quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Apontamentos sobre o barco moliceiro do Ti Adelino Ameixa

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Também na Gafanha da Encarnação houve pintores populares de moliceiros, que lhes reformularam as pinturas sempre que necessário.

Foi o caso do Ti Adelino Graça, por alcunha o Ameixa, que fez, também, até ao Verão de 1988, a travessia de passageiros na barca da passagem, entre a Gafanha da Encarnação e a Costa Nova, colaborando durante alguns anos com Manuel Ameixa, seu irmão mais novo.


O Ti Adelino ao leme da barca da passage
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Mas o Ti Adelino (1911-1990), como ele me confessou, nasceu num moliceiro, começou a gatinhar nas painas da proa e por lá foi vivendo com uma irmã até aos sete anos. Mais tarde, passou a ter barco próprio, até que se desfez do último em proveito do Museu de Marinha de Lisboa, em 1979. Tinha sido construído em 1964 pelo Mestre Henrique Lavoura, nascido em 1930, em Pardilhó.

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E lá está, acolhido no Museu de Marinha, exposto ao público, no Pavilhão das Galeotas, não em grande estado de conservação (pelo menos na última vez que o vi). Exibe os painéis, de uma grande singeleza e ingenuidade, pintados pelo seu último proprietário, não sem um ou outro erro ortográfico e até o uso do grafema N, invertido. Os de estibordo:

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Cta. NOVA – ADELINO GRAÇA (o AMEIXA)
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NAO HABACALHAO
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Merecia uma profunda amanhação, porque é uma embarcação com passado…

Fotografias de Arquivo

Costa Nova, 21 de Setembro  de 2023

Ana Maria Lopes

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domingo, 17 de setembro de 2023

Em vésperas da Senhora da Saude. 2023.

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Em maré de romarias setembrinas, segue-se no último fim-de-semana de Setembro (21 a 25), a festa da Nossa Senhora da Saúde, na Costa Nova.

Se fosse possível regredir no tempo, por uns anos, desejaria assistir a uma romaria dos anos sessenta, com artística armação na Avenida Marginal e nos caminhos conducentes à Capelinha. A montagem da armação em altos escadotes marcava o início da festa. Seguia-se a chegada das primeiras tendas. Mas quando os primeiros moliceiros vinham do norte e do sul da ria, os norteiros e os matolas e atracavam mesmo aqui pertinho de mim, então a festividade estava próxima.


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Nas proas dos moliceiros
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Recordo com saudade a chegada das barracas das cutelarias de Guimarães, os chapelinhos de papel de vários feitios e cores, os brinquedos toscos infantis de lata e de madeira, o café “de apito”, a doçaria tradicional da Ti Rosa Caçoa, com os seus suspiros melosos e açucarados e os bolinhos brancos de gema.

Ao lado, a Ti Adelaide Ronca com as flores das festas, de papel, com quadra a gosto, e as coloridas e vistosas ventarolas. O Sr. Quintino Teles com os seus pratos típicos, em cerâmica relevada, com castanhas e sardinhas assadas, ovos estrelados, que até apetecia degustar, etc.


A ler a sina…

Ainda os ferros forjados, as barracas das loiças de Barcelos e de alguns atoalhados e “lingerie”, bem como, os homens dos guarda-chuvas, a leitura da sina, compunham o ramalhete.

E os vistosos e animados coretos com a banda a tocar!!!!.....

 

 

Nos famosos coretos!...

Não faltava a Vida de Cristo, em movimento, descrita em voz roufenha, rouca, do publicitador, tornada ensurdecedora pela ampliação conferida pelas cornetas do altifalante, que tentavam sobrepor-se ao anúncio da casa dos espelhos, do carrocel, dos carrinhos eléctricos ou cadeirinhas voadoras.

Com muita gente, com muito barulho, acabou por se tornar impossível a festa na frente/ria, incluindo a própria procissão, que não era recebida com o respeito devido.

Há uns anos largos, toca de mudar a festa para a Avenida do Mar. Ainda pior!!!! Chegou-se a um exagero e a uma falta de sanidade, com que alguns moradores não conviviam muito bem, quase impossibilitados de entrar em suas casas. Já não eram vendas típicas e, por vezes, ingénuas, mas uma autêntica FEIRA, onde chegou a intervir a ASAE.

O que se seguiu? A procissão, após a missa festiva e pouco mais.

No entanto, na frente/ria, passados uns tempos, voltaram a aparecer as doçarias festivas diversas, muito apelativas, os frutos secos muito apetecíveis, e algumas barracas de brinquedos e quinquilharia. 

Assim, está bem – nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O domingo da festa, pelas 23 e 30 da noite, tem encerrado com um fogo de artifício variado e de qualidade, que espelha na ria, com duplo e bonito efeito.

Entretanto, os dois anos de pandemia conduziram a mudanças radicais, que registei neste blogue, a seu tempo.

Ainda se vai passar à Costa Nova a Senhora da Saúde, quanto mais não seja, para saborear, entre amigos, a chanfana ou o leitão assado, o que origina uma prévia “procissão de leitões”.

O momento alto que vivo na festa é a passagem da procissão na Calçada Arrais Ançã, frente à minha varanda, com colgadura de damasco amarelada, em que reúno alguns amigos para a verem passar, num misto de satisfação, convívio, colorido, adorno empenhado dos andores e muita fé.


Nossa Senhora da Saúde, a passar na Mota
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Outros aspectos haveria mais a enumerar – irmandades, fanfarra, grupo de escuteiros, pároco da Gafanha da Encarnação, acólitos e crentes acompanhantes, cumpridores de promessas.

Nem gosto, sequer, de ver a casa fechada, nesse dia.

Tradição…apesar de já não ser o que era. É a que temos. Está a tomar uma posição sensata, sem exageros. É para respeitar e tentar transmitir…

Este ano, vamos a ver como corre. Uma coisa, é consultar o Cartaz, outra é apreciar, de facto, os eventos.

Foto a cores -  Etelvina Almeida

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Costa Nova, 17 de Setembro de 2023

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O iate "Favorita"

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Recordemos o naufrágio do iate “Favorita”, que nos levou a fazer uma visita ao local, para o vermos “claramente visto” e podermos contar como foi. Já eram prenúncios do Marintimidades.

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O iate “Favorita” encalhado, nas proximidades da praia do Areão
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Na madrugada do dia 15 de Setembro de 1966, há 57 anos, pelas 3 horas da manhã e, devido ao intenso nevoeiro que envolveu o nosso litoral, encalhou, entre as praias da Vagueira e de Mira, o iate “Favorita”, elegante embarcação que parece ter sido do ex-Rei Faruk, do Egipto, e que agora, pertencia a um capitalista belga e arvorava a bandeira panamiana.

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Segundo informação do jornal “O Ilhavense”, de 20.9.1966, a tripulação do iate encalhado salvou-se e era composta por sete homens, embora viessem também, a bordo, os Srs. Américo Bolais Mónica e António da Silva Mónica, da Gafanha da Nazaré, para cujos estaleiros vinha a embarcação, a fim de ser reparada.

A notícia correu célere na Costa-Nova e nós não pudemos faltar. Fica “o boneco” para a posteridade.

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O “Favorita”, ponto de atracção…
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Alguns objectos foram dando à Costa e o espaço circundante esteve cercado e vigiado pela autoridade competente.

Foram feitas várias tentativas para salvar o iate, que estava seguro em 20 000 contos, mas em vão.

Lá apanhei no areal um bonito ornato de madeira, em forma de vaso floral, já um pouco surrado e batido pela pancada insistente do mar, vestígio de algum bonito móvel, que teria decorado o iate encalhado.

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Costa Nova, 15 de Setembro de 2023

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Ana Maria Lopes

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domingo, 3 de setembro de 2023

O Bote Catraio de Passagem

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O espaço do "Marintimidades" é, hoje, com gosto, cedido ao amigo Capitão Marques da Silva.

Quando há tempo passei na Sala das Galeotas do Museu de Marinha e reparei no bote catraio que lá está exposto, pensei que seria este o modelo que ficava a aguardar oportunidade e disposição para eu dar início a um novo trabalho.

Conversei este assunto com o Dr. Paulo Costa que rapidamente procurou, encontrou e me ofereceu um desenho desta bonita embarcação. Era um belíssimo trabalho da coleção Seixas, que como todos é de uma perfeição e rigor inexcedíveis.

Não foi preciso mais nada para me dar a coragem que me andava a fazer falta. Principiei a preparar um plano de formas na escala de 1/25, como me é habitual, para que este modelo possa vir a fazer parte da minha já vasta colecção. É um bonito barquinho de formas perfeitas e como trabalha com velas de espicha vai enriquecê-lo duplamente, pois será o primeiro desta arte.

Agora nada mais era preciso para começar a preparar o estaleiro e procurar nas minhas reservas os pedaços de madeira de limoeiro que me iam permitir fazer a quilha e as rodas da proa e da popa.

Prontas estas peças, chegam os pormenores e o trabalho vai com mais vagar. As escarvas de ligação devem ser perfeitas, para o conjunto ficar resistente, desempenado e certo no comprimento que o modelo tem. De seguida, é o alefriz que vai levar algum tempo para ficar bem graminhado, principalmente no redondo da roda de proa.

Agora, durante a montagem no estaleiro, tudo tem de ser feito com atenção. A quilha deve ficar bem segura, com a roda e o cadaste alinhados e fixados na vertical, para que o barquinho se construa perfeito.

Chegou então a altura de tratar das cavernas e as primeiras são as duas da casa mestra. Como são iguais, são marcadas e serradas ao mesmo tempo e depois de prontas assentes na quilha nos respetivos lugares, marcados previamente, de acordo com a informação retirada do plano de construção.

Com a colocação de mais algumas cavernas para vante e para ré das mestras, o meu bote começa a mostrar as suas formas elegantes e bem proporcionadas.

Aos olhos de quem o observa, as linhas do seu casco parecem ter sido retiradas de algum gabinete de arquitectura naval, traçadas por mestre muito sabedor.

Estou convencido, se hoje esse gabinete tivesse que idealizar uma embarcação de vela e remo, para executar o trabalho de transportar pessoas de um para outro lado da bacia do Tejo, ou passageiros e tripulantes de navios ancorados neste porto, serviço que a esta estava destinado, nada alterava ou modificava nesta pequena embarcação.

O desenho que me orientou é de Francisco Dias datado de 1929, o que me leva a pensar que teriam sido os barqueiros que navegavam nestes catraios, os chamados catraeiros, que reunidos em grupo, formaram a conhecida Companhia dos Catraeiros. Recordo que, era aos Catraeiros que eu fazia a requisição das lanchas e reboques, quando eram necessários para as manobras do meu navio em porto.

Mas voltando ao meu modelo que ficou pronto e afagado a preceito, chegou a altura de começar a preparar o leme, as bancadas e os paneiros. Ainda faltava o mastro do grande, o da catita, o gurupés, o botaló e as varas das espichas, para poder tirar a dimensão e a forma dos painéis da vela grande, da catita e da de estai, que me permitiriam riscar no pano as respectivas velas.

Como este bote usava a arte de espicha (velas em que o punho da pena é esticado por uma vara em diagonal), este plano vélico era também uma novidade para mim e foi necessário aprender. Depois de cortadas, bainhadas, entralhadas e envergadas nos respetivos mastros, foi com muito gosto que verifiquei que o meu trabalho tinha resultado.

Faltava ainda fazer dois pares de remos, uma fateixa, um balde e um vertedouro para o meu bote catraio ficar aparelhado. Resolvi deixar este modelo sem pintura. Dei isolante por fora e por dentro e revesti tudo com recuperador incolor para ficar à cor da madeira. Como sempre, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais, choupo no costado, tola nas cintas bancadas e remos. Ramos de ameixieira nos mastros e varas. Nas ferragens e âncora, usei cobre. Nas velas e cordame algodão.

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Por estibordo
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De cima…

 

Plano de construção
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Plano vélico
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Gafanha da Nazaré, 3 de Setembro de 2023

António Marques da Silva

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