segunda-feira, 24 de junho de 2013

Costa Nova recebe moliceiros, em exibição - 2013

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Até imagino que as águas lagunares do Canal de Mira se vão espantar pela visita. Para além dos dois moliceiros tradicionais residentes entregues à actividade turística, «Pardilhoense» e «Marnoto», e do «Inobador», presença calma no CVCN, as águas da Costa Nova já não eram sulcadas por estes belos cisnes polícromos, desde 2007, último ano, dos dez, em que o CVCN promoveu regatas desta embarcação, pela Senhora da Saúde.
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Terá havido um reconhecimento mútuo dos palheiros riscados, por aqueles, os mais velhos, que ainda passaram para o sul, em comércio de moliço (poucos), e uma recordação, eventualmente, daqueles que já não são desse tempo, mas que ainda visitaram a nossa praia entre 1998 e 2007, pela Senhora da Saúde e uma novidade, para aqueles, os mais novos, que nunca a haviam visitado, a praia de casas riscadinhas, que nos acolhe todos os verões. Apenas ouviam falar da antiga Senhora da Saúde, que lá levara seus pais e avós, em regata, em promessa, enfim, …em romaria.
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Como etapa final do evento «Ria de Aveiro Weekend», havia uma regata de exibição com partida pelas 14 horas, do Jardim Oudinot até ao Cais dos Pescadores, a sul da Costa Nova.
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Achámos que a melhor opção era mesmo integrarmo-nos nela, para a ver mais de perto e sentir melhor a adrenalina do que é navegar à vela, com uma nortada fresca!
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Até aqui, tudo bem – era o previsto.
 

Antes da partida, no Oudinot…
 
Mas, in loco, tuto, tudo mudou. Atracados alguns moliceiros (barcos), arrais e camaradas começaram a chegar. E a nortada a aumentar…
E a regata faz-se, não se faz? – ouve-se .
Inesperadamente, a Etelvina e eu ficámos sem transporte, mas, entre tantos conhecidos, algum nos havia de levar. O Ti Zé Revesso, arrais experiente e conhecido de ambas, lá nos levou a nós e a uma pessoa da organização. Éramos os únicos 3 tripulantes. Amedrontados com o que víamos e ouvíamos? Talvez, mas sem querer demonstrar… Era uma experiência nova…
Ainda em terra, houve algumas desistências – uns optaram pelo automóvel, outros pela lancha PRAIA DA COSTA NOVA, que também acompanhava o percurso.

 
Lancha reconstruída
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Além do interesse e curiosidade, reflectia – então, eu, neta do Capitão Pisco, que foi à Groenlândia, só à vela, no velhinho Novos Mares, e bisneta da Arraisa Caloa, não havia de ir de moliceiro, à vela, do Oudinot à Costa Nova, com nortada fresca?
Se o Ti Zé Revesso ia, eu ia com ele. O camarada já não era assim tão afoito.
 

O Ti Zé Revesso e eu…
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Os sonidos ensurdeciam – o vento assobiava, as velas batiam, as escotas zangalhavam e as vozes reclamavam. Que panóplia de sons!
O S. Pedro, mesmo em mês de santos populares, não estava a colaborar.
Os moliceiros, um por um, melhor ou pior, receosos de algum sinistro, lá iam saindo. A afoiteza era superior!
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O Ti Zé Revesso apenas içou o pano, fora da marina do Oudinot, mas, por ali, a força da água encanada da barra e o vento que aumentava, eram os nossos opositores.
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O nosso arrais, ao abrigo da coberta de proa, troca as calças por calções e toca de içar a vela. Puxa, puxa a adriça, iça a verga e a vela, mas as dificuldades são algumas.
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- Eh, cuidado cum a berga!
- Cuidado cum a escota a bater!
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Perto de nós, outro moliceiro, o MANUEL VIEIRA também estava enrascado, mas acabou por navegar!
Mais ainda, teria havido um pequeno acidente no DOS NETOS, a que a Polícia Marítima dava assistência.
Eis que eu e a Etelvina ouvimos um forte e estranho arranhanço rrrrrrrrrrrrr…. no casco, a meio, por bombordo. Algo tinha roçado…o quê? …uma maldita estaca, não visível, que lá estava prantada.
Prognóstico – casco arrombado! Metia água, embora pouca. O arrais, sabedor e ágil, rapa do maço e dá umas pancadas no sítio certo. Não impedia o passeio.
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Meu Deus! De que me havia de lembrar? Do Titanic. Em vez de um iceberg foi uma estaca. Mas não naufragou!
Extasiada pelas manobras, na hora – «rizar o pano» para diminuir a superfície da vela, largar a toste, escoar o barco, pôr o falquim, para impedir que o chapisco entre, atenção à escota, mais ou menos folgada, mais ou menos caçada!
 

Prende a escota

Arrais ao leme, lá seguimos, a favor do vento, mas com grande inclinação.
Lá me agachei à popa, sentada num pneu, semi- recostada no paneiro de ré.
Cerca das 15 horas e trinta, o zebro da Polícia Marítima abeira-se de nós, para comunicar que a regata estava cancelada.
O Ti Revesso insistiu e avançou, dizendo:
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«Ah, rombo, num é por isso que num bamos. Chego ao estaleiro, o mestre bota-lhe um fecho e nem me leba dinheiro por isso».
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Mas, o vento aumentava, assobiava e a ria «acarneirava». Seria imprudente continuar?

Passámos por baixo da ponte – foi cá uma destas tangentes ao mastro e à ponta da verga. Parecia feita à medida. Que velocidade!     

 
Agilidade e destreza, a bordo
 
Pela Biarritz, exactamente, arriámos a vela e socorremo-nos do pequeno motor fora de borda.
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Contra vento e contra maré, era cada chapada de água no rosto e nos óculos! Também era tudo quanto se me via – chapéu enterrado até aos olhos e colete de salvação, por precaução.
O A. RENDEIRO apontou ao Oudinot, para nos deixar e aproveitou para arriar o mastro. E assim seguiu até à Murtosa.
Não foi tão bom como pensámos, mas que foi diferente, emocionante e arriscado, lá isso foi. Adorável!
Um afável até para o ano!, em jeito de despedida.

Até para o ano!.................


E por aqui fiquei atordoada de beleza e de emoção, algures pelo Oudinot, a escrevinhar.
Nem sei como atinei com a prosa, tal era o zumbido que me encharcava a cabeça!
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Imagens – Recolhidas, hoje, por mim e cortesia de Etelvina Almeida
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Algures no Oudinot, 23 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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5 comentários:

João Reinaldo disse...

Parabéns pela coragem!
O espírito de aventura abafou o medo, e a determinação do Ti Zé Revesso, com a ponta da verga a tangenciar o arco da ponte, proporcionou-lhes uma viagem histórica que, só por instruções rigorosas da PM não atingiu o objectivo final.
Também, com duas tripulantes (camaradas) assim, qual o arrais que não
brilhava...

etelvina almeida disse...

FOI O QUE SENTIU... ASSIM O PARTILHAMOS COM GENTE DA RIA, COM GENTE AMIGA...

Fiquei sem palavras, porque "bebi" de tudo o que escreveu, saborei tudo o que vivemos e ainda me sinto em plenitude... Foram momentos e vivências na ria, entre gente genuína e amiga e barcos com alma.
Obrigada Ana Maria pela partilha, obrigada pela companhia, e um bem haja a esses homens moliceiros....

Forte abraço para uma mulher corajosa!

Etelvina Almeida

Maria Emília disse...

Belíssima descrição da "aventura". As fotografias estão óptimas e bem escolhidas!
Parabéns!

Anónimo disse...

Será que para além do Titanic, esta «intrépida marinheira» não se recordou da trapalhada daquela navegação em Viana do Castelo, quando da inauguração do típico barco de Lanhezes, também esteve na eminência de se inscrever no rol dos náufragos portugueses?...
À Drª Ana Maria, parabéns pelas excelentes descrições do seu blog, que jamais deixarei de observar à distância.
Albino Gomes

Ana Maria Lopes disse...

Caro Amigo:

Obrigada pelo seu comentário.
Pois, é verdade. Na inauguração do barco de Lanhezes, em Viana, lá íamos indo barra fora, antes de ir encalhando contra um dos pontões.
Não fosse a catraia de Esposende Sta. Maria dos Anjos passar-nos o cabo de reboque.
Grandes navegações!