terça-feira, 25 de novembro de 2014

Traineira «Praia da Atalaia» naufraga na Barra de Aveiro


Fez exactamente ontem, 24 de Novembro, 51 anos, que aconteceu esta tragédia.
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A traineira Praia da Atalaia naufragou na barra de Aveiro, ao sair para a pesca, a 24 de Novembro de 1963. Teriam perecido, lamentavelmente, mais de 30 pescadores (segundo o jornal Comércio do Porto de 25 de Novembro de 1963).
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Era uma traineira utilizada na pesca da sardinha com rede de cerco, pertencente à praça de Peniche, construída, em 1954, por Asdrúbal Simão do Carmo para Aníbal Correia e outro sócio.
Media, de comprimento, fora a fora (17.68, entre perpendiculares), 21. 05 metros, boca,  5.25  e pontal,  2.01 m.
A arqueação bruta era de 45.82 toneladas e a líquida, de 12.30.
A propulsão era assegurada por um motor diesel Burmeister & Wain/Alpha, de 180 Hp.

Praia da Atalaia

Cerca das 16 horas, largou do seu ancoradouro, na lota, no Canal das Pirâmides, para demandar a barra, não obstante o sinal de mar bravo estar içado.
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A Praia da Atalaia navegou até à cabeça do molhe norte, tendo-se o mestre apercebido que o mar estava muito agitado. Por insistência da companha, decidiu voltar ao porto, tendo dado ordens ao maquinista para reduzir a velocidade. Quando a embarcação estava atravessada à ondulação para inverter o rumo, uma vaga alterosa atinge-a com violência por estibordo, rebentando contra o costado.
Antes que a Praia da Atalaia conseguisse safar-se da posição, uma segunda vaga, ainda mais forte, rebenta-lhe em cima, voltando-a e partindo-a ao meio.
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Entretanto, a traineira Josefa Vilarinho, que navegava ainda no canal da barra, transmitiu para o posto Rádio Telegráfico da Mútua de Pesca, desta cidade, o que havia acontecido. Imediatamente, e por intermédio do mesmo posto, foi chamada a intervenção das duas corporações de Bombeiros Voluntários de Aveiro, assim como a tripulação do barco salva-vidas Jaime Afreixo (1948-2002) dos Socorros a Náufragos. Este barco de socorro, embora tivesse sido lançado à água logo que recebeu aquela comunicação, não pode romper com a ondulação violenta do mar, regressando ao seu ancoradouro.
Outras embarcações idênticas mantiveram-se, ainda por largo tempo, com os seus projectores para as águas, na esperança de poderem recolher alguns sobreviventes que viessem arrastados pela corrente para dentro da barra. Alguns tripulantes daquelas embarcações conseguiram saltar para terra, para, tentarem socorrer alguns sobreviventes no areal da praia de S. Jacinto, para onde a Praia da Atalaia havia sido arrastada de quilha para o ar.

Até à hora em que o jornal noticia – 21,30 h –, o único sobrevivente era o pescador Pedro da Conceição Júnior, natural de Lagos, que, bom nadador e de forte compleição física, conseguiu manter-se à superfície, agarrado a uma bóia, tendo sido lançado para cima dos blocos do molhe. Na esperança de auxiliar alguns dos camaradas que pudessem dar à costa, por ali foi ficando, até que foi levado para a Base Aérea de S. Jacinto, onde recebeu os primeiros socorros.
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A mesma fonte fornece a constituição da tripulação, pertencendo à nossa zona:
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Aveiro, motorista Francisco Ferreira Cordeiro, ajudante de motorista, José Alberto Marques Cordeiro e pescadores João Simões Basílio, Carlos Alberto Ribeiro Alcaide, Manuel Matos, Francisco da Graça Basílio, Fernando dos Santos, Celestino Fernando Pataca, José Salvador da Costa, Manuel de Oliveira Pinto, Manuel Salgado, Manuel dos Santos, Manuel Fernandes Teixeira Calisto, Augusto dos Santos Neto e Manuel Maria da Silva, também de Aveiro.

Gafanhas, Emílio da Silva Gramata, Hermínio da Silva Caçoilo, Armindo dos Santos, António Faustino Pereira da Rocha, Manuel Evangelista dos Santos Cadete, José Maria da Rocha Sardo Cravo, e Moisés Vidreiro Matos.

Ílhavo, Manuel Domingos Magano.
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Segundo a mesma fonte, Comércio do Porto, mas de 26.11.1963, sabe-se de acordo com informação oficial, que o número exacto de homens a bordo que pereceram no naufrágio é de vinte e nove porquanto um, Pedro da Conceição Guerreiro, como referimos, conseguiu salvar-se e oito não chegaram a embarcar.
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A traineira afundada está quase totalmente desmantelada. 

Do jornal Comércio do Porto, 26.11.1963

 
Há, portanto, algumas disparidades entre o número de náufragos, ao compararmos os dois jornais, de datas subsequentes.
Os barcos da frota de pesca, ancorados no porto de Aveiro, hastearam as suas bandeiras a meia adriça em sinal de luto, tendo, logo de madrugada, iniciado as pesquisas ao longo da costa do litoral aveirense para a possível recolha de corpos dos desventurados pescadores que, porventura, viessem a ser arrojados às praias.
De manhã, foi recolhido e levado para terra, na praia da Torreira, o cadáver do pescador João Simões Basílio, casado, de 64 anos, da Gafanha da Encarnação.
 A tragédia, originada, ao que parece, por um acto de menos prudência, causou a maior consternação na cidade e arredores.
O Sr. Capitão do porto, Agostinho Simões Lopes, esteve em S. Jacinto, a fim de se inteirar das condições em que se deu o trágico acontecimento.
Chegou a Aveiro o Sr. Guilherme de Sousa Otero Salgado, presidente do Grémio e Mútua dos Armadores da Pesca da Sardinha, que representará nos funerais das vítimas do naufrágio, o Contra-almirante Henrique Tenreiro e Comandante Sá Linhares.
O Sr. Capitão do porto de Aveiro representará, nos funerais, o Sr. Presidente da República, e, também, o Sr. Ministro da Marinha. Os funerais serão custeados inteiramente pelo cofre da Mútua dos Armadores da Pesca da Sardinha, não bastando isso, de forma alguma, para superar a falta que os saudosos pescadores, em plena actividade, fizeram às suas famílias, ao tentarem arrancar das águas, o seu sustento, com amor e carinho.
A nossa barra tem sido palco, lamentavelmente, ao longo dos anos, de muitos acidentes e naufrágios. Segundo testemunham os entendidos, não é uma barra fácil.
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Imagem – Gentil oferta do amigo Reinaldo Delgado
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Ílhavo, 25 de Novembro de 2014
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Ana Maria Lopes
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1 comentário:

Anónimo disse...

Lembro-me do nome dessa traineira e julgo que depois foi feita outra com o mesmo nome. Tb julgo que por esse tempo a lota ainda era dentro do canal das Pirâmides no Rossio de Aveiro... Fui ler porque o 1º motor da «Vila de Ílhavo» foi um grande motor «atlas imperial» ainda com os balanceiros visíveis, de outra traineira. Naquele tempo as tripulações eram de cerca de 40 a 42 tripulantes porque a rede era toda alada á mão na borda do barco... A «Vila» começou com a tripulação grande e já descarregava no cais junto ás pirâmides mas pouco depois passou a ter alador e essa tripulação caiu para menos de metade... Naquele tempo acostavam na lota dezenas de traineiras apesar de elas entrarem tb noutros portos, tendo a «Vila» pescado um ano em Olhão... Muitas vezes as listas de pescado mensais das lotas tinham várias dezenas de traineiras.... Lembro que uma vez a «Vila» entrou com 3 mil cabazes de carapau, vinha de tal modo carregada que dentro da barra ficou só com a cabina de fora por uns momentos e o carapau foi vendido entre 7 escudos e 25 tostões o cabaz... Mas tudo acabou e a maioria da pesca reduz-se a montes de pequenas barcoletas por todo o país...

António Angeja