sábado, 2 de julho de 2022

Linguajares d´Íbalho

À laia de explicação...

O meu “linguajar dos ílhavos” tem andado meio engadanhado!  Bai ò no bai?

Nada de especial, mas gostaria de deixar o meu contributo, para um assunto que sempre me apaixonou.

Comecei por, no ano de 1967, ter feito um inquérito linguístico, na Gafanha da Nazaré, para um trabalho universitário. A grafia usada era, por imposição do professor, o alfabeto fonético, que, então, estava em vigor para tal fim.

No final dos anos 60, para a minha tese de licenciatura, “O Vocabulário Marítimo Português e o problema dos mediterraneísmos”, fixei um glossário marítimo, também grafado em alfabeto fonético, com cerca de 830 entradas.

O bichinho ficou-me…

Ao longo da vida quando enveredei pela escrita de alguns livros, quantos glossários não fiz, bem como de livros de pessoas amigas, que achavam que eu tinha muita paciência para construir glossários.

Passados uns anos, estando na Escola Preparatória de Ílhavo, a leccionar a disciplina de Português e a orientar estágio na Profissionalização em Exercício, em Maio de 1985, o 1º grupo levou por diante um levantamento de regionalismos. A minha colega e amiga Isabel Cachim Madaíl deu-nos uma grande ajuda, pondo-nos à disposição um levantamento e recolha, que tinha feito, por gosto próprio, durante vários anos.

Mais um intervalo…

Um belo dia, veio-me à mão, numa livraria, o “Dicionário de Falares das Beiras” de Vítor Fernando Barros, editado em 2010, que comprei e li com afinco. Não era bem o que eu esperava, mas lá fui tirando algumas ilacções.

O gosto pelo linguajar dos “ílhavos” ia-me acicatando, devido ao contacto escrito que com ele ia tendo, através dos diversos textos que Senos da Fonseca, ia, com alguma graça e expressão, escrevinhando. E o primeiro foi «O Labareda», editado em 2007, tendo eu dado uma ajudinha nas suas 356 notas de rodapé, que tinham a ver com o linguajar local.

Mais uns anos de intervalo, quando, por 2017, comecei a registar um glossário, com um critério pré-definido, sendo as minhas fontes de consulta, as seguintes:

. Os meus próprios conhecimentos como “ilhava”, que sou, e os conhecimentos resultantes dos vários glossários em que já tinha colaborado.

. “Falares de Ílhavo”, de Manuel Machado da Graça, cuja compilação se pressupõe ter sido feita no final dos anos 30, início dos anos 40 do século passado, com três diferentes originais, numa edição de João Machado da Graça, de 50 exemplares, em 2001.

. “Regionalismos de Ílhavo” de Isabel Maria Cachim, Madaíl, dactilografados em Maio de 1985, mais tarde publicados no jornal “O Ilhavense”, esquartejados por letras, em alguns números.

 

.  “Costumes e Gente de Ílhavo” de Diniz Gomes, que, segundo o autor, foi por ele escrito sem preocupações de natureza literária em linguagem a todos acessível, com dizeres familiares e correntes do vocabulário popular, tanto do nosso Ílhavo, a que sempre recorreu, por vício de origem ou paixão bairrista. Em dois volumes, foi o primeiro editado em 1941 e o segundo, em 1947. Em aulas quinzenais de leitura, na disciplina de Português, usei com frequência, alguns contos destes, para despertar nos alunos o uso de alguns termos regionais, usados em contexto normal. A saber… “Mulheres de Ílhavo”, “A Bateira do Catraló”, “Homens de Ílhavo” e outros. Gostava, mas não lhes dava o valor que dou agora, em que os li e reli, em busca do tradicional e puro, mais relevantes.

 

.  Além de “O Labareda”, 2007, que já citei, de Senos da Fonseca, serviram-me de base de consulta, do mesmo autor, os livros “Marés” de 2008, “Costa Nova – 200 anos de História e Tradição –, 2009, pp. 166 a 168, “A Barca da Passagem na Maluca”, 2010, Postais, in “Os novos Maias na Costa Nova”, 2014, “O Naufrágio do Senhor dos Aflitos”, 2018 e “Saga Maior”, do mesmo ano. O autor, sem dúvida, tem um grande conhecimento destes linguajares e usa-os com grande facilidade em contextos brejeiros e não só, como sentia ser assim, à época – há cerca de 100 anos… Ao fazê-lo, talvez se sinta o rapazote que foi convivendo com gente mais velha, em vielas, carris e nas areias da Costa Nova, assistindo ao burburinho e movimento das artes de arrastar.

 

. “Contos da Terra dos Ílhavos” de Licínio Amador, 2010.

.  “Linguajar dos ilhabotos”, de Manuel Teles, 2017, que, gentilmente, me cedeu, a meu pedido – umas tantas páginas de palavras e expressões, que aqui incluo, identificadas como todas as outras.

.  “Meu crido home”, carta recebida no bacalhau e encontrada dentro de um velho baú, corria o ano de 1930. Organizada e preparada por Maria José Cachim. Apesar de bastante conhecida, não deixo de a transcrever mais adiante. É uma pérola do linguajar ilhavense.

A história ainda não acabou… Numa actividade literária na Biblioteca de Ílhavo, por Abril de 2018, encontrei-me com Domingos Cardoso, que me deu a novidade que estava mesmo a ultimar um grande trabalho de recolha de linguajares, expressões, frases, dizeres, provérbios, que daria ao prelo, por Junho do mesmo ano, com o título de “Palabras co Bento no Leba”.

Perante a notícia, que recebi com agrado, no dia seguinte, encaixotei o “meu” material dactilografado e manuscrito e parti para nova “emposta”.

Até que um belo dia do passado Outubro, Senos da Fonseca me pediu a brochura de Manuel da Graça, que não encontrava, dando-me conta de um trabalho que trazia entre mãos, mais para distrair, “O linguajar dos ilhos”, que constava de uns quantos textos dele, originais ou refeitos, bem recheados do nosso antigo linguajar, de que, no final, faria um levantamento de palavras e expressões locais.

Certo. Trocámos umas impressões sobre o trabalho que eu tinha posto de lado e ele incentivou-me a acabá-lo, se isso me dava prazer, em tempos ainda pandémicos. E até deu. Dentro dos parâmetros que havia definido, já está quase arrumado. Não terei, possivelmente, interesse, em publicá-lo, mas, para uso interno ou para meia dúzia de amigos interessados, será sempre mais um.

Fevereiro de 2022

Ana Maria Lopes


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