domingo, 16 de maio de 2021

O lugre "Ernani"

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Por ser um dos lugres de Testa & Cunhas de que se conhecem menos dados, e de que não existem fotos, isoladas, tentei recolher os que encontrei em diversas fontes, alargando, ao máximo, a sua história. Quem, porventura, souber mais e queira contribuir, pode participar. Aceitam-se, de bom grado, informações.

O lugre “Ernani”, de madeira e de três mastros, foi construído na Gafanha da Nazaré, por Manuel Maria Bolais Mónica e lançado à água a 26 de Dezembro de 1918, com o nome de “Estrella do Mar”, para o Armador Santos, Moreira & Cª., de Aveiro, na posse do qual se manteve até 1920.

Foi pertença da Companhia Aveirense de Navegação e Pesca, Lda., de Aveiro, entre 1920 e 1921, tendo navegado com o nome de “Apollo”.

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O lugre “Apollo” na ria de Aveiro
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Passou a chamar-se “Ernani”, aquando da venda, em 1921, à Empreza de Navegação e Exploração de Pesca, também de Aveiro, à qual Testa & Cunhas o adquiriu, em 20 de Dezembro de 1927, com o mesmo nome. Simpatizou com a designação e manteve-a, até porque havia um conceituado familiar de um sócio, assim chamado.

O “Ernani” media 37,10 metros de comprimento, fora a fora, 8,90 m. de boca e 3,85 de pontal.

Com arqueação bruta de 256,70 toneladas e arqueação líquida de 182,92, não tinha, nem nunca veio a ter, motor auxiliar.

Depois de vendido, manteve as mesmas características.

Foram seus capitães: Augusto Fernandes Pinto, (1922 a 1924), Júlio Fort’ Homem (1925), Júlio António Lebre (1925 a 1930) e Joaquim Fernandes Agualuza, pelo menos, em 1934, segundo pesquisa feita no jornal “O Ilhavense”.

Na campanha de 1928 o lugre navegou com 44 tripulantes, dispondo de 39 dóris. Pescou 1446,7 quintais de peixe, que renderam 173 600 escudos. Na de 1929, com o mesmo número de tripulantes e de dóris, pescou 1 503,3 quintais que renderam 180 400 escudos. Na de 1930, com 43 tripulantes e o mesmo número de dóris, pescou 1 105,7 quintais que renderam 132 680 escudos.

Não participou as campanhas de 1931 e 1932. Na campanha de 1933, o lugre navegou com 42 tripulantes, dispondo de 40 dóris; registou, nesse ano, a magnífica captura de 4 560 quintais de peixe, tendo ainda produzido 2 000 quilos de óleo de fígado de bacalhau. O valor do pescado rendeu 548 000 escudos.

Com algum encanto e fascínio que atenuam um pouco o cansaço da visão, tenho consultado as actas da Empresa proprietária do “Ernani e na de 11 de Agosto de 1934, encontrei alguns dados que passo a resumir: - (…) Depois de elaborado o presente relatório, chega-nos a notícia infeliz do desaparecimento do nosso lugre “Ernani, nos bancos da Groenlândia. Ignoramos pormenores, nem sabemos como se liquidarão os seguros efectuados. Uma dificuldade nos surge.

Como suprir a baixa daquela unidade?

Três soluções se apresentam:

1ª – Reparar e apetrechar o “Silvina, há uns anos desactivado;

2ª – Adquirir um navio já feito;

3ª – Mandar construir um navio novo.

Um só navio não defende a sociedade das suas despesas.

Há falta de informações acerca da ocorrência e está ausente o capitão Manuel Simões da Barbeira, cuja opinião técnica convém apreciar (…).

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Vista aérea da seca, em 1933
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A falta de informação e de notícias que sabemos ter existido, naqueles anos difíceis, é prova da crueldade, desumanidade e dureza de tal vida!...

Pequenos fragmentos vão engrossando o relato e no nosso Jornal de 19 de Agosto de 1934, o título “Lugre Hernani chamou-me a atenção:

“Como é sabido, êste navio bacalhoeiro foi pasto das chamas na Groenlândia, onde estava pescando.

Sabia-se que a tripulação se havia salvo, mas ninguém tinha conhecimento do seu paradeiro.

A Empresa Testa & Cunhas enviou dois telegramas a saber dos náufragos, que ficaram sem resposta.

Teve, então, que apelar para o Ministério da Marinha que, por sua vez, reclamou do Ministério dos Estrangeiros, providências, no sentido de saber do paradeiro do lugre “Hernani.

A resposta veio, por fim, que eles se encontram distribuídos pelos vários pesqueiros que estão naquelas paragens”.

Na acta de 15 de Agosto de 1935, lê-se:

(…) A empresa tinha dois navios em safra, que tiveram de ser totalmente apetrechados. Devido ao lamentável sinistro que incendiou o “Ernani, só tirámos resultado da safra do “Cruz de Malta.

Entre o prejuízo da perda do “Ernani e o respectivo pagamento do seguro, a empresa teve um prejuízo efectivo de cerca de 80 contos (…), que têm de ser suportados pelos lucros desta safra, e que foi levado, na devida proporção, às contas de prejuízos dos sócios (…).

Importa-nos comunicar aos dignos sócios que é de salientar o acto de solidariedade dos capitães dos demais navios pesqueiros e a actividade do nosso capitão (Joaquim Fernandes Agualuza) e demais pessoal do lugre “Ernani, quando do seu incêndio, que, recolhendo a outros veleiros onde produziam serviço, evitaram à nossa Empreza, despezas de repatriação, que importariam em cifra superior a um cento de contos.

Segundo informação oficial (Lista de Navios Portugueses, secção dos naufrágios), o incêndio deflagrou a partir da cozinha, propagado por uma porção de azeite que estava a ser utilizado para fritar peixe.

É caso para repetir que a história da Faina Maior nunca estará acabada…

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Ílhavo, 16 de Maio de 2021

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Ana Maria Lopes

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