Família Piscatória (pela primeira vez é-lhe atribuído um título), ao Museu, pelo Ministro da Agricultura, através de um protocolo entre o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e a CMI, em que o Senhor Ministro referiu a intervenção persistente, durante 9 anos, de Aníbal Paião (Cfr. O Ilhavense de 1 Fevereiro de 2005).
E lá está exposto, desde essa altura, à esquerda, à entrada da Sala Capitão Francisco Marques.
E, então, que diferenças tem?
Pelo tamanho do quadro e questões técnicas, apenas consegui uma foto de pormenor da obra, com enfoque no que pretendia provar:

Pormenor das tais casinhas do bairro de pescadores

Então, qual a razão da existência de dois quadros, perfeitamente idênticos?

Como justificar as diferenças de pormenor nesta zona?

Na brochura sobre o Gil Eannes, editada em 55, que já referimos, surgiu uma reprodução do painel, com as casinhas de pescadores sem muros, nem jardins.

1. Terá o autor elaborado previamente uma aguarela ou gouache com as pequenas habitações sem muretes, que lhe terá servido de suporte aos trabalhos a óleo de grandes dimensões? É possível…mas desconhece-se o seu paradeiro.

Sendo Domingos Rebelo (1891-1975) supostamente considerado um pintor de regime e, tendo sido estas obras encomendas de Estado, é perfeitamente natural que alguma personalidade do governo de então lhe tivesse feito ver que as casinhas tinham que ser alindadas, adornadas com jardins floridos, para passar a mensagem que o Estado Novo sempre pretendeu fazer passar do bem-estar reinante entre a classe piscatória.
No quadro de maiores dimensões, até porque há mais espaço físico, as pequenas habitações têm ainda, em frente, canteiros verdejantes (Foto anterior, de pormenor).
Nesta imagem, uma observação detalhada acusa que o óleo maior sofreu, numa fase ligeiramente posterior, alguns repintes, nesta zona. Nota-se sob o muro, o traço primitivo só da casa.

2. Porquê a encomenda de dois quadros ao mesmo pintor, com a mesma data?

O de menores dimensões, temos a certeza, foi criado para decorar o Salão dos Oficiais do Gil Eannes.
O outro, pelo trajecto sofrido, imagino que terá sido uma obra para adorno de gabinete governamental.

3. Apesar do mesmo autor e ano, um terá sido original e o outro, cópia. Terá sido feito, primeiro, o destinado ao navio?
Imaginemos que sim. Este, apesar de menor, que, presentemente se encontra nas reservas do Museu, tem uma existência bem mais marcada por emoções e afectos, porque navegou durante cerca de vinte anos no navio-hospital da frota bacalhoeira (1955 – 1973).
É uma obra extremamente reproduzida em postais, brochuras, catálogos e livros, surgindo, nas três alternativas apontadas (sem muretes, nem jardins [1ª versão], com muros e jardins [2 ª versão] e ainda com canteiros exteriores floridos [3 ª versão]).

Um estudo de pigmento (cromático), conduzir-nos-ia a uma data exacta dos repintes, bem como do original e da cópia. Não me atrevo a exigir tanto…
Mais haveria a dissertar e a descobrir, mas chega de martirizar quem, porventura, teve a paciência de nos ler.

Fotografias de arquivo e gentil cedência do MMI

Ílhavo, 8 de Outubro de 2010

Ana Maria Lopes
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3 comentários:

marmol disse...

Olá Dra. Ana Maria,

Louvo a sua paciência de investigadora para deslindar todas estas diferenças aparentemente inexistentes para as pessoas comuns.
Parabéns.
Oliveira Martins

fangueiro.antonio disse...

Boa noite.

De louvar estes seus dois artigos sobre esta obra e a discussão poderia facilmente alongar-se. Em dois pontos, julgo que o nome dado à obra "Família de Pescadores" não será o ideal, pois a obra inclúi muito mais que uma família de pescadores. Parece-me um nome dado à pressa e facilitista.
Quanto às casas de pescadores e a serem floridas ou não pelo menos o pequeno bairro dos pescadores das Caxinas incluía jardins e canteiros. Acredito que não seria a regra.

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

Unknown disse...

Viva!

Sou neto do pintor Domingos Rebêlo, e venho dar-lhe os parabéns pelo trabalho que realizou, acerca de duas obras que a família Rebêlo desconhece.Há vários anos que faço um levantamento sobre a vida e obra do meu avô, e o seu texto e imagens são preciosos.Estou a iniciar um modesto trabalho de divulgação na internet, cujo endereço é: http://domingosrebelo.com .Grato, Jorge Rebêlo